Cena de Taego Ãwa, 2016, de Henrique Borella e Marcelo Borella
Na quarta, 27, a prioridade na 19ª Mostra de Cinema de Tiradentes foi conferir os longas.
A Mostra Transições tem se revelado como um recorte interessante dentro da programação – com exceção de Jonas.
Ontem foi exibido no Cine-Tenda Clarisse ou alguma coisa sobre nós dois (2015), produção cearense dirigida por Petrus Cariry.
No filme, Sabrina Greve é a protagonista, uma mulher orbitada por seu marido, David Wendefilm, e pelo pai, Everaldo Pontes. Com o companheiro ela mantém uma relação crispada – ausente no sexo; ríspida no café da manhã. Já com o pai, ainda que menos dura, não se furta a espicaça-lo e o acusar de abandono.
Os filmes de Petrus Cariry têm uma estética minuciosamente trabalhada, vide seu primeiro longa-metragem, O grão (2007) – ali fotografado por Ivo Lopes Araújo, um esteta jamais estéril. Já em Clarisse ele assume também a fotografia, como já havia feito em Mãe e filha (2011) e em outros curtas.
O cineasta encontrou uma intérprete perfeita em Sabrina Greve, notável em suas composições no longa Uma vida em segredo (2001), de Suzana Amaral, e no curta O duplo (2012), de Juliana Rojas. Sabrina tem um estilo de interpretação econômico, e em que tudo parece acontecer por dentro. Daí ser perfeita para sua personagem, que vai se esvaindo em sangue durante a narrativa, como se o todo o represado – desejo não vivido, culpa, inadequação – pudesse romper a qualquer momento.
“Quando o desejo dá lugar para a dor, o corpo não suporta”, algo mais ou menos assim é dito durante o filme. Ao ficarmos de frente para a postura dura, de olhos e de corpo, de Sabrina, rapidamente instala um sentimento em nós, do lado de cá, de que algo está à espreita pronto para vir á tona e com uma força desmedida de dor e fúria.
Já na Aurora foi exibido o terceiro filme da mostra competitiva: Taego Ãwa (2016), de Henrique Borela e Marcela Borela.
Grande destaque da competição até agora – e com real chance de se premiado -, o filme aborda a tribo Ãwa, os índios invisíveis que a Funai forçou contato em 1973, depois de séculos em que eles recusavam - e com isso fugiam - qualquer abordagem com os brancos. Agora, a nova geração de uma das aldeias da tribo, chefiada por um jovem cacique, luta para a demarcação de sua terra.
Mas não é essa a história de Taego Ãwa, ainda que essas questões estejam presentes. Aos cineastas, Marcela Borella e Henrique Borella, parece interessar mais conhecer aqueles índios, aquela tribo, aquela cultura, mas pela perspectiva deles e não de um olhar estrangeiro invasor.
Na relação entre brancos e índios, ainda mais em um povo avesso ao contato, o olhar sempre será estrangeiro, mas os diretores tentam – e conseguem – não verticalizar suas presenças, seja na aldeia, seja nas cenas impressas no filme.
Taego Ãwa tem cenas belíssimas. A que mais me impressiona é o passeio de barco entre mãe e filho, em que mesmo do caudaloso rio para a densa floresta, ela consegue vislumbrar árvores e trechos de memória. Vemos ali, naquela cena, uma radiografia mais precisa do que página e páginas de enciclopédia do tamanho que a natureza tem para a vida dos índios - o que por si só já os diferenciam daqueles - nós - que lhes tomaram a terra, o protagonismo na cultura, e os assassinam.
Taego Ãwa não é apenas filme que respeita os índios, é filme que dá o protagonismo para eles no sentido mais pleno, ainda que a direção cinematográfica jamais desapareça.
19ª Mostra de Cinema de Tiradentes – Programação completa
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