Abertura - Credito: Jackson Romanelli/Universo Produção
A 20a Mostra de Cinema de Tiradentes abriu ontem com forte teor político e social. Um norte definido na temática dessa edição, "Cinema em Reação, Cinema em Reinvenção", em intersecção com os acontecimentos políticos e sociais dos últimos 20 anos do país.
O feminino está no centro da ação. E aí entendido desde as homenageadas desses 20 anos de trajetória, as atrizes e diretoras Helena Ignez e Leandra Leal, o marco inédito na seleção de longas da programação - entre os 29 selecionados, 12 são dirigidos por mulheres (41%) - , e toda a concepção artística da abertura. Vale ressaltar também o registro fotográfico exibido na tela do Cine Tenda, com um elenco de diferentes mulheres que passaram pela Mostra nessas duas décadas - atrizes, diretoras, técnicas, corpo administrativo do evento etc.
Em seu discurso, Raquel Hallak - ao lado dos parceiros da Universo Produção, Fernanda Hallak e Quintino Vargas - anunciou a abertura da Casa da Mostra na Rua Direita, 224. A Casa vai disponibilizar ao público a consulta de todo o acervo dessas duas décadas da mostra: catálogos, livros, objetos, áudios de debates, imagens em vídeo e fotografia.
A performance audiovisual dirigida por Chico de Paula recrutou um quinteto poderoso de atrizes, ator, performers, cantoras e músico: Josie Lopes, David Maurity, Bia Nogueira, Grazi Medrado e Barulhista. Em cena, e no centro nervoso pulsante, questões como feminismo, negritude, identidade e orientação sexual
Josie Lopes impactou a plateia já no corredor central do Cine-Tenda com a força do seu tambor tribal e seu canto agreste e ancestral. Sua chegada ao palco foi a passagem do bastão para a entrada do mestre de cerimônia, David Maurity, entoando versos da canção Super homem, de Gilberto Gil. Mauritiy, do coletivo Toda Desejo, conduziu a apresentação com pleno domínio da cena, injetando sutilidades transgressoras no protocolo, o que jamais deixou a apresentação cair no convencional . Bia Nogueira fez a junção de canto e teatro com seu peculiar domínio de cena, e, por fim, a entrada matadora de Grazi Medrado, a mais bela artista da cena belorizontina, e beleza aqui entendida não só na questão estética, pois é também aí, mas ainda na altivez de luta política e humanista. Grazi interpretou texto inspirado de Grace Passô, que passeou por reflexões sérias, elegantemente costuradas por jogos de palavras, para apresentar as homenageadas, Helena Ignez e Leandra Leal. E por fim o artista sonoro e compositor Barulhista assinando a trilha sonora indispensável para o desenho do conjunto.
Foi, com certeza - para o Mulheres -, uma das mais belas aberturas das duas décadas de Mostra.
Tanto Helena Ignez como Leandra Leal subiram ao palco para receber o Troféu Barroco como homenageadas acompanhas de mulheres de suas famílias, no caso, também do universo artístico: Helena com as filhas Djin e Sinai Sganzerla; Leandra com a mãe Ângela Leal - aliás, a filha de Leandra roubou a cena nas suas intervenções para que a mãe não falasse, no que Leandra, em suas tentativas de se desvencilhar dos apelos da filha, divertiu a plateia ao dizer "E agora sou mãe"
Divinas divas, documentário de 1h50 dirigido por Leandra Leal - que marca a passagem da atriz para a direção - foi o filme de abertura. Em cena, um grupo de travestis pioneiras que marcaram época como artistas no Brasil dos anos 1960,, e que deram continuidade às carreiras nas décadas seguintes em nível nacional e algumas, inclusive, internacional. Mais que marcarem a cena, elas também são fundamentais para as conquistas de hoje na luta das questões LGBTT e também para a construção de identidade do país. São elas: Rogéria, Jane Di Castro, Divina Valéria, Camille K, Eloína dos Leopardos, Fujika de Halliday, Marquesa, Brigitte de Búzios.
Divinas Divas é um registro histórico que jamais abre mão do olhar humanista e que faz ponte fundamental com a própria história de vida de Leandra, já que ela conviveu com todas desde a infância. Isso porque foi seu avô, Américo Leal, fundador do Teatro Rival, atualmente administrado por Leandra e sua mãe, o primeiro a abrir as portas de um teatro para aquela comunidade.
A 20a Mostra de Cinema de Tiradentes vai até o dia 28 de janeiro, com uma programação intensa e gratuita de filmes, debates, seminários, oficinas, cortejo, atrações musicais, lançamentos de livro e exposição.
Programação completa
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