Pesquisadora, crítica e escritora carioca Andrea Ormond assina curadoria da edição 2017 da Curta Circuito - Mostra de Cinema Permanente
Curta Circuito é uma das mostras de cinema mais queridas e importantes de Belo Horizonte - com braços em várias cidades do estado; nessa edição com apresentações em Montes Claros e Araçuaí. A cada edição uma certeza se impõe: a garantia de encontros únicos com o cinema brasileiro sempre em recortes surpreendentes.
Capitaneado pela não menos querida Daniela Fernandes em equipe de bambas como Cláudio Constantino e Affonso Uchoa, a nossa Curto Circuito chega, com muito merecimento, à sua 16a edição.
E se estamos falando de Curta Circuito - Mostra de Cinema Permanente o público já sabe de antemão que as novidades são sempre de alta cepa. E para essa edição de Clássicos BR 2017 não poderia ser diferente, só que dessa vez com um pulo do gato que é tacada de mestre: a pesquisadora, crítica e escritora Andrea Ormond assina a curadoria. Bom, todo pesquisador e amante do cinema brasileiro sabe que a carioca Andrea Ormond é nome incontornável quando o assunto engloba nossos filmes, nossos realizadores e toda a fauna que circunda a produção cinematográfica nacional. Assim como Paulo Emílio Sales Gomes, Glauber Rocha e Jairo Ferreira fizeram suas impactantes e históricas revisões do cinema brasileiro, a pena de Andrea Ormond vem reescrevendo uma revisão crítica da nossa geografia cinematográfica que é um petardo que resgata o passado, reconfigura o presente e aponta o futuro livre de qualquer clichê que esse próprio enunciado pode propor. Filmes, realizadores, equipes e momentos históricos do nosso cinema visitados e revisitados por Ormond vêm sempre com uma originalidade de tirar o chão em perfeita grafia ética e estética, em que forma e conteúdo ganham contornos únicos, originais e personalíssimos.
A curadoria de Andrea Ormond para a Curto Circuito, como não poderia deixar de ser, coloca o cinema popular - um de seus xodós - merecidamente em seu lugar devido. Com o título sedutor de País Tropical, o recorte proposto por Ormond vai apresentar três cineastas fundamentais do cinema popular: Carlo Mossy, Alfredo Sternheim e Afrânio Vital. E que o público não espere pouca coisa, pois além de apresentar filmes essenciais dos três realizadores, como o impactante e inesquecível Ódio, de Mossy, o classudo Paixão na praia, de Sternheim, e a relíquia recuperada Os noivos, de Vital - filme que estava desaparecido há décadas e que será exibido pela primeira vez -, cada exibição vai receber um convidado especial - como é de praxe na mostra -, mas também, nessa edição, com aulas-magnas com cada diretor.
A abertura da 16a edição da Curta Circuito - Mostra de Cinema Permanente, com o tema País Tropical, é em grande estilo. Exibe um dos clássicos-mor da pornochanchada, gênero delicioso do cinema popular dos anos 1970 e 80, Giselle (1980), filme dirigido por Victor di Mello e produzido por Carlo Mossy, com a presença da fabulosa atriz Monique Lafond, nome fundamental do nosso cinema, e da curadora Andrea Ormond para um bate-papo ao final da exibição - será exibido também o inédito curta dirigido por Mossy, Ridículo (2016). A abertura acontece nessa segunda, 20, às 20h, no Cine Humberto Mauro - entrada franca com distribuição de senhas meia-hora antes.
Carlo Mossy, ator de clássicos do cinema brasileiro como Copacabana me engana (1968 - Antonio Carlos da Fontorua), produtor de momentos luminosos como Essa gostosa brincadeira a dois (1974 - Victor di Mello), e diretor do inesquecível Ódio (1977), é o primeiro recorte a se apresentado, em março e abril - sua masterclass "O Rei do Cinema Popular" acontece no dia 25 de abril. O cinema de Alfredo Sternheim ganha a tela do cine Hunberto Mauro em maio e junho, e o de Afrânio Vital em julho e agosto.
O Mulheres do Cinema Brasileiro tem o maior respeito e admiração por Andrea Ormond, que concedeu, por e-mail, a entrevista abaixo sobre sua curadoria País Tropical.
Entrevista: Andrea Ormond
Mulheres do Cinema Brasileiro: Como se deu sua parceira com a Curta Circuito e o convite para a curadoria dessa programação especial desse ano?
Andrea Ormond: Há alguns anos venho participando do Curta Circuito, seja enviando textos para os catálogos, seja participando do debate no ano passado, quando estive com a Darlene Glória, comentando o "Toda Nudez Será Castigada". A aproximação com a mostra sempre foi natural, sempre houve uma afinidade de propósitos: a vontade de resgatar a memória do cinema brasileiro, com afeto e cuidado. Quando a Daniela Fernandes, diretora do evento, me convidou para a curadoria, me senti em casa. É uma equipe excepcional.
MCB: O cinema popular das décadas de 1970 e 80 tem tudo a ver com grande parte de sua revisão crítica do cinema brasileiro no Estranho Encontro e em outras publicações. Como se deu a escolha desse recorte para a sua curadoria?
AO: A idéia central foi falar do cinema popular brasileiro, escolhendo três homenageados que representam facetas importantes do fenômeno. E falar do cinema popular fora do óbvio. Por conta disso, escolhi Carlo Mossy, Alfredo Sternheim e Afranio Vital. O erotismo está presente na obra de todos eles, mas sempre com jóias que ninguém espera. Um exemplo: o Mossy produziu "Giselle", um clássico de milhões, e também "Ódio", um petardo de ultraviolência. O Alfredo Sternheim era um dos intelectuais da Boca do Lixo, mas também tocou em tabus, assinou com o próprio nome filmes explícitos e outros que falam abertamente sobre homossexualidade, como "Corpo Devasso", que exibiremos. Por fim, o Afranio Vital, um dos pouquíssimos cineastas negros brasileiros, dirigiu o escracho cult "Longa Noite do Prazer", mas também o existencialista "Os Noivos", como bom discípulo de Walter Hugo Khouri. Aliás, uma informação importante: conseguimos encontrar e recuperar "Os Noivos", do Afranio. O filme estava desparecido há 38 anos e será exibido pela primeira vez desde então. Meu trabalho como crítica é mais amplo, não aborda apenas o cinema popular, procura dar conta do todo no cinema brasileiro, vide a trilogia de livros que escrevi, que vão desde a era silenciosa até os dias atuais. Acredito ser importantíssima essa demonstração ao grande público de que existe um mundo de informações sobre o nosso cinema que precisa ser exposta e debatida, como nos filmes escolhidos para a mostra.
MCB: Como se deu a escolha dos cineastas e dos filmes que serão apresentados nessa edição da Curta Circuito?
AO: Como falei anteriormente, escolhi nomes-chave, representantes do fenômeno do cinema popular, cada qual com matizes diferentes. Os filmes dão uma panorâmica do trabalho de cada um deles para que, em conjunto, deixem nos espectadores uma visão bem costurada do trabalho do Mossy, Alfredo e Afrânio. Ao final de cada ciclo teremos uma masterclass com cada homenageado, o que ajudará para aproximá-los ainda mais das pessoas, através de bate-papos que são sempre super prazerosos. É como se o público visse a história ao vivo, marcados pela emoção das histórias dos bastidores e da trajetória de cada homenageado.
MCB: Teve que fazer escolhas difíceis em relação a cineastas e filmes para esse recorte?
AO: As escolhas são sempre difíceis, sem dúvida, porque temos que levar em consideração limitações práticas, como tempo e orçamento, por exemplo. E existem limitações típicas do cinema brasileiro, que todo pesquisador conhece de perto: alguns filmes estão simplesmente desaparecidos. Um deles conseguimos recuperar, como Sherlock Holmes, buscando pistas. É o caso do "Os Noivos". Em 2017, teremos 3 ciclos de mostras, de março até agosto. Por conta disso, o eixo da curadoria foi escolher nomes-síntese, com elementos que não são óbvios, mas que são fortes, marcantes, como falamos antes. O resultado final me deixou bastante feliz e com a certeza de que uma parte da missão está cumprida. Agora é compartilhá-la com o público, a razão de ser de todo o esforço, sempre no resgate de uma parcela especial da nossa cultura: os filmes e a memória do cinema brasileiro.
MCB: Qual sua expectativa com o público dessa edição e qual a sua relação com Belo Horizonte?
AO: Tenho um carinho especial por Minas Gerais e por Belo Horizonte, onde tenho amigos queridos de muitos anos, leitores do meu trabalho que, neste 2017, completa 12 anos. Existe um amor muito grande pelo cinema e pela brasilidade, um encantamento que sempre me ficou muito nítido nas vezes que vim a BH. É algo que não parou no Ciclo de Cataguazes. E estar na sala Humberto Mauro, a começar pelo nome, significa compartilhar um templo sagrado. A expectativa é a melhor possível.