Alfredo Sternheim - crédito da foto: Dossiê Zingu!
Alfredo Sternheim é muito querido no meio cinematográfico. Ele é um daqueles homens essencialmente de cinema, universo em que construiu toda a sua trajetória, seja como roteirista, como cineasta, como jornalista, como crítico. Soma-se a ela seu profundo conhecimento do nosso cinema, sobretudo o popular, e sua generosidade nata com quem lhe procura para falar sobre o assunto.
Sua chegada ao cinema foi de altíssimo quilate: por um lado foi assistente de Walter Hugo Khouri – o maior cineasta brasileiro para esse escriba; admiro em mesmo quilate Glauber Rocha, mas se Rocha é sempre incessado, Khouri nem tanto, por isso sempre realço tanto o primeiro – em dois filmaços: A ilha (1963) e Noite vazia (1964); por outro, seus primeiros curtas foram premiados e sua estreia em longas também, o classudo Paixão na praia (1971) – Prêmio Governador do Estado de roteiro e para os atores Lola Brah e Ewerton de Castro.
Paixão na praia é surpreendente pelo já domínio de cena de seu realizador em seu primeiro longa, e que já trazia como protagonista uma atriz do porte de Norma Bengell – para esse escriba um dos cinco maiores nomes entre a constelação luminosa de atrizes do cinema brasileiro, ainda que não a admire como pessoa, mas isso é uma outra história. E de quebra com outra deusa: a saudosa Lola Brah. Daí para a frente, Sternheim construiu notável carreira com quase 40 filmes, entre curtas e longas, e é, hoje, um dos sinônimos mais absolutos de um período riquíssimo do cinema brasileiro: a Boca do Lixo.
Muito justamente, Alfredo Sternheim é um dos homenageados da edição 2017 da Curta Circuito, mostra importante em Belo Horizonte e que nesse recorte conta com a curadoria da indesviável Andrea Ormond, crítica e pesquisadora – esse editor participa da homenagem como crítico convidado para o segundo longa do cineasta, Anjo loiro, outro belo filme e com outra importante protagonista, Vera Fischer.
O melhor de tudo é que nem só de Norma, Lola e Vera o cinema de Sternheim se fez – o que já é um feito e tanto. Como construiu galeria interessante e importante de personagens femininas multifacetadas – a mulher em crise no matrimônio, a arrivista, a freira idealista, a cortesã romântica, a atriz em crise existencial, a homossexualidade femina, e muitas outras -, seu cinema é, de ponta a ponta, uma verdadeira galeria das mais belas e talentosas atrizes brasileiras – outra aproximação com Khouri.
A trajetória cinematográfica desse editor já cruzou com a de Alfredo várias vezes: fui leitor de suas matérias e colunas nas revistas de vídeo da época e da G Magazine; ele já participou do Mulheres homenageando a deusa Neide Ribeiro; editei seu dossiê na saudosa revista Zingu! - em que fui colaborador, colunista, redator e editor; estamos juntos na biografia de Afrânio Vital, de Carlos Ormond e Andrea; escrevi sobre Anjo loiro no catálogo da Curta Circuito; e, claro, assisti quase todos os seus longas.
Agora, o Mulheres do Cinema Brasileiro, profundo admirador do cinema de Alfredo Sternheim, pega carona e faz também sua homenagem a esse nome incontornável do nosso cinema. Como foi dito acima, a generosidade de Sternheim é tão grande que ele aceitou comentar sobre quase a totalidade das atrizes que dirigiu em seus filmes. Com isso, caro leitor, prepara-se para o que o nosso querido Alfredinho tem a dizer sobre deusas como Norma, Sandra, Vera, Helena, Elisabeth, Alvamar, Kate, e tantas outras – além de responder ainda a duas perguntas.
Em tempo: a homenagem a Alfredo Sternheim na Curta Circuito, no Cine Humberto Mauro, em Belo Horizonte, vai até o final de junho - no dia 20 o cineasta vai ministrar uma masterclass
Duas perguntas
MCB: Alfredo, você trabalhou com quase todas as estrelas da Boca, mas sinto falta nos seus filmes de Matilde Mastrangi, Aldine Muller, Selma Egrei, Misaki Tanaka, Ana Maria Kreisler, Kate Lyra, Monique Lafond e Nicole Puzzi. Foi falta de oportunidade?
AS: Foi falta de oportunidade. Gosto de todas elas. Mas Aldine e Selma foram as protagonistas da série que dirigi no Telecurso de Educação Moral e Cívica. Cada episódio tinha uma história, as duas faziam personagens fixas e, no elenco de apoio, atuações ocasionais de gente como Dionizio Azevedo, Henriqueta Brieba, Ewerton de Castro, Marcia de Windsor, Ivete Bonfá, Geórgia Gomide e muitos outros. Durou uns três meses.
MCB: Tem alguma - ou mais de uma - atriz que gostaria de ter trabalhado e ainda não deu?
AS: Muitas. Fernanda Montenegro, Glauce Rocha, Adriana Prieto, Louise Cardoso, Eva Wilma, Léa Garcia, Sônia Braga, Arllete Montenegro, Camila Pitanga, Jacqueline Myrna, Dina Sfat...
As atrizes - Elas por Ele Especial
Norma Bengell - Grande atriz, mas com um temperamento difícil. Já tinha convivido com ela em “Noite Vazia”, em que fui assistente do Khouri. E não foi fácil. Mesmo assim, fiquei feliz quando Norma, estrela internacional, topou fazer “Paixão na Praia”. Um ótimo desempenho. Com 18 dias para filmar, enfrentei problemas sérios gerados por ela.
Lola Brah - Uma grande amiga que muito batalhou pelo cinema brasileiro. Escrevi para ela a personagem da Baronesa em “Paixão na Praia”. Fiquei contente com a sua atuação e seu generoso profissionalismo. Tenho muita saudade.
Ariclê Perez - Uma ótima atriz que fez apenas pequena participação em “Paixão na Praia”. Mas, desde então, passou a existir estima entre nós. Morava perto. A sua morte foi surpreendente. Mas não condeno.
Vera Fischer – Outra pessoa maravilhosa, que, com desprendimento e profissionalismo, ofereceu ótimo trabalho em “Anjo Loiro” Carismática, garantiu mais sucesso ao filme. Ficamos amigos, até vizinhos em certa época. Mas depois que foi para a Globo, nossa relação esfriou.
Célia Helena -Famosa no teatro, ela já tinha feito cinema. Retornou em “Anjo Loiro”, quando a contratei diante da impossibilidade de ter Irene Ravache. A filmagem atrasou três meses e ela ficou grávida, não podia mais fazer uma professora solteira. Chamei Célia.Um trabalho notável que lhe valeu vários prêmios. Serena e dedicada, encantou a todos nas filmagens. .
Liana Duval – Já veterana, na vida e na arte tinha um humor incrível que agregou ao “Anjo Loiro”. Uma delícia a atuação e a filmagem com ela. Atriz que, além de vizinha em certo tempo, ficou amiga até se mudar para uma pequena cidade onde morreu.
Rossana Ghessa - Fui conhecê-la ao ser convidado pelo amigo e jornalista Carlos Fonseca para dirigir “Pureza Proibida”, que Rossana iria produzir. Aceitei, me entusiasmei com o argumento da Monah Delacy (“A Freira e o pescador”), e fomos em frente. Depois, a convidei para “Lucíola”, em que Rossana se saiu melhor ainda.
Monah Delacy – Uma atriz vigorosa, uma excelente pessoa, dona de ampla cultura. Empenhada e profissional, tornou fácil o trabalho em “Pureza Proibida”.
Ruth de Souza – Já a conhecia e a admirava há anos. Uma das maiores atrizes do Brasil.Quando surgiu a oportunidade, a convidei para “Pureza Proibida”. Fiquei feliz que, com essa atuação, ela ganhou o prêmio APCA (Assos. Paulista de Críticos de Arte) de Melhor Atriz Coadjuvante do ano. Ruth é determinada e doce, fantástica.
Dorothy Leiner - Atriz de teatro e professora da Escola de Arte Dramática de SP, foi um luxo, uma honra tê-la em “Lucíola”. Linda e generosa, tornou-se grande amiga.
Helena Ramos - Pessoa doce e carismática, atuou com dedicação e encanto em “Lucíola” e em “Violência na Carne”, em que teve uma personagem difícil.
Kate Hansen - Bela e talentosa, saiu-se esplendidamente bem em “Mulher Desejada”, que armei em função de sua personalidade e sedução.
Elisabeth Hartmann – A conheci na filmagem de “A Ilha”, quando fui assistente do Khouri. Amizade à parte, é uma presença forte na tela e é uma grande profissional. Foi um prazer contar com ela em quatro filmes. O mais recente, o episódio “Amigas para Sempre” (de “Memórias da Boca”, 2015) em que se mostra excelente comediante.
Marlene França - Antes mesmo de fazer cinema já a conhecia do Tourist´bar, o local onde o pessoal de cinema se encontrava. Guerreira amável, só contei com a sua arte em pequeno papel em “Mulher Desejada”. Uma personalidade incrível, ousada.
Ivete Bonfá - A partir do convite que fiz para “Anjo Loiro” depois de vê-la no palco, nasceu uma das maiores amizades de minha vida. Sinto imensa falta dela, não me conformo com a sua morte aos 51 anos por causa de uma cirurgia. Ivete atuou em cinco filmes meus, vários com papeis escritos para ela. Como a psiquiatra de “Sexo dos anormais” tem uma sequência que, até hoje, provoca imensas gargalhadas. Afeto à parte, uma grande atriz no drama, em Shakespeare ou fazendo humor.
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Sandra Bréa – Mais estrela que atriz, era muito ciosa de sua bela imagem. Profissional, nos primeiros dias da tumultuada filmagem de “A Herança dos Devassos”, a nossa relação foi difícil. Depois entrou nos eixos e terminamos com muita estima.
Neide Ribeiro – Outra atriz que se tornou grande amiga. E continua sendo. Em um momento difícil da minha vida, ela e o marido Julio me deram grande apoio. Como atriz, Neide me inspira. É uma espécie de Carole Lombard brasileira: charme e malícia e certa fúria na medida certa. Antes de conhecê-la pessoalmente, escrevi a personagem de “Corpo Devasso” para ela. O mesmo se deu em outros três filmes com a sua presença. Inclusive “Amigas para sempre”, em que está incrível.
Patrícia Scalvi - Com a sua força suave, é uma grande atriz. Pena que só pude tê-la em um só filme, como a jornalista de “Corpo Devasso”. Uma doce criatura.
Meiry Vieira – Em três filmes pude ter Meiry com aquele poder de sedução fatal, algo na linha da Joan Bennet nos filmes de Fritz Lang. Ótima profissional, amável pessoa.
Lilian Lemmertz – Grande atriz no palco, na TV e nos filmes, foi mais amiga já que o seu único trabalho comigo em um episódio para um longa ficou inédito, inacabado na finalização. Depois que foi para a Globo, mal nos vimos.
Alvamar Taddei - Só a dirigi em “Amor de Perversão”, concebido a favor dela pelo produtor. Um trabalho gratificante, prazeroso. Com a sua doçura, Alvamar conduziu bem a sua personagem.
Norma Blum – Já a admirava desde que começou a sua carreira no cinema. Por isso, foi uma honra e uma alegria contar com o seu talento em “Amor de Perversão”. Amável, logo surgiram nossos laços de ternura. Com certa frequência, a encontro em SP. .
Tássia Camargo – O primeiro trabalho cinematográfico de Tássia (“Amor de Perversão”). Ela vinha de telenovela e teatro. Ótima profissional, naturalmente alegre, agregou uma sensualidade brejeira à personagem. Depois, se consagrou na Globo.
Carmen Silva – Outra excelente e adorável atriz. Como a matriarca da família, valorizou muito “Amor de Perversão”.
Eliana do Vale - Atuou em dois filmes, se saiu bem, mas não parecia ter muito tesão pela profissão de atriz. Em “Brisas do Amor”, fez par romântico com Arthur Leivas e acabou se casando com ele. As brisas do amor funcionaram.
Vic Militello – Como a carcereira de “As Prostitutas do Dr. Alberto”, a bem humorada Vic, que faleceu em janeiro, aplicou todo seu domínio cênico e deu realce às suas cenas.
Lígia de Paula – Outra excelente atriz que trouxe do teatro para o cinema da Boca. E que se tornou amiga. Com uma doçura que disfarça um pouco a sua personalidade firme, atuou em quatro de meus filmes.
Sandra Graffi – Esplendida, belíssima no visual e na alma. Atuou em dois de meus filmes. “Tensão e Desejo” foi escrito para ela. Valeu a pena. Está incrível, radiosa. Amo a sequência da dança-pesadelo. Grande atriz , deveria ter seguido carreira.
Sônia Mamede – Com a experiência acumulada nos filmes da Atlântida e nos humorísticos da TV, Sônia deu um baile em “Brisas do Amor”. Sou grato ao Luiz Carlos Braga por tê-la trazido. Em cinco dias de filmagem, ela se tornou amada por todos, inclusive por mim.
Maria Stela Splendore – Como a Neide não pode fazer “Brisas do Amor”, ela veio trazida por Luiz Carlos Braga. Já tinha feito um filme do Galante. Consciente da sua insegurança, foi super atenta. E pegou gosto pelo cinema. Mas, entre o fim da filmagem e a dublagem, tornou-se adepta do Hare Krishina. Uma surpresa.
Zilda Mayo - Uma das mais sensuais atrizes do nosso cinema na época, fez em “Tensão e Desejo” uma ótima participação provocante na humanidade e no erotismo.
Zélia Diniz – Outra excelente presença em “Tensão e Desejo”.Com elegância natural e com expressiva melancolia, deu realce à personagem da professora lésbica.
Gisa Della Mare – Em dois de meus filmes, Gisa mostrou uma feliz capacidade para fazer humor. Hoje, ela se dedica com sucesso no terreno da dublagem.
Sandra Midori – Essa descendente de japoneses mostrou ser dona de um incrível carisma. Com a sua espontânea brejeirice, tornou agradável as filmagens e os filmes. Até hoje, me perguntam por ela, me pedem fotos. Virou mito..
Claudia Wonder – Uma personalidade incrível,corajosa, tornou-se mítica a ponto de ser tema de um documentário. Nos dois filmes que fez comigo, provoca o riso e a ternura. Teria ido longe se não tivesse partido cedo.
Debora Muniz – Uma das grandes atrizes do nosso cinema. Faz tudo com garra, com verdade. Magnífica, há pouco a vi em uma peça. Só lamento ter feito apenas um filme com o seu entusiasmante talento.
Mara Manzan – Amiga, acompanhei de perto a sua ascensão na TV Globo, depois de fazer pequena participação em um dos meus filmes onde usou a sua habilidade na pirofagia. Alegre, partiu cedo.
Matéria publicada em 10 de junho de 2017.