Ano 20

12a Cineop - Cinema Negro

Aniceto do Império, em Dia de Alforria...?
Desde 21 de julho, com abertura oficial no dia 22, que Ouro Preto recebe pela 12a vez a Cineop, mostra que focaliza o cinema como patrimônio. Com isso, memória, preservação e educação são nortes que alicerçam toda a programação, que oferece uma agenda intensa com exibição de longas, curtas e médias, oficinas, seminários, debates, exposição, lançamento de livros e muito mais.

A Cineop – Mostra de Cinema de Ouro Preto, como não poderia deixar de ser, é uma prato cheio e saboroso para os amantes do cinema brasileiro e pepita de ouro para qualquer pesquisador da área.
 
O Mulheres do Cinema Brasileiro, na pele desse escrivinhador, chegou ontem à noite, 23, sexta. Antes mesmo de deixar a mochila no hotel, o endereço direto foi a tela nobre do Cine Vila Rica, um dos espaços de exibição da Mostra – há ainda o Cine BNDES na Praça e o Cine-Teatro no Centro de Convenções. 

O motivo era ansiado desde que a programação foi anunciada: a exibição de um curta e de um longa de dois pioneiros, e ainda hoje, da galeria de poucos diretores negros do cinema brasileiro - sobretudo em longas. Estamos falando de Zózimo Bulbul e de Odilon Lopez.

A admiração pelo carioca Zózimo Bulbul é grande. Tanto pelos filmes que dirigiu quanto pelos que atuou. Soma-se a isso ao seu engajamento visceral à causa negra. Desconhecer, por exemplo,  Alma no Olho, curta que ele dirigiu em 1976, é desconhecer tanto uma belíssima e impactante página do cinema brasileiro como um compêndio da luta da negritude.

Já o mineiro Odilon Lopez – radicado em Porto Alegre - sempre foi um nome referencial, mas absolutamente fora de acesso à sua obra. Seu pioneirismo dentro do recorte de cineastas negros, e ainda mais sendo fora do eixo Rio-São Paulo, sempre fez dele, aos olhos desse pesquisador, um nome a ser perseguido.

E eis que a Cineop, em uma tacada só, junta os dois e apresenta, na Mostra Histórica, o curta Aniceto do Império, em Dia de Alforria...?, de Zózimo, e o longa Um é pouco, dois é bom, de Lopez.

Aniceto do Império, em Dia de Alforria...? (1981) coloca em cena o compositor, cantor e mestre da Velha Guarda da Império Serrano, Aniceto, para, em um jogo cênico absolutamente bem construído por Bulbul, tanto falar sobre o Grêmio Recreativo Escola de Samba Império Serrano, como, a partir de seu personagem, descortinar todo um universo caro a nós negros: a trajetória de subjugação pelas condições do trabalho, a alforria, o abandono à sorte, a afirmação de identidade, e a consolidação da altivez de todo um povo fundador desse país.

Valendo-se de depoimento direto, encenação de ofício, cenas congeladas, fotografia, e falas, ritos e crenças do povo negro, Zózimo Bulbul realiza um curta que é registro não só de sua época, mas de uma nação.

Um é pouco, dois é bom (1970), é uma ficção surpreendente dirigida por Odilon Lopez, e dividida em dois episódios. No primeiro, um casal vivencia desde o idílio da lua-de-mel e dos planos para o futuro até a aniquilação familar pelas estruturas de poder. A partir do casal formado por Carlos Carvalho e Araci Esteves, Lopez traça toda uma crítica social em ritmo de morte anunciada, sem atalho e sem saída. 

Ainda que as deficiências no que é mostrado se fazem presentes, seja em algumas interpretações ou mesmo em composições – como o caricato agente do banco -, já nesse primeiro episódio o cineasta mostra que é capaz de construir planos sedutores, com o casal correndo no parque em meio a balões coloridos gigantes.  No elenco, ainda que há a estreia de Araci Esteves em longas, grande dama gaúcha que encarnaria anos depois a futura protagonista inesquecível de Anahy de las missiones e outros filmes, sobretudo produções gaúchas, quem se destaca mesmo é Carlos Carvalho, em sua via-crucis para a aniquilação.

E é no segundo episódio, protagonizado por Francisco Silva e pelo próprio Odilon Lopez, que o cineasta surpreende de vez o público. Seja nas construção do roteiro, seja na circularidade fílmica. E, mais que isso, pelo flerte com o psicodelismo bebendo na fonte do fantástico e do sonho – como um pré David Linchy dos pampas – e sem nunca abrir mão de uma crítica social, às vezes gaiata, noutras estrutural.

Em Um é pouco, dois é bom, o tempo todo há um certo desconcerto por estarmos frente a filme marcado por desajustes e deficiências. E por, ao mesmo tempo, sermos sacudidos por uma potência que, inesperadamente, vaza de escaninhos muito bem urdidos. Uma caixa de Pandora a ser decifrada.

A 12a Cineop continua com sua agenda intensa até o dia 26 de junho.

Mais informações e programação completa.
www.cineop.com.br

::Voltar
Sala 
 Betty Faria
Com amor profundo pelo cinema, premiada em vários festivais no Brasil e no exterior