Mostra Diretoras Negras no Cinema Brasileiro
Desde ontem, 4 de julho, Brasília está sediando mostra cinematográfica importante tanto para o cinema brasileiro como, especialmente, para as mulheres negras, para as mulheres em geral, e para todos nós negros. É a mostra "Diretoras Negras no Cinema Brasileiro", em cartaz na Caixa Cultural Brasília até terça, 11.
A programação apresenta um recorte caudaloso com a seleção de 46 filmes, entre curtas, médias e longas, em espectro que vai desde pioneiras até a novíssima geração de cineastas.
Em 2007, o Mulheres do Cinema Brasileiro, muito honradamente, fez aqui longa entrevista (ver menu link Elas por Elas) com Adélia Sampaio, diretora negra nascida em Belo Horizonte, Minas Gerais, e radicada no Rio de Janeiro desde os 12 anos. Em solo carioca desenvolveu carreira, o que lhe valeu o título importantíssimo de ter sido a primeira cineasta negra a dirigir um longa-metragem no país, Amor maldito. Realizado em 1984 e protagonizado por Monique Lafond e Wilma Dias, Amor maldito foi, na época, um dos poucos filmes nacionais com temática central sobre homossexualidade feminina para um público mais amplo, o que fez dele um marco.
A programação da mostra tem no formato curta a maior seleção de trabalhos, o que por si só já sinaliza a luta para as cineastas negras chegarem à direção de longas, realidade dura também para negros em geral.
Além dos filmes, a mostra conta ainda com dois debates. O primeiro aconteceu ontem, "Perspectivas e transformações: a mulher negra no cinema nacional", com as presenças das debatedoras Viviane Ferreira e Edileuza Penha de Souza e mediação da curadora Kênia Freitas. Já o segundo acontece no sábado, 8, às 19 horas, "O percurso das diretoras negras no cinema brasileiro", com as debatedoras Flora Egécia e Letícia Bispo e mediação pelo curador, Paulo Ricardo Gonçalves de Almeida.
Na Mostra Diretoras Negras no Cinema Brasileiro, o público poderá conferir filmes das cineastas Adélia Sampaio, Danddara, Carmen Luz, Yasmin Thayná,Tainá Rei, Coletivo Revisitando Zózimo Bulbul + Mulheres de Pedra, Flora Egécia, Coletivo Nós, Madalenas, Edileuza Penha de Souza, Everlane Moraes, Elen Linth, Lucicleide Cruz, Larissa Fulana de Tal , Eliciana Nascimento, Carol Rodrigues, Keila Serruya, Sabrina Fidalgo, Renata Martins , Tatyana dos Prazeres, Ceci Alves, Janaína Oliveira Juliana Vicente, René Guerra, Luiza Marques, Lilian Solá Santiago, Marianna Monteiro, Edileuza Penha de Souza, Everlane Moraes, Viviane Ferreira.
A mostra "Diretoras Negras no Cinema Brasileiro" tem curadoria de Kênia Freitas e Paulo Ricardo de Almeida.
A curadora Kênia Freitas conversou com o Mulheres do Cinema Brasileiro por email sobre a Mostra e assuntos em torno desse universo.
Mulheres do Cinema Brasileiro: Como surgiu a ideia de realizar essa Mostra e quais os entraves, se aconteceram, para que ela se realizasse?
Kênia Freitas: A ideia inicial dessa mostra é do Paulo Ricardo. Minha participação surge a convite dele. Para mim, o mote principal dessa mostra era o de fazer os filmes dessas diretoras negras circularem mais. A gente está exibindo principalmente curtas, e o curtas-metragem já tem espaço de exibição restrito (quase sempre só nos festivais). E a minha percepção é que com raras exceções para o cinema feminino negro essa circulação é ainda menor.
MCB: Como seu deu a curadoria, já que os temas são diversificados e os estados de origem das diretoras também?
KF: Esse era um dos pontos: fazer uma seleção diversificada em formatos, gêneros dos filmes e origens das diretoras. O cinema feito por mulheres negras no Brasil é diverso, como são diversas essas mulheres. MCB: Existe uma pesquisa que identifique quantas cineastas negras existem no cinema brasileiro, desde as pioneiras até as atuais?
KF: Existem diversas pesquisadoras que têm se detido no assunto. Recomendo de início o trabalho da professora da UNB, cineasta e pesquisadora negra Edileuza Penha Souza. Ela tem se dedicado a esse tema há alguns anos, sendo uma das responsáveis, por exemplo, da descoberta que toda uma geração fez sobre o cinema da Adélia Sampaio.
MCB: Serão exibidos 46 filmes, entre curtas, médias e longas, um belo e importante apanhado. Foi difícil reunir todas essas obras?
KF: Claro que estruturalmente trabalhar com essa quantidade de filmes tem os seus desafios práticos. Mas não faria sentido exibir menos filmes ou menos diretoras. Como bem colocou a cineasta Viviane Ferreira no debate de abertura da mostra: não dá mais para pensar o cinema negro na base da exceção, de um ou dois diretores/as no holofote e os outros na invisibilidade. É preciso pensar em coletivo, em muitos filmes e muitas diretoras. No mais, as diretoras no geral foram muito receptivas ao projeto.
MCB: Você saberia me dizer de outras mostras realizadas no Brasil com esse foco?
KF: Primeiro e sempre, tem o encontro de cinema negro brasil, África e Caribe criado pelo Zózimo Bulbul. Mas muitas outras iniciativas estão acontecendo. Só que eu tenha conhecimento tem uma mostra de cinema feminino negro sendo produzida pela Edileuza Penha de Souza também em Brasília para agosto/setembro e uma sendo feita pela Hegli Lotério, no Espírito Santo, também para os próximos meses.
MCB: No recorte da Mostra o protagonismo é para mulheres e que são negras, dois entraves em uma produção audiovisual que sempre foi marcada, em termos quantitativos na direção, sobretudo de longas, por homens e brancos. Os debates que estão na programação têm como objetivo levantar questões como essa? Gostaria que comentasse um pouco sobre esse encontros.
KF: O primeiro debate ocorreu ontem com a participação da Edileuza Penha de Souza e da Viviane Ferreira. A discussão foi ampla, mas focando, sobretudo, em como as duas percebem o momento atual do cinema negro, e, sobretudo, do cinema negro feito por mulheres. E claro, essas diferenças estruturais de distribuição de recursos foram discutidas.
No sábado, teremos o segundo debate, com participação da cineasta Flora Egécia e da crítica Letícia Bispo, dessa vez com a mediação do Paulo Ricardo, curador da mostra. A ideia é seguir essa conversa tanto do aspecto prático de produção, quanto da crítica cinematográfica destes filmes
MCB: Tive a honra e a felicidade de entrevistar a Adélia Sampaio em 2007 no meu site Mulheres do Cinema Brasileiro, momento em que ainda não havia a visibilidade devida para a importância dela na história do cinema brasileiro. Como você vê essa invisibilidade que paira sobre o cinema negro e seus realizadores historicamente no cinema brasileiro?
KF: Esse é historicamente um grande problema. Por isso, não dá mais para pensar cinema negro na base da exceção, é preciso pensar no fortalecimento coletivo da produção e da sua discussão na crítica e na academia. MCB: Você integra o Elviras - Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema. Você sabe me dizer se existem muitas críticas negras? A questão negra tem sido levantada pelo Elviras, que já é hoje, merecidamente, destacado no setor cinematográfico?
KF: Existem muitas mulheres negras pensando cinema sim, seja na crítica ou na academia. Mas mais uma vez a gente percebe que a visibilidade é um problema sério para as mulheres negras.
Sobre o Elviras, somos poucas críticas negras a fazerem parte. Essa é uma questão da qual o coletivo tem consciência de que precisa avançar e muitas tem se mobilizado para isso.
Kênia Freitas é pós-doutoranda do programa de Mestrado da Universidade Católica de Brasília, doutora em Comunicação e Cultura pela UFRJ, mestre em Multimeios pela Unicamp, e graduada em Comunicação Social/Jornalismo, na Ufes. Possui pesquisas em andamento no campo do documentário, das novas tecnologias e do movimento afrofuturista. Realizou a curadoria das mostras "Afrofuturismo: cinema e música em uma diáspora intergaláctica" (2015/ Caixa Belas Artes/SP) e "A Magia da Mulher Negra" (2017/Sesc Belenzinho/SP). Integra o Elviras - Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
A Mostra Diretoras Negras no Cinema Brasileiro tem entrada franca - ver sinopses dos filmes: www.facebook.com/DiretorasNegras
Entrevista realizada por email em 05 de julho de 2017 para matéria publicada na mesma data.
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Kênia Freitas é pós-doutoranda do programa de Mestrado da Universidade Católica de Brasília, doutora em Comunicação e Cultura pela UFRJ, mestre em Multimeios pela Unicamp, e graduada em Comunicação Social/Jornalismo, na Ufes. Possui pesquisas em andamento no campo do documentário, das novas tecnologias e do movimento afrofuturista. Realizou a curadoria das mostras "Afrofuturismo: cinema e música em uma diáspora intergaláctica" (2015/ Caixa Belas Artes/SP) e "A Magia da Mulher Negra" (2017/Sesc Belenzinho/SP). Integra o Elviras - Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
A Mostra Diretoras Negras no Cinema Brasileiro tem entrada franca - ver sinopses dos filmes: www.facebook.com/DiretorasNegras