Ano 20

11a CineBH - Abertura

Crédito foto: Beto Staino
Há anos, Chico de Paula vem apresentando aberturas ótimas para as mostras da Universo Produção, seja em Tiradentes, Ouro Preto ou Belo Horizonte. Como esquecer temáticas como a dos programas de rádio ou de mestres de cerimônia absolutamente deslumbrantes como Dira Paes e Christiane Antuña?

Daí que com a chegada desse colosso que é Grazi Medrado na parceria da direção, o que já era bom aumentou a qualidade em altíssimos decibéis. Grazi Medrado é sinônimo dessa nova geração de mulheres empoderadas desse país magnífico que é o Brasil, ainda que sua elite econômica de última categoria, e em primeiríssimo grau de bandidagem, cinismo e péssimo gosto, queira nos colocar por terra, seja como nação, como grupos ou indivíduos.

Grazi habita a nobreza da negritude, que na capital mineira ainda é elencada em panteão de tirar o fôlego com nomes como Zora Santos, Leda Martins, Carlandréia Ribeiro, Eda Costa, Grace Passô, Lira Ribas, Aline Vila Real, Rosália Diogo, Elisa Santana, Janaína Cunha, Soraya Martins, Tatiana Carvalho Costa, Tainá Rosa, Danielle Anatólio, Rejane Faria, Elvira Santos, Karime Cajazeiro, Bia Nogueira, Michele Sá, Márcia Maria Cruz, Sinara Teles, Cris Gil, Karla Lopes, Vânia Lúcia da Silva, Silvana Monteiro, Kênia Ribeiro, Fátima Cunha, Eduana Rodrigues, e tantas tantas tantas outras.

Pois essa parceria Chico e Grazi tem resultado em aberturas potencializadas pela negritude e urbanidade tão faiscantes que, quem diria, essas cerimônias, em muitos eventos tão enfadonhas, passaram a ser, nas Mostras da Universo, algo esperado no campo da arte. A própria Grazi já foi mestre de cerimônia acachapante, em que, com os olhos úmidos, emoção à flor da pele e senhora do palco, alçou o ofício da apresentação ao patamar artístico.

Ontem, 22, na abertura da 11ª CineBH no Cine Theatro Brasil Vallourec não foi diferente.

Primeiro pelo local, pois o Cine Brasil, à época dos cinemas de rua, sempre foi o templo do povão. Do povão cinéfilo. Pois se a cinefilia, que sempre foi linda, muitas das vezes é entendida apenas como seara da classe média para cima ou vivenciada por indivíduos da classe baixa, mas nunca contemplada como definidora de grupo ali, naquele Cine Brasil de outrora era seu espaço de afirmação. Pretas, Pretos, Pobres, e Pobres de Tão Pretos sempre ocuparam aquelas, outrora, cadeiras de madeira para assistir aos filmes mais populares e de apelo de massa na capital mineira - eu, claro, fui um deles, não só para os filmes, mas também para pegações “Jean Geneticas” (mas aí são digressões...).

Daí que entrar no cinema e já dar de cara com o grupo de passinho do Aglomerado da Serra Passistas Dancy (Lá da Favelinha) já foi, por si só, afirmação para todos os cantos da alma, afirmação de arte, de negritude, de cultura viva, de alegria, de resistência. Depois, já dentro da sala de cinema, Lira Ribas, essa mulher absolutamente incrível, artista de altíssimo quilate, e atriz fabulosa – não percam hoje sua atuação matadora no curta Estado Itinerante, de Ana Carolina Soares, em exibição na Praça da Estação – entra em cena e nunca mais queremos tirar os olhos dela. Sua persona como mestre de cerimônia é milimetricamente artística, inteligente, afirmativa e sedutora. É daquelas mulheres e artistas que fazem a gente, do lado de cá da plateia, pensar com os botões: “como é bom ser contemporâneo de gente assim”.

Ainda no palco, outras apresentações. As mais potentes epifanias artísticas e existenciais que tenho vivido ultimamente estão localizadas na negritude e, não, não é coincidência, a partir de corpos femininos e masculinos empunhando o mesmo gesto, o mesmo grito. Grace Passô entoando em mil compassos “Negra Negra Negra Negra Negra”, em Vaga Carne; Carlandréia Ribeiro batendo peito “Eu sou Negra Negra Negra Negra”, em Memórias de Bitita; e ontem Mc Douglas Din na abertura em número explosivo “Preto Preto Preto Preto Preto Preto”. 

(E ainda: como esquecer a altivez de Preto Amparo em Violento na Segunda Preta?).

Mais uma vez:
- Como é bom ser contemporâneo dessa gente toda.

Pois bem, quando poderia se pensar que a noite pararia por aí, na tela veio Corpo Elétrico, o filme de abertura da 11ª CineBH, dirigido pelo mineiro, radicado em São Paulo, Marcelo Caetano.

Nu!

Corpo elétrico é um dos filmes viados mais deliciosos do cinema brasileiro. Lançando mão de minha poeta predileta, tudo ali no filme cabe no verso de vida, “Não sou alegre nem sou triste, sou poeta”.

Porque Corpo Elétrico é isso. Tem uma alegria tão verdadeira. Tem uma tristeza tão verdadeira. Tem um olhar humanista tão verdadeiro, que sem nenhum pudor, eu que sempre morei dentro da minha mãe, que virou lua há quase três meses, digo sem pestanejar que gostaria de morar ali dentro daquele filme, com aquelas pessoas, com aquele amor, com aquele afeto. Aliás, penso, não gostaria de morar ali, já moro. Por isso o reconhecimento de alma, de afeto, de afirmação de pertencimento.

(Corpo Elétrico precisa de um texto para falar só dele). 

Que filme! Que atores! – e ainda tem Márcia Pantera e Nash Laila.

Kelner Macêdo, Lucas Andrade e Welket Bungué: quero me casar com vocês e jogar a chave no mato. Para sempre!

"A minha mãe deixa".




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Sala 
 Betty Faria
Com amor profundo pelo cinema, premiada em vários festivais no Brasil e no exterior