Cena de As aventuras amorosas de um padeiro (1975), de Waldir Onofre, abordado em Histórias que nosso cinema (não) contava (2017), de Fernanda Pessoa
Pornochanchada é cinema popular, porém cinema popular não é só pornochancada. E, mais, cinema erótico não é sinônimo de pornochanchada, ainda que pornochanchada seja também cinema erótico. E mesmo o erotismo pode estar presente sem que, de fato, seja puramente cinema erótico.
A distinção aqui se faz necessária porque é muito comum, e aí não só para os leigos, mas até em alguns círculos mais restritos, colocar toda a produção dos anos 1970 e 80 da Boca do Lixo, em São Paulo, e da Boca da Fome, no Rio de Janeiro, na baciada da pornochanchada. E isso se partirmos do princípio de que há realmente pornochanchada, já que sabemos que, como as chanchadas, o termo surgiu só para depreciar o cinema popular nas diferentes épocas.Ou seja, de fato não um gênero, ou um subgênero, como querem, pelo menos por princípio, mas, talvez depois, por consequência.
Considero a melhor definição para pornochanchada vários filmes que Carlo Mossy dirigiu, como Manicures a domícilio (1978), As taradas atacam (1978), e As 1001 posições do amor. Mas se pegarmos o próprio Mossy, nem toda sua filmografia também é pornochanchada, pois dirigiu Ódio (1977), e produziu filmes como Essa gostosa brincadeira a dois (1974), de Victor di Mello. Já Histórias que nossas babás não contavam (1979), de Osvaldo de Oliveira, é pornochanchada.
Ou seja, cinema erótico, como o próprio nome sinaliza, tem no erotismo um farol essencial.Já pornochanchada gira apenas sobre e por causa do sexo - pelo menos, se podemos abordar esse filão de filmes realmente como um modelo. E aí não vai nenhum julgamento, pois há, nesse modelo de produção, pornochanchadas deliciosas como horrorosas, e filmes eróticos deliciosos e outros horrorosos. E há ainda filmes que usam erotismo que não são nem uma coisa nem outra, e que podem ser também deliciosos ou horrorosos.
Até os mais incautos já aprenderam que Walter Hugo Khouri não é pornochanchada. E é preciso dizer que nomes como Jean Garret, Alfredo Sterheim e Fauzi Mansur também não são, meus senhores e senhoras. Hoje com o acesso, via Canal Brasil, youtube e os torrents da vida, ficou muito mais fácil para quem não acompanhou a produção popular da década de 1970 e 80 à época. Mas, parece, muitas vezes as pessoas falam do que não conhecem a fundo.
O longa Histórias que nosso cinema (não) contava (2017), dirigido por Fernanda Pessoa, tem ponto de partida dos mais interessantes: falar sobre a ditadura civil-militar brasileira a partir das chamadas pornochanchadas. É um cinema de montagem, um filme-ensaio, em que a linha de pensamento proposta alcança recortes iluminados. Pois, se há crítica mais ferrenha que se fez, e ainda se faz, aquele modelo de produção é a de que ele estava a serviço da ditadura e a de que era formado por filme alienados. No filme-ensaio de Fernanda Pessoa, um público maior, para além dos pesquisadores do cinema brasileiro, verão que todos os temas sombrios daqueles tempos criminosos estavam, ainda que em outro tipo registro, também lá, como tortura e resistência.
Porém, é preciso dizer, ainda que a diretora abra o filme dizendo que os filmes foram estigmatizados como pornochanchada, ao colocar filmes díspares no mesmo balaio, fica-se pensando também: se a ideia é dizer que aqueles filmes eram muito mais do que se dizia deles, por que então não separar o que é de fato pornochanchada de todo o resto? Porque, camaradas, Amante muito louca (1973), de Denoy de Oliveira, por exemplo, nunca foi e nunca será pornochanchada. Noite em chamas (1977), de Jean Garrett, nunca foi e nunca será pornochanchada. Snuff, vítimas do prazer, de Cláudio Cunha, nunca foi e nunca será pornochanchada. Terror e êxtase(1979), de Antônio Calmon nunca foi e nunca será pornochanchada. O próprio As aventuras amorosas de um padeiro (1975), de Waldir Onofre, que está no filme e foi exibido depois dentro do recorte "Diálogos Históricos", da Cine-BH, também nunca foi e nunca será pornochanchada.
Histórias que nosso cinema (não) contava tem proposta interessante e vários momentos bem potentes, ainda que junte, para referendar sua proposta, alhos com bugalhos - e aqui não vai nenhum julgamento sobre alhos como, tampouco, para bugalhos. E aí, nesses momentos, infelizmente, abandona-se o Filme-Ensaio para o filme de tese.
(O Mulheres do Cinema Brasileiro não ficou para o debate sobre Histórias que nosso cinema (não) contava e As aventuras amorosas de um padeiro, no qual, talvez, algumas dessas questões foram abordadas. Portanto, essa análise é pelo filme visto na tela - que, afinal, é o que mais importa, (ainda que, às vezes, possa dizer mais de quem assistiu do que do próprio filme em si).
Histórias que nosso cinema (não) contava foi assistido no dia 24 de agosto de 2017 na 11a CineBH.