Julia Katharine, de "Lembro mais dos corvos", recebe o Prêmio Helena Ignez de destaque feminino das mãos da mítica atriz e cineasta
Terminou ontem, sábado, 27, a 21a Mostra de Cinema de Tiradentes, que durante nove dias apresentou uma programação intensa de filmes, seminários, oficinas, shows, lançamentos de livros e outras atrações artísticas.
O Mulheres conferiu o Seminário Encontro com os Filmes, que reúne realizadores, crítica e público, sobre o filme Lembro mais dos corvos, de Gustavo Vinagre, documentário sobre a atriz Julia Katherine.
Julia Katherine, uma mulher trans - em algum momento, e a luta dessa minoria é também por isso, não será mais preciso essa identificação -, caiu nas graças do público da Mostra de Tiradentes. E nada mais merecido, pois é talentosa, articulada e carismática.
No debate, Julia, o diretor do filme Gustavo Vinagre, mais equipe, deram algumas informações importantes sobre a construção do filme: foi tudo rodado em uma noite só - mais ou menos 12 horas de gravações; o incômodo que a atriz algumas vezes evidencia em cena é real; não teve ensaio; a fotografia foi testada durante a própria filmagem; há um jogo proposto entre o que é real ou não.
Mais ao final do debate, uma mulher da plateia questionou o diretor o porquê de além de Julia não haver mais nenhum e nenhuma trans e travesti no filme. Gustavo explicou que ninguém ganhou nada para fazer o filme, daí que poderia sim ter escalado algum ou alguma trans para a equipe, mas não achou adequado , devido à condição financeira que marca o seguimento, chamar para o trabalho sem poder pagar.
Julia Katherine aproveitou a deixa para falar e explicar um pouco mais sobre o Manifesto Trans, seu apoio a ele, e à Renata Carvalho, que está a frente do movimento. Como se sabe, o Manifesto Trans, de esfera nacional, reivindica, dentre outra coisas, a representatividade e a empregabilidade, já que a visibilidade da causa pelos cis, ainda que importante, não as tiram da marginalidade.
À noite foi a vez de o Mulheres conferir o filme de encerramento da Mostra, o longa A moça do calendário (2017, SP), dirigido por Helena Ignez.
Protagonizado por Djin Sganzerla e André Guerreiro Lopes, A moça do calendário é o filme de roteiro mais linear de Helena Ignez,, uma das atrizes mais importantes da história do cinema brasileiro e cineasta singular - um nome forte do cinema de invenção marcado pela experimentação
Em sua apresentação do filme, Helena disse que tinha feito o filme para se comunicar com o público, e que ainda que ele tenha sido realizado no ano anterior já era um filme do passado, já que o momento atual do Brasil é outro.
Isso talvez explique o porque de, em certos momentos, o filme parecer anacrônico, sobretudo em diálogos políticos um tanto didáticos. Ainda assim, é filme que conta com ótimos personagens e bons momentos, como toda a turma da oficina mecânica, a entrega de André Guerreiro Lopes ao seu protagonista, e as aparições sempre impactantes de Djin Sganzerla.
Cerimônia de encerramento
A apresentação dos vencedores da 21a Mostra de Cinema de Tiradentes começou bem com a entrada forte e performática de Sérgio Pererê, com uma leitura personalizada para a música Roda viva, o clássico de Chico Buarque, e dando sequência com a condução firme e deliciosa do mestre de cerimônias David Maurity, da Toda Deseo, um dos melhores apresentadores das Mostras da Universo Produção - realizadora também da Cineop e da CineBH.
Dentre as premiações, o Júri da Crítica escolheu o curta Calma, produção carioca dirigida por Rafael Simões, como Melhor Filme da Mostra Foco, e o longa Baixo centro, produção mineira dirigida por Ewerton Belico e Samuel Marotta como Melhor Filme da Mostra Aurora.
O Júri Jovem premiou a produção paulista Inaudito como Melhor Filme da Mostra Olhos Livres. O Júri Popular escolheu como Melhor Curta a produção mineira A retirada para um coração bruto, de Marco Antonio Pereira, e como Melhor Longa o documentário paulista Escolas em luta, de Eduardo Consonni, Rodrigo T. Marques, e Tiago Tambelli.
Já o Prêmio Canal Brasil de Curtas foi para Estamos todos aqui, também da Mostra Foco, produção paulista dirigida por Chico Santos e Rafael Melim.
A noite de premiação teve ainda dois grandes destaques. o primeiro foi a premiação de Baixo centro na Mostra Aurora, com a leitura dos realizadores de Carta assinada por associação de trabalhadores e trabalhadoras do cinema independente mineiro contra a atual política pública da Secretaria de Estado de Cultura para o audiovisual, exigindo mais transparência e participação da sociedade nos processos de elaboração de editais de financiamento e na distribuição de verbas para a produção.
O segundo foi o prêmio Helena Ignez, que destaca uma atuação feminina de toda a Mostra, para a atriz Julia Katherine, de Lembro mais dos corvos, que, emocionada, fez o discurso transcrito abaixo e foi ovacionada e aplaudida de pé - inclusive pelo Mulheres - pelo público que lotou o Cine-Tenda.
Discurso de Julia Katherine, que recebeu o Prêmio Helena Ignez das próprias mãos da mítica atriz e cineasta.
"Quero agradecer o prêmio, que para mim não é só um prêmio, é um estímulo , é um gesto de amor que vocês estão tendo comigo, e com as mulheres trans, com as travestis e as mulheres cis também, porque somos todas uma só, somos todas mulheres.Eu espero que nos próximos anos mais mulheres trans estejam presentes aqui no Festival, em parceria com vocês mulheres cis e com vocês homens também, porque eu quero que vocês entendam que nosso papel aqui não é de disputa e sim de igualdade.
O que a gente precisa é de um Festival como esse e como muitos outros que apoiam a presença feminina de forma igualitária, de igual pra igual, não só como uma cota, ou algo parecido.".
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A 21a Mostra de Cinema de Tiradentes aconteceu de 19 a 27 de janeiro de 2018.
Mais informações
www.mostratiradentes.com.br