Rejane Faria - Crédito: Léo Lara
Com plateia lotada, começou ontem, 18 de janeiro, a 22a Mostra de Cinema de Tiradentes.
Fosse apenas o rigor da construção cênica, Grazi Medrado e Chico de Paula, diretores da cerimônia da abertura das mostras da Universo Produção, já mereceriam lugar de destaque. O que impressiona, mais que tudo, é a capacidade que eles vêm apresentado em várias aberturas de levar para o palco de forma artística as temáticas de cada edição.
Não foi diferente ontem, nessa vigésima segunda edição da Mostra de Cinema de Tiradentes, evento que abre o calendário audiovisual brasileiro do ano, que, até o dia 26, vai apresentar, refletir e discutir o tema "Corpos Adiante".
"O corpo no cinema é inevitabilidade. E também escolha. Primeiramente, quais corpos ganham imagens, narrativas, diálogos e subjetividades? E de que modo?". É dessa forma que Cléber Eduardo, coordenador curatorial, abre seu texto sobre a temática dessa edição no catálogo da Mostra. E se atentarmos somente para esse abre veremos que que todas essas afirmações e perguntas estão por inteiro na apresentação artística que marcou a abertura ontem à noite no Cine-Tenda.
O Mulheres do Cinema Brasileiro já registrou aqui, algumas tantas vezes, a potência e o acerto da junção entre Chico e Grazi na condução da Mostras da Universo. Desde então, as aberturas, que antes já eram atraentes, tomaram um rumo artístico de atitude incontornável frente aos momentos e acontecimentos do país.
Negritude, Feminismo, Homofobia, Transfobia, Misoginia, Racismo, Violência, Genocídio. Temas duros e urgentes como esses vem tomando os palcos nas aberturas da mostras da universo para fruição artística de alta cepa e sem desviar um milímetro da seriedade das discussões abordadas. Se filmes, seminários e debates apresentam e discutem esse leque variado de temas, as aberturas já colocam o bloco na rua no primeiro encontro do público com o que estar por vir. E se querem, e colocam, como o poeta maldito, o bloco na rua, por aqui também se quer brincar, gingar e botar pra gemer.
Quem esteve presente na abertura ontem dessa 22a edição, que, mais que justamente, homenageia a atriz, dramaturga e diretora Grace Passô, sinônimo mais que perfeito para a temática "Corpos Adiante", pode experienciar todo o dito acima.
Ainda com as luzes acesas, a atriz, musicista e cantora Nath Rodrigues atravessou o corredor da platéia de ponta a ponta com seu insubmisso violino, para, quando aos pés do palco, entoar a bela canção "Insubmissa", de Maria Baldaia.
Aí foi a vez da dançarina Elisa Nunes, Refém Solar de um azul supremo a potencializar dança e gestos, em mais um passo, e em mais um corpo adiante, em cena sedutora não só pela beleza como, ainda mais, pela urgência desse corpo que grita, por vezes paralisa, e segue sempre.
A poeta Nívea Sabino é uma artista ímpar, quem já teve oportunidade de vê-la outras vezes, fica seduzido pelo que pensa, pelo que diz, e pela maestria com que personifica o Slam. Há nela, quase paradoxalmente, e por isso a riqueza inquieta de sua arte, protesto e doçura, denúncia e afago, revolta e amor. E assim foi mais uma vez ontem.
Outra duas mulheres poderosas entram em cena: a translúcida Glaucia Vandeveld e a Rainha Negra Zora Santos.
Dois nomes poderosos das artes cênicas em Minas, ambas fazem de sua arte não só patamares altissímos de excelência artística, o que já não é pouco, como visão e atitudes de vida. Se nós, pretas e pretos temos a honra, alegria, orgulho e altivez de termos ao nosso lado, lado a lado, uma Rainha do porte de Zora Santos, impossível não pensar no júbilo para brancas e brancos terem com par uma artista do quilate de Vandeveld.
E aí, para quem achava que já estava de altíssimo tamanho, entra em cena a atriz Rejane Faria, esse tufão cada vez mais presente no cinema, uma alegria para quem já acompanha no teatro. Rejane Faria é do panteão de atrizes negras que têm uma voz de altivez ancestralidade. Como é Léa Garcia, a maior de todas. Como é Zora Santos. Como É Grace Passô. Como é Rejane Faria. Daí como se tornar-se alheio e sem responsabilidade quando ela, feito espectador como nós, mas sem se deslocar de seu lugar de direito, o palco, e faz a pergunta rascante para a tela em branco, e, claro, para o cinema, para quem elege corpos e para quem relega e inviabiliza corpos:
- Pra que serve essa tela?
Nu!!!!!
Por fim, Grazi Medrado, e seus olhos úmidos de empretecimento, chama Grace Passô e equipe ao palco. E a homenageada, que faz discurso de agradecimento político até a raiz,ao lado da presença provocativa e comovente da mãe, completa:
- Corpos podem tudo! Os corpos não têm limite!
E de ponta a ponta, conduzindo, marcando e impactando toda a cerimônia, a música de Barulhista.
Sobe o pano.
Em tempo: impressões sobre o média Vaga Carne, filme abertura, virá em outro texto.
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22a Mostra de Cinema de Tiradentes - 18 a 26 de janeiro de 2019
Programação completa e gratuita
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