Cena de "Tremor Iê", de Helena Meirelles e Lívia de Paiva
A Mostra Olhos Livres e a Mostra Aurora da 22a Mostra de Cinema de Tiradentes abriram espaço especial para a mulher no Cine Tenda na terça, 22.
Foram exibidos dois longas que, muito mais que sobre a força do feminino, o que abordaram foi a força da mulher: Trágicas (RJ), dirigido por Aída Marques; e Tremor Iê (CE), dirigido por Elena Meirelles e Lívia de Paula.
Em Trágicas, a atriz Gisela de Castro interpreta no palco três personagens de tragédias: Antígona, Electra, Medéia. E intercalando com cada personagem, várias mulheres reais dão depoimentos sobre a violência, e as consequência delas, em suas vidas.
Como em Antígona, que desafia a lei ao enterrar o irmão, duas mulheres que tiveram irmãos assassinados pela ditadura civil-militar, narram suas histórias e sua dor, como Hidelgard Angel evocando o irmão Stuart - ela que teve a mãe, Zuzu, também assassinada pele regime.
Já em Electra, que quer vingar o pai, várias mulheres negras revivem os assassinatos dos filhos pelo genocídio negro praticado pelo Estado e clamam por justiça.
E por fim em Medéia, que exilada de seu país é abandonada pelo marido pela filha do Rei, mulheres de origem africana também choram o exílio.
Gisela de Castro encena suas personagens trágicas no estilo padrão clássico, com direito à face em máscara carregada e coro. A atriz se sai notavelmente bem sobretudo em Antígona, quando imbuí a personagem da dramaticidade necessária, enquanto o ator Pedro Drumond, que faz diferentes aparições nas três tragédias, tem sua melhor aparição aqui empunhando enxada e terra.
A encenação de Antígona e o relato das irmãs é, dentre as três passagens, a que melhor funciona, já que a identificação é imediata. Já nos demais atos, sobretudo no segundo, o de Electra, a força maior vai para os relatos trágicos daquelas mães, que nos comove e nos deixa em perpétua indignação.
A cineasta Aída Marques, veterana montadora de filmes de cineastas importantes, como Tetê Moraes, Sílvio Da-Rin, Sílvio Tendler e Sandra Werneck, retorna à direção depois de muitos anos atuando no outro ofício e traz vitalidade ao filme.
Trágicas é composto de muitas irregularidades, justamente na junção entre as tragédias clássicas e as contemporâneas, ainda assim é filme que se impõe, e principalmente pelas questões que provoca.
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Tremor Iê, produção cearense, coloca em cena o empoderamento da mulher, não só na postura, o que já é muito, mais sobretudo a partir do enfrentamento.
Um grupo de mulheres jovens da periferia é espancado pela polícia enquanto tocavam tambor e outros instrumentos percussivos de madrugada e levado para a delegacia, onde são coagidas e humilhadas. Na verdade, todas elas vivem, no dia a dia, sob o jugo de um estado opressor.
Sem esquecer o fato um minuto sequer, elas revivem o acontecido em relatos contínuos, e, como as sábias e os sábios antigos, é em volta da fogueira que transformam a raiva e a indignação em ação política de fúria.
Tremor Iê tem uma estética construída em que um frame sequer se valha de efeitos de higienização ou de apuro de embelezamentos dos planos. Há um gosto de terra pisada e de ardor de fogo crepitante que perpassa o filme o tempo inteiro, não só nas locações e nas personagens, como também a reverberar e sufocar a nós, do lado de cá da tela.
Em Tremor Iê a periferia se impõe, e com ela a negritude, os pobres, e, sobretudo os corpos tantas vezes invisibilizados.
Tremor Iê um ato político. É um ato de fúria.
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22a Mostra de Cinema de Tiradentes - De 18 a 26 de janeiro de 2019
Programação completa
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