cena de "O rei do cagaço" (1977), de Edgar Navarro
Depois de assistir ao ótimo Abaixo a Gravidade, à noite foi a vez de voltar para o belo Cine Vila Rica para assistir a última sessão da Mostra Homenagem dedicado ao cineasta Edgar Navarro.
Navarro recebeu o troféu Vila da Rica como o grande homenageado da 14a Cineop - Mostra de Cinema de Ouro Preto. Além do troféu, entregue na abertura da Mostra, foram selecionados vários filmes do cineasta para exibição, entre curtas, médias e longa - os filmes de abertura da Mostra foram o curta Exposed e o média Superoutro.
A última sessão da Mostra Homenagem foi composta por três curtas e um média, em produções de vários fases do cineasta, que vão 1979 até 1995.
Lin e Katazan é um curta de 1979 realizado em Super-8. Arrebatador, o filme é baseado em texto do livro Fazenda Modelo, de Chico Buarque.
Em cena Lin, um operário da construção civil amante da natureza e voltado para um mundo todo interiorizado, às volta com o patrão Katazan, chefe da obra, um ser mesquinho e autoritário, que cada vez se sente mais inseguro e ameaçado pela presença do funcionário.
O sentimento de Katazam pela presença de Lin, com sua capacidade de não deixar se abater, mesmo frente às, cada vez mais, piores circunstâncias e arbitrariedades criadas pelo desafeto, tomam um caminho sem volta.
Edgar Navarro consegue, em seu breve curta sete minutos, não só contar com precisão essa história, como criar toda uma imagética que nos faz mergulhar por completo na narrativa, que parte da inocência para o horror.
O Rei do Cagaço (foto), também realizado em Super 8, é um curta de 1977. Seu segundo filme e o primeiro de maior repercussão, é obra em que já está toda a identidade do cinema de Navarro.
Em o Rei do Cagaço estão o deboche, a transgressão e a liberdade, tanto de filmar como de construir seus personagens e narrativas. Embrião de o Superoutro, seu grande clássico, O Rei do Cagaço já começa explícito, como se, fato observado pelo cineasta na apresentação, aquele cu que se arreganha e toda a merda que dai sai em close-up fosse uma cagada na cara dos boçais. E ao contrário do poeta, aqui nada de leite bom na cara dos caretas.
O próprio nome do filme, Navarro observou, foi uma intenção pensada para constranger crítica, festivais e provocar vacilo em apresentadores diante ao título explícito - titubeada que funcionou mesmo agora, mais de 40 anos depois, na expressão de espanto hilária do mestre de cerimônia da sessão.
Porta de Fogo, realizado em digital em 1984, pisa fundo na política ao trazer para a cena o capitão Carlos Lamarca, inimigo número 1 da ditadura civil-miliar do Brasil - o filme, inclusive, foi censurado, sendo liberado um ano depois, após o fim do regime.
O roteiro focaliza os momentos finais da vida de Lamarca, quando foi perseguido, ferozmente, pelo exército pelo sertão até seu extermínio.
Em achado cinematográfico, o filme reúne ainda, na mesma narrativa, as presenças de Antônio Conselheiro e de Lampião, irmanando essas três personas fundamentais e transgressoras de nossa história. O encontro entre Lampião e Lamarca é um dos momentos de maior destaque do filme.
Por fim, para encerrar a sessão, foi exibido o média metragem hilário Talento demais (1995), de 50 minutos de duração, uma radiografia do cinema baiano, a partir de suas histórias, filmes, cineastas, atores e equipes.
Partindo do mítico Meteorango Kid: o Herói Intergalático, realizado pelo cineasta André Luiz Oliveira em 1969, Navarro constrói toda uma narrativa sobre o cinema baiano desde os pioneiros até aquele momento da realização, habitado segundo ele por dinossauros.
Dessa forma, reencontramos na tela filmes fundamentais como Redenção, A grande feira e Deus e o diabo na terra do sol, personagens míticos de filmes como Barravento, Tocaia no asfalto e Superoutro, e homenagens a nomes como Roberto Pires, Rex Shindler e Glauber Rocha.
Encontramos também entrevistas de vários cineastas, como Pola Ribeiro e Fernando Beléns, e também atores como Mário Gusmão e Aldo Teixeira.
Em Talento demais, Edgar Navarro se vale de toda sua irreverência para falar da história da produção do cinema baiano, ao mesmo tempo em que faz um registro de uma das páginas mais importantes da cinematografia brasileira.
*******
14a Cineop - Mostra de Cinema de Ouro Preto
Programação completa
www.cineop.com.br