Cena de "Ritos de Passagem" (1980), de Sandra Werneck
A Cineop - Mostra de Cinema de Ouro Preto focaliza o cinema brasileiro como patrimônio, daí as reflexões, ações e encontros que promovem para a salvaguarda e a memória da nossa cinematografia.
Nesta 14a Cineop a temática central é "Territórios Regionais, Inquietações Históricas", que é enfocada em toda a programação de exibição de filmes - entre curtas, médias e longas -, e também nos seminários.
Dentro da Cineop tem várias mostras e uma de grande destaque, claro, é a Mostra Histórica.
Neste ano, a Cineop priorizou as produções em curta-metragem na Mostra Histórica - o único longa é o belo Inverno (1983), produção gaúcha dirigida por Carlos Gerbase -, em programação dividida em quatro sessões.
Depois de exibir curtas dos cineastas Carlos Prates Correia, Vladmir Carvalho e Fernando Duarte, Lena Bodanzky, Sylvio Lanna, Rui Vezzaro, Fernando Severo e Peter Lorenzo, Sérgio Péo, e Dácia Ibiapina, a Mostra Histórica teve seu maior momento em sua última sessão no domingo, 9. Foram exibidos quatro curtas ótimos no Cine Vila Rica.
A sessão abriu em altíssimo tom com Recordações de um presídio de meninos, produção goiânia de 28 minutos, realizada entre 1980 e 2009.
O diretor é Lourival Belém Jr, e como o filme é uma ficção documental, ele também está em cena não só como narrador, mas também como personagem.
Jornalista, Lourival Belém Jr usa seu ofício para contar, em tom de reportagem, o presídio de meninos em que viveu depois de sair da Febem.
E faz isso não apenas com relatos históricos registrados no filme, como também recria atmosfera do fato. E, principalmente, evoca suas lembranças e como ter estado lá marcou sua vida para sempre.
Estão lá o seu isolamento em relação aos colegas, os maus-tratos aos internos, os abusos, a violência, o abandono.
Produzido pelo Cineclube Antônio das Mortes, do qual Belém Jr. fez parte, Recordações de um presídio de meninos é um grande filme. E, importantíssimo registrar, Louruval Belém Jr é negro, o que ajudar a entender porque esse filme, até então, era quase invisível fora de sua terra. Ou seja, é mais um grande filme do Cinema Negro, e, um dos momentos mais luminosos da 14a Cineop.
Espaço Marginal, de Luís Caros Sales, é produção do Grupo Mel de Abelha, do Piauí, outro coletivo pouco conhecido e que teve, entre os participantes, a premiada cineasta Dácia Ibiapina, hoje radicada em Brasília, diretora do vigoroso longa Ressurgentes, e que teve também seu curta Pagode de Amarante exibido na 14a Cineop.
Espaço Marginal, 1981, 9 minutos, é filme interessante tanto em ideia como em realização, pois é todo construído a partir das pichações nos muros da cidade de Teresina, um retrato e registro dos sentimentos em tempos da ditadura civil militar.
Hahnemann Bacelar - Um pintor amazonense é outro grande momento da produção em curta, uma produção em Super 8 do Amazonas de 10 minutos realizada em 1965 e dirigida por Roberto Kahané - codirigido por Felipe Lindoso.
O curta retrata o jovem pintor de Manaus, de 17 anos, e sua obra arrebatadora. Os diretores imprimem um registro de meios tons para filmar seu objeto, o que projeta o filme em nós a partir de sentimentos de perda e de tristeza subterrânea - ainda mais fundos com a informação de que ele se suicidaria poucos anos depois, aos 23 anos.
Hahnemann Bacelar - Um pintor amazonense é filme belíssimo, e também triste. O retrato delicado do ocaso de uma juventude.
Quando em atividade, a Embrafilme, para além de suas atribuições de produção e distribuição de filmes, fazia-se presente também nos catálogos que eram publicados com registros de filmes.
Daí que, há muito, devido a uma foto em um desses catálogos, que assistir ao curta Ritos de passagem, produção carioca de 1980, 16 minutos, dirigido por Sandra Werneck, era sonho acalentado.
O momento chegou nessa 14a Cineop - Mostra de Cinema de Outro Preto, e toda a espera valeu a expectativa. Ritos de Passagem é um grande filme.
O documentário focaliza travestis e os, aquela época, chamados transformistas durante a época da ditadura civil-militar. E faz isso com um grau de humanismo exemplar. Por vezes engraçado, por vezes tristíssimo, Ritos de Passagem é, antes de tudo, uma ode à afirmação e ao direito sobre os corpos
Ritos de Passagem é filme de afirmação. É grande filme.
Sandra Werneck, mais conhecida pelas comédias românticas Pequeno dicionário amoroso e Amores possíveis, e também por Cazuza: o tempo não pára, tem aqui, no curta Ritos de Passagem, um dos grandes momentos do boom de curtas na década de 1980 e de toda a sua filmografia.
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14a Cineop - Mostra de Cinema de Ouro
Programação completa
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