Ano 20

23a Mostra de Tiradentes - Abertura

Lira Ribas - Crédito: Leo Lara/Universo Produção
Mais que tristeza, o momento do país evoca perplexidade, desespero e desorientação. E, sobretudo, pelo caminho que grande parte do povo brasileiro tomou desde o golpe do impeachment da Presidenta Dilma até o atual governo do inominável, do execrável, do bizarro.

E são mergulhos nesse cenário que as aberturas da mostras da Universo - Tiradentes, Ouro Preto e Belo Horizonte - vem fazendo sob a direção de Grazi Medrado e Chico de Paula.

Se os filmes brasileiros, em maior ou menor grau, levam as questões do país para as telas, o repertório apresentado por Grazi e Chico em suas performances audiovisuais nas aberturas das mostras, não só repercutem como ampliam, problematizam, refletem e reafirmam pontos de vistas, de resistência e de lutas.

A temática da 23a Mostra de Cinema de Tiradentes é "A imaginação como potência", e a performance apresentada se debruçou sobre essa proposição e os homenageados - Antonio Pitanga e Camila Pitanga -, arquitetando toda uma ambiência e propagação de ressignificações.

Para a performance, os diretores apostaram na força da mulher negra e impulsionaram a escolha por apostar no coletivo e reunir furacões da cena e da vida preta.

Camila Morena foi a mestre de cerimônia. Existem as MCs que, simplesmente, leêm o script. Já outras imprimem sua marca. E há ainda aquelas que tomam tão pra si o que está sendo dito, que em cena reluz a total compreensão e internalização do discurso para um coletivo, amalgamado em veias, sangue, sustos, perplexidade e percursos pessoais. Foi assim com  Camila, que veio para a cena arrebatando todos os sete buracos das tantas cabeças presentes.

Josie Lopes e Júlia Ribas juntaram cantos e atitudes. Sentadas no palco de frente para os homenageados - efeito cênico bonito, mas que compromete a visão de quem está mais para trás - ambas somaram forças ancestrais no canto e nos corpos. Um convite à plateia para o mergulho íntimo, ao mesmo tempo que uma saudação e uma condução para Antonio e Camila até o palco. Um levar e ser levadas pelas mãos como a personificar uma crença profunda de que seja qual o for o caminho, e, sobretudo, o preto, ele só pode se dar pelo coletivo. E pelos que vieram antes, pelos que vem hoje, e pelos que virão depois.

Ah, e Lira Ribas!

Lira Ribas é caso único na cena mineira, e as outras cenas, das oiapoquenses às chuisenses, não sabem  - ainda - o que é ter uma Lira para chamar de sua. E aí não para significar qualquer espécie de domínio ou de propriedade. E sim porque uma mulher preta e artista preta como Lira Ribas será para sempre farol para todas e todos nós da negritude. E deveria ser também para os não pretos.

Espertamente, e acertadamente, a direção homenageou de quebra Elis Regina, que há 37 anos, em um 19 de janeiro de 1982, nos deixava. Exímia crítica em seu canto e em sua atitude sobre os caminhos do Brasil, Elis deslizava, seja matreiramente  ou aos solavancos, como uma perspicaz cronista de seu tempo. 

O deboche que Rita Lee e Roberto de Carvalho embutiram na canção Alô Alô, Marciano foi elevado à potência máxima por Elis. E foi isso que a direção geral e da trilha sonora de Barulhista, e, sobretudo, Lira imprimiram em sua versão acachapante para a música. Só que aqui um deboche imbuído de uma perplexidade avassaladora.

Com arranjo contemporâneo e combativo, Alô Alô Marciano colocou em cena uma artista plena em seu ofício, em sua arte e em sua atitude, fazendo da interpretação de Lira um momento inesquecível na performance audiovisual da noite.



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23a Mostra de Cinema de Tiradentes 
24 de janeiro a 1 de fevereiro.
Programação completa
www.mostratiradentes.com.br

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Sala 
 Betty Faria
Com amor profundo pelo cinema, premiada em vários festivais no Brasil e no exterior