Lira Ribas - Crédito: Leo Lara/Universo Produção
Mais que tristeza, o momento do país evoca perplexidade, desespero e desorientação. E, sobretudo, pelo caminho que grande parte do povo brasileiro tomou desde o golpe do impeachment da Presidenta Dilma até o atual governo do inominável, do execrável, do bizarro.
E são mergulhos nesse cenário que as aberturas da mostras da Universo - Tiradentes, Ouro Preto e Belo Horizonte - vem fazendo sob a direção de Grazi Medrado e Chico de Paula.
Se os filmes brasileiros, em maior ou menor grau, levam as questões do país para as telas, o repertório apresentado por Grazi e Chico em suas performances audiovisuais nas aberturas das mostras, não só repercutem como ampliam, problematizam, refletem e reafirmam pontos de vistas, de resistência e de lutas.
A temática da 23a Mostra de Cinema de Tiradentes é "A imaginação como potência", e a performance apresentada se debruçou sobre essa proposição e os homenageados - Antonio Pitanga e Camila Pitanga -, arquitetando toda uma ambiência e propagação de ressignificações.
Para a performance, os diretores apostaram na força da mulher negra e impulsionaram a escolha por apostar no coletivo e reunir furacões da cena e da vida preta.
Camila Morena foi a mestre de cerimônia. Existem as MCs que, simplesmente, leêm o script. Já outras imprimem sua marca. E há ainda aquelas que tomam tão pra si o que está sendo dito, que em cena reluz a total compreensão e internalização do discurso para um coletivo, amalgamado em veias, sangue, sustos, perplexidade e percursos pessoais. Foi assim com Camila, que veio para a cena arrebatando todos os sete buracos das tantas cabeças presentes.
Josie Lopes e Júlia Ribas juntaram cantos e atitudes. Sentadas no palco de frente para os homenageados - efeito cênico bonito, mas que compromete a visão de quem está mais para trás - ambas somaram forças ancestrais no canto e nos corpos. Um convite à plateia para o mergulho íntimo, ao mesmo tempo que uma saudação e uma condução para Antonio e Camila até o palco. Um levar e ser levadas pelas mãos como a personificar uma crença profunda de que seja qual o for o caminho, e, sobretudo, o preto, ele só pode se dar pelo coletivo. E pelos que vieram antes, pelos que vem hoje, e pelos que virão depois.
Ah, e Lira Ribas!
Lira Ribas é caso único na cena mineira, e as outras cenas, das oiapoquenses às chuisenses, não sabem - ainda - o que é ter uma Lira para chamar de sua. E aí não para significar qualquer espécie de domínio ou de propriedade. E sim porque uma mulher preta e artista preta como Lira Ribas será para sempre farol para todas e todos nós da negritude. E deveria ser também para os não pretos.
Espertamente, e acertadamente, a direção homenageou de quebra Elis Regina, que há 37 anos, em um 19 de janeiro de 1982, nos deixava. Exímia crítica em seu canto e em sua atitude sobre os caminhos do Brasil, Elis deslizava, seja matreiramente ou aos solavancos, como uma perspicaz cronista de seu tempo.
O deboche que Rita Lee e Roberto de Carvalho embutiram na canção Alô Alô, Marciano foi elevado à potência máxima por Elis. E foi isso que a direção geral e da trilha sonora de Barulhista, e, sobretudo, Lira imprimiram em sua versão acachapante para a música. Só que aqui um deboche imbuído de uma perplexidade avassaladora.
Com arranjo contemporâneo e combativo, Alô Alô Marciano colocou em cena uma artista plena em seu ofício, em sua arte e em sua atitude, fazendo da interpretação de Lira um momento inesquecível na performance audiovisual da noite.
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23a Mostra de Cinema de Tiradentes
24 de janeiro a 1 de fevereiro.
Programação completa
www.mostratiradentes.com.br