Teta Maia e Geraldo Sarno na apresentação de Sertânia, no Cine-Tenda
De todos os filmes assistidos até então na 23a Mostra de Cinema de Tiradentes, ao ficar de frente para Sertânia (2019), de Geraldo Sarno, na tela imensa do Cine-Tenda foi impossível não exclamar no escurinho do cinema: Isso é cinema!
Não que os outros filmes não fossem, mas é porque Sertânia é daqueles que preenchem cada centímetro da tela com uma estética em sintonia perfeita com a história que o cineasta resolveu contar.
Cineasta veterano, o baiano Geraldo Sarno está com quase 82 anos, e vê-lo realizando um filme como esse, com um frescor cinematográfico que não se vê em muito diretor mesmo jovem, é uma alegria imensa. Não à toa, Sertânia foi apresentado na Mostra Olhos Livres, recorte da Mostra de Cinema de Tiradentes que apresenta filmes que, segundo as palavras da curadoria, não seguem nenhum pressuposto e buscam liberdade total no ato de filmar. A Mostra Olhos Livres, inclusive, é uma homenagem ao saudoso cineasta Carlos Reichenbach, que exercia essa liberdade e mantinha um blog com esse nome, "Olhos Livres".
Em Sertânia, Geraldo Sarno revisita o sertão. O sertão dos cangaceiros, o sertão dos latifundiários, o sertão da fome, o sertão da encruzilhada de um povo e de um país. E revisita também o seu próprio cinema e a história, trazendo, inclusive, o industrial coronel Delmiro Gouveia para uma das cenas emblemáticas do filme, personagem real que focalizou em seu longa homônimo em 1978.
O filme começa com o jovem Antão ferido. A partir daí, em meio à dor, à febre e aos delírios de morte, ele nos conduz aos acontecimentos que o levaram até ali, desde a infância até seu momento derradeiro.
Antâo é retirado dos sertão ainda criança junto com a mãe pelos chamados macacos pelos cangaceiros (a força policial), que invadem seu lugarejo em busca de cangaceiros, e levado para São Paulo. Por lá, acaba se alistando. Depois que a mãe morre, retorna ao sertão e integra o bando do Capitão Jesuíno. Atormentado pela pergunta que faz insistentemente à mãe "O pai morreu, mãe?", ele chega a ir até aos mortos em busca de respostas. E assim como acontecera com ele, vê nos retirantes as verdadeiras vítimas eternamente dizimadas, seja pelo governo seja por aqueles alçados a pretensos heróis.
Já se tornou clichê dizer que no cinema, mais que a história importa como ela é contada. E também que ética e estética são uma coisa só. E essas máximas servem como uma luva para Sertânia. Todo em preto e branco, o filme constróí em cada plano, em cada fotograma, todo um referencial que o cineasta coloca em cena a partir do roteiro, também assinado por ele, pela sua direção, e, sobretudo, pela montagem, que assina junto com Renato Vallone.
Produzido pela Cariri Filmes com direção de produção de Teta Maia, Sertânia é uma lufada de inventividade, de liberdade, de cinema de altíssima cepa.
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23a Mostra de Cinema de Tiradentes
De 23 de janeiro a 1 de fevereiro
Programação completa
www.mostratiradentes.com.br