Glenda Nicácio, Wal Diaz e Maíra Azevedo - crédito: Jackson Romanelli
A 23a Mostra de Cinema de Tiradentes vem apresentando, nas suas diferentes mostras, filmes de grande interesse, como Sofá, de Bruno Safadi, Sertânia, de Geraldo Sarno, e Um dia com Jerusa, de Viviane Ferreira.
E foi na noite de ontem, segunda-feira, 27, que foi apresentado o que já se pode dizer como o ponto mais alto dessa edição: o longa Até o fim (2019), de Ary Rosa e Glenda Nicácio.
A dupla de diretores baianos vêm construindo uma carreira impressionante, em que já apresentaram os longas Café com canela (2017) e Ilha (2018), ambos já exibidos em edições anteriores da Mostra de Tiradentes.
Agora, Ary e Glenda trouxeram Até o fim para a Mostra Olhos Livres, recorte da Mostra de Tiradentes que aposta em filmes que não partem de pressupostos e com total liberdade para filmar, e que também homenageia o cineasta Carlos Reichenbach, um libertário e que mantinha o blog "Olhos Livres".
Até o fim focaliza o encontro de quatro irmãs. A mais velha, Geralda, mantém um quiosque na praia. Ao receber um telefonema sobre a iminente morte do pai, avisa para as outras irmãs, com as quais não se encontra há 15 anos, desde a morte da mãe. O reencontro se transformará em momento de desabafos, cobranças, acerto de contas e comunhão.
Até o fim é absolutamente arrebatador. É daqueles filmes em que tudo deu certo: o roteiro, o elenco, a direção, a trilha sonora, a montagem. Ary e Glenda vão apresentando suas personagens ao mesmo tempo em que vão intercalando as histórias pessoais e coletivas. E a forma como filmam suas atrizes, ora em plano geral oura em detalhes, vai tecendo uma teia da qual vamos nos enredando com vontade e prazer. As quatro são, acima de tudo, corpos que se expressam, que reivindicam, que se afirmam.
Todos os dramas das quatro personagens têm como origem o patriarca, e cabe a cada uma delas nos contar os momentos traumáticos dessa presença paterna - e uma delas, ainda que não relate algo específico, reproduz na relação de 20 anos com o ex-marido o mesmo novelo de violência e abuso que todas vivenciaram com o pai.
Até o fim nos conduz a um mergulho em dores muito profundas, marcadas por violência, abuso, estupro, machismo, misoginia, homofobia e transfobia. Ainda assim, em seu desenhos de mulheres fortes, machucadas, mas que não se derrubam, nos projeta em um espaço em que, apesar da dor, há um humor quente e pulsante. Sofremos, divertimos e nos arrebatamos com elas e junto com elas.
Todas elas são negras, portanto todas as questões que envolvem a resistência secular da negritude perpassam todo o encontro - incluindo o candomblé, que nem o pai déspota convertido em evangélico consegue usurpar delas. E tem falas absolutamente geniais, como quando uma delas se refere ao ex-marido, para quem bancava suas masturbações brancas de artista que não iam a lugar nenhum.
Até o fim faz ainda uso absolutamente genial da música. Seja na abertura, como trilha em algumas passagens, ou quando elas próprias cantam, compondo planos para sempre impressos nas retinas e no coração.
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23a Mostra de Cinema de Tiradentes
De 24 de janeiro a 1 de fevereiro
Programação completa e gratuita
www.mostratiradentes.com.br