Cineastas da Mostra Aurora - Crédito: Leo Lara
A Mostra Aurora é o recorte mais prestigiado na Mostra de Cinema de Tiradentes. Competitiva, ela apresenta até terceiros longas de cineastas, que são avaliados pelo Júri de Critica, que concede ao vencedor o trofeu Barroco.
Ainda que, nessa 23a edição, a Mostra Olhos Livre, que apresenta filmes que buscam total liberdade no ato de filmar, tem apresentado filmes muito mais interessantes até agora.
Depois de Sequizágua, foram exibidos mais três filmes: Ontem havia coisas estranhas no céu (2019), produção paulista dirigida por Bruno Risas; Cadê Edson? (2019), do Distrito Federal, com direção de Dácia Ibiapina; e Canto dos ossos (2020), do Ceará, dirigido por Jorge Polo e Petrus de Bairros.
Totalmente distintos entre si, Ontem havia coisas estranhas no céu é um drama com pitada de ficção científica, Cadê Edson? um documentário político, e Canto dos ossos um filme de terror.
Ontem havia coisas estranhas no céu focaliza uma família de classe média. Todo o clã tem na mãe, uma dona de casa, o esteio. Seja para o marido, que depois de perder o emprego se vira na informalidade e se ressente disso; a avó, que com demência em curso, depende da filha para os cuidados básicos; a filha mais nova, às voltas com o subemprego; e o filho mais velho, cineasta que filma família e o que vemos na tela.
Ontem havia coisas estranhas no céu é uma ficção dentro da ficção, por sua vez, dentro da realidade. A família é a verdadeira do diretor Bruno Risas, mas o que ela encena embaralha o que é real e o que é inventado. E ainda, mesmo dentro da ficção, ela encena para a câmera, como a se revelar o dispositivo, inclusive com o aparato técnico e os diálogos com a equipe invadindo a cena.
A personagem da mãe, além de ser o esteio, é, de longe, o mais interessante do filme. Não só como personagem, mas como elemento constitutivo. Alternando momentos de ternura, poucos, e de exasperação, muitos, ela tem o ponto alto quando se indigna com o filho e a filmagem, e engole o choro em soluços mudos e olhos úmidos. Ainda que sua inquietação e desespero exterioriza seu estado, evidenciando que a busca em como manter aquilo tudo está por um fio.
E é a partir dela, que a ficção científica se instaura, primeiro pelos olhares fixos e perturbadores para o infinito, e depois ao protagonizar cena clássica do gênero. Tudo isso, como a sinalizar que nem o extraordinária alterará a vida ordinária daquela família, que, mais que o presente vivenciado, terá que encarar um possível futuro anunciado e reservado.
Dirigido por Dácia Ibiapina, que já apresentou em edições anteriores da Mostra Aurora seus outros dois longas, Entorno da beleza (2011) e Ressurgentes: um filme de ação direta (2014), a cineasta volta à Aurora com mais um documentário político.
Depois de impactar a Mostra de Cinema de Tiradentes com Ressurgentes, a diretora volta ao coração das ruas em protestos, passeatas e lutas, dessa vez abordando o movimento dos sem teto. Como em Ressurgentes, Dácia abre seu novo longa, Cadê Edson?, já com a primeira imagem a ilustrar que o confronto entre o movimento por moradia e o Estado não será fácil. Mais que isso, será extremamente violento.
O filme entra no nervo da questão ao apesentar cenas do conflito entre os sem teto e o aparato policial, as ocupações e desocupações sob o aparato policial, e ao dar voz aos membros do movimento, e, dentre eles, o líder Edson. Exigindo os direitos básicos da Constituição, que prega o direito à moradia, saúde e educação, Edson refaz sua trajetória, de homem comum a integrante de um dos movimentos mais atuantes, corajosos e exemplares de reivindicação social, que é o dos Sem Teto - como são também o dos Sem Terra.
Para além das ideologias, esses movimentos lutam pela sobrevivência básica, muito longe dos discursos de uma esquerda perdida em seu espelho de Narciso nas redes sociais. E o filme Cadê Edson? não só registra essa luta, como faz dele um possível farol para uma sociedade que está parte dela desorientada e em outra parte se sentindo embalada no colo do fascismo institucionalizado .
Produzido pelo cinema cearense e filmado no Canindé e em Búzios, Canto dos ossos é um mergulho no cinema de gênero, dirigido pela dupla Jorge Polo e Petrus de Bairros. Filme de terror que conta a história de dois vampiros e os desdobramentos de suas vidas quando se separam.
Ele permanece no Canindé, onde trabalha em uma farmácia, convive com outros amigos vampiros, e faz novas vítimas que integra ao seu clã. Ela muda-se para Búzios, onde se torna professora, e também faz suas vítimas. Ainda em Búzios, um terceiro personagem vai ser o elo entre os dois vampiros, além de a cidade litorânea sediar uma estranha empresa que se torna uma cilada para jovens em busca de emprego.
Canto dos ossos é mais um exemplar do cinema de horror brasileiro, um dos gêneros mais cinematográficos por natureza. Só que aqui insere todo um imaginário de vampiros a serviço do corpo. Daí que, para o filme, a jugular não é mais protagonista e sim os corpos em sua multiplicidade, sejam cis ou trans. Em encontros sexuais em que a mordida, e sua consequente transformação, é, mais que tudo, a exacerbação do tônus sexual sempre insinuado nesse imaginário dos vampiros, mas aqui como a definir e materializar nos corpos a transgressão pelo desejo.
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23a Mostra de Cinema de Tiradentes
De 24 de janeiro a 1 de fevereiro
Programação completa e gratuita
mostratiradentes.com.br