Ano 20

15a Cineop - Mostra Preservação Curtas

Cena de Creche-Lar (1978), de Maria Luíza Aboim
A 15a Cineop - Mostra de Cinema Ouro Preto, apresenta, de 3 a 7 de setembro, uma programação extensa e gratuita. E como aborda o cinema como patrimônio, o que, intrísecamente, está ligado à memória da nossa cinematografia, alguns recortes da programação são sempre muito esperados.

Como as mostras Histórica e Preservação, que passeiam pela nossa filmografia em variadas épocas, filmes, cineastas, elencos e fichas técnicas.

A Mostra Preservação apresenta cinco filmes: Carnaval de Rua: Porto Alegre (1959), de Wilken Filmes Ltda; Creche-Lar (1978), de Maria Luíza Aboim; Eclipse (1984), de Antonio Mineiro; Gafieira (1972), de Gerson Tavares; e Pantera Negra (1968), de Jô Oliveira.

O Mulheres conferiu esse saboroso cardápio, que traz filmes que foram remasterizados e fazem parte de vários acervos do país.

Dois filmes arrebatam de cara: Gafieira (1972), de Gerson Tavares, e Creche-Lar (1978), de Maria Luíza Aboim.

Gafieira é um documentário de 1972, com 12 minutos de duração. O curta integra o projeto de restauração de Gerson Tavares, esse importante cineasta que estava, há muito, longe  dos circuitos de exibição. Na edição anterior, a Cineop exibiu o belíssimo longa Antes, o verão (9168), filme protagonizado por Jardel Filho e Norma Bengell.

Em Gafieira, o cineasta coloca no centro da tela a mítica Gafieira Elite, na não menos mítica Praça Tiradentes, no Rio de Janeiro. O filme faz um passeio por essa geografia fascinante, por si só um retrato 3x4 apropriadíssimo da cultura popular do país. Com fotografia de Lauro Escorel, que faz um inventário dessa manifestação popular e filmando o local desde os preparativos do salão, chegada dos músicos e público, os passos inebriantes da dança, e o encerramento da noite.

Se já nos créditos, somos apresentados e inseridos naquele universo a partir da imagem e do som, ao final da noite, quando todos se vão, os elementos sonoros são magistralmente utilizados para nos remeter a um moto-contínuo, como a nos dizer que aquela pausa é só no farfalhar do salão, pois o movimento implícito não cessa e, daí logo mais, começará tudo de novo

A fotografia aborda seu objeto com a elegância característica de Escorel e a direção precisa de Tavares, e daí vai nos apresentando aqueles homens e mulheres, quase na totalidade negros, do lado de dentro e de fora do balcão.

Há, naqueles rostos, naqueles gestos, naqueles passos, naqueles corpos, todo um mundo subterrâneo e particular. Ainda que anônimos, ninguém ali é filmado como objeto, mas sujeitos. E, do lado de cá da tela, a gente fica a prescrutar, tecendo narrativas e imaginando quem são aquelas altivas mulheres e homens galanteadores, muitos deles exibindo malabarismo gestuais, enquanto elas, maravilhosamente altivas, serpenteiam pelo salão como absolutas senhoras do baile.

Gafieira faz um registro humaníssimo daquelas gentes, daquele sedutor salão e daquela potentíssima geografia, que vale muito mais que tratados e tratados sociológicos. Uma beleza sem fim, pois permanece impregnado na retina e também nos corpos do lado de cá.

Creche-Lar, dirigido por Maria Luíza Aboim, é um curta de nove minutos realizado em  1978. A cineasta era integrante do Centro da Mulher Brasileira (CMB) - "Organização feminista centrada na reflexão sobre a condição da mulher na sociedade". 

O filme focaliza a experiência pioneira de uma creche comunitária na Vila Kennedy, no Rio Janeiro. Sem com quem deixar os filhos para trabalhar fora, as mulheres deixam seus filhos na casa de outras mulheres da comunidade, que recebem pagamento da assistência social.  Como se fosse uma cooperativa, todas aquelas mulheres participam desde as discussões  em grupo sobre seus problemas até a compra e organização de suprimentos para aquelas famílias.

Mas que a experiência, o que impressiona sobretudo em Creche-Lar é o registro imagético que a cineasta capta. Nem precisa ser dito, mas é claro que aquelas mulheres pobres deixam seus filhos e filhas para cuidar dos filhos de seus patrões como empregadas domésticas.

Como precisam trabalhar, antes, muitas delas, deixavam seus filhos trancados em casa, o que vinha causando acidentes domésticos desde os mais banais aos mais graves. Daí que a creche-lar acaba sendo a saída menos dolorosa.

Sim, porque a dor está lá, permanente. Está estampada naqueles rostos, que, ainda que por algum momento, tentam esboçar um sorriso, uma alegria, logo logo o semblante se fecha em desamparo.

Creche-Lar, o filme, está imbuído dessa fatalidade. E ainda que a narração tenta, ainda que timidamente, saudar aquela iniciativa, a câmera registra toda aquela dor em estado bruto de uma legião de mulheres invisibilizadas, abandonadas pela Estado - e talvez muitas também pelos companheiros -, jogadas à própria sorte.

Assim como em Gafieira, Creche-Lar também, em poucos minutos, é um retrato preciso de um povo. E de um país que, há séculos, arquiteta e executa o projeto genocida de suas filhas e seus filhos pobres, sem hora e sem vez. Closes e falas que cortam feito navalha no corpo de quem protagoniza e de quem assiste, dois lados de um espelho desnorteador.


A Mostra Preservação de curtas apresenta ainda Carnaval de Rua: Porto Alegre (1959), de Wilken Filmes Ltda, um registro sem som e em preto e branco restaurado de uma produção realizada em 1959;  e os experimentais  Eclipse (1984), de Antonio Mineiro, e Pantera Negra, (1968), de Jô Oliveira.

Eclipse é  caleidoscópio poético em animação de 12 minutos  sobre o período da ditadura civil-militar. Glauber Rocha, Che Guevara, Leila Diniz, Milton Nascimento, Carlos Drummond de Andrade e muitos outros símbolos de contestação desfilam imagética e febrilmente pela tela, nesse filme que recebeu- menção honrosa no XIII Festival de Gramado em 1985.

Pantera Negra (1968) foi dirigido pelo premiado quadrinista e desenhista Jô Oliveira, artista com carreira internacional. Animação de três minutos, com cores pintadas em nanquim, que focaliza a luta negra, passando pelos movimentos de igualdade racial, Martin Luther King, e, claro, os Panteras Negras e os assassinos da Ku Klus Kan,. O curta recebeu menção honrosa no IV Festival de Cinema Amador JB/Mesbla.

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15a Cineop - Mostra de Cinema de Ouro Preto
De 3 a 7 de setembro de 2020 - Programação gratuita
cineop.com.br

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Sala 
 Betty Faria
Com amor profundo pelo cinema, premiada em vários festivais no Brasil e no exterior