Ano 20

15a Cineop - Mostra Histórica Médias

Os Arara (Episódio 1) e Os Arara (Episódio 2), de Andrea Tonacci
A Seleção de médias da Mostra Histórica da 15a Cineop - Mostra de Cinema de Ouro Preto apresentou seis filmes: Avesso Festa Baile (1983), de Tadeu Jungle; Olho de Gato Perdido (2009), de Vitor Graize; Theodorico, O Imperador do Sertão (1979), de Eduardo Coutinho: Um Preto Chamado Catoni (1998), de Valter Filé; e Os Arara (Episódio 1 - 1980) e Os Arara (Episódio 2 - 1983), de Andrea Tonacci. - o Mulheres do Cinema Brasileiro conferiu os três últimos.

Um Preto Chamado Catoni (1998), de Valter Filé, é documentário de 43 minutos, realizado pela TV Maxambomba. O filme coloca no centro da cena o compositor e cantor mineiro, nascido em Ouro Preto e radicado com a família no Rio de Janeiro depois da infância.

O filme está totalmente centrado em seu personagem, é Catoni que fala de si, sobre a sua vida e as coisas dela. E como é ótimo narrador, vamos acompanhando sua tecitura, que é formada por contos e cantos.

Dessa forma, ficamos sabendo de sua infância e dos aprendizados da cultura popular com a avó, a oralidade, os cantos do calango, a ancestralidade africana. O caminho vai se fazendo, assim como o caminhar, dele e o nosso. 

Catoni, que no Rio de Janeiro acaba por integrar a Velha Guarda da Portela e compositor de samba-enredo que vai para a avenida, também nos relata o convívio com bambas e figuras míticas do samba carioca, como Natal, Candeia e Silas de Oliveira, e surpreende, sobretudo, com o retrato, ou parte dele, que faz de Candeia.

E canta, canta muito, algumas vezes à capela e tamborilando, e  na maioria acompanhado ao violão. E como são belas suas músicas, que, assim como as de tantos reis do samba de sua geração, ou anterior, não só emocionam como também suscitam arrebatamentos pela inteligência e apuro dos versos e das melodias. Das tantas músicas apresentadas, apenas uma destoa pelo caráter machista.

Valter Filé jamais deixa  de mirar seu personagem, que emana toda a realeza da cultura negra, seja pelo porte altivo, seja pelas histórias que são desfiladas e as narrativas que vai construindo, seja ainda pela música de altíssima cepa.

O filme não revela que, como compositor, Catoni foi gravado por nomes fundamentais da música brasileira, como Elza Soares,Elizete Cardoso e Clara Nunes, talvez até porque nem é preciso. Pela própria voz de seu personagem, suas músicas vão se agigantando, ao mesmo tempo em que, em menos de uma hora, vê-se, ali, toda a nobreza da cultura negra à nossa frente.


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Em 2006, o cineasta Andrea Tonacci arrebatou público e crítica com Serras da Desordem, seu mergulho profundo no universo indígena, na cultura fundadora do país e na situação em que ela vive a partir da trajetória de seu personagem principal, Carapirú.

Aliás, o que se via ali, para quem acompanha a trajetória do cineasta, era mais um filme fundamental para a cinematografia brasileira de quem sempre foi grande desde o início - basta citar Blá Blá Blá, curta de 1968, e o longa de 1971 Bang Bang. E, ao mesmo tempo, surpreendia, mais uma vez, pela excelência do resultado.

Serras da Desordem é tão deslumbrante, rigoroso e preciso, que já nasceu clássico, e como um dos filmes mais importantes e definidores dos conturbados - e com destino direto ao abismo - anos 2000 e suas duas décadas seguintes.

Daí que agora, quando o abismo já se configurou como um estado de coisas permanentes do país, encontrar ou reencontrar-se com o universo indígena nessas duas produções realizadas pelo cineasta na década de 1980 é como se antever, novamente, e banhado em dor, com o ininterrupto sangramento do maior genocídio orquestrado e praticado pelo país.

Os Arara (Episódio 1) e Os Arara (Episódio 2) abordam a expedição da Funai, comandada pelo sertanista Sidney Possuelo, em busca de contato com a tribo reclusa, que teve seu território  literalmente cortado ao meio no Pará pela construção da Transamazônica.

Tonacci filma tudo, desde as discussões sobre a situação da tribo e do povo indígena pelo chefe da equipe até a entrada na floresta e o que advém daí. Há na lente do cineasta a reverberação de um olhar que vai se construindo a partir de uma ideia e depois da prática. E vai nos enredando a tal ponto, que torna-se praticamente impossível não sermos tomados e, mais que isso, trazidos para dentro do que se vê.

Aliás, o filme nunca se limita a nos fazer de simples voyeur, ele nos exige. Nos exige, inclusive, a não desviar o olhar. E é olhando para tudo o que Os Arara nos apresenta é que podemos ver, nitidamente, o quão profundo é o abismo em que se jaz, se é que já houve verdadeiramente e potentemente um dia, a ideia de um país.

Os Arara, Episódio 1 e Episódio 2 são filmes indesviáveis, tanto pela permanente e contínua urgência de seu tema quanto pela genialidade sempre arrebatadora de um grande cineasta. 


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15a Cineop - Mostra de Cinema de Ouro Preto
De 2 a 7 de setembro de 2020 - Programação gratuita
cineop.com.br

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Sala 
 Betty Faria
Com amor profundo pelo cinema, premiada em vários festivais no Brasil e no exterior