Cena de Um animal amarelo (2020), de Felipe Bragança
O terceiro dia de exibição dos longas brasileiros concorrentes ao prêmio Kikito do 48o Festival de Cinema de Gramado, no domingo, 20, apresentou Um animal amarelo (2020), dirigido por Felipe Bragança.
O carioca Felipe Bragança, no início da carreira, esteve associado a Karin Aiñouz, um dos mais talentosos cineastas dos anos 2000, como um dos roteiristas do ótimo O céu de Suely (2006), e repetiu a parceria anos depois no não menos notável A Praia do Futuro (2014).
Já nesse final dos anos 2000, fez parceria com Marina Meliande estreando com ela na direção de longas com A fuga, a raiva, a dança, a bunda, a boca, a calma, a vida da Mulher Gorila (2009), vencedor da Mostra Aurora da 12a Mostra de Cinema de Tiradentes, em 2009.
De lá para cá realizou outros filmes, sempre com repercussão, fazendo jus aos versos de Caetano Veloso que diz "Eu sempre quis muito. Eu nunca quis pouco, falo de quantidade e intensidade".
O cinema de Bragança é geracional, imbuído de referências da cultura pop, em reapropriação de signos, que tanto poderia ser lidas no embricamento do viés antropofágico e tropicalista, ainda que, antes de tudo, no que há nele próprio de filtro desses registros. Como se ainda em Caetano, mascou, moeu, triturou, deglutiu, comeu.
Em Um animal amarelo, ele coloca em cena um cineasta em crise - alterego? - no final da juventude, que, enquanto deseja realizar seu filme acaba por fazer uma transversal no tempo a partir da referência do avô, um homem bruto, violento e escravocrata, mas que se enternece com o buquê de flores amarelas para o amor homoerótico.
Daí, acompanhamos Fernando, o personagem interpretado com acerto por Higor Campagnaro - em composição que remete à Bragança -, que perambula por colônias portuguesas como Brasil e Moçambique, para se desaguar na mãe desnaturada Portugal, que tampouco quer ser pátria, mátria ou fátria.
Ao refazer o caminhar do ideário do avô, Fernando vai encontrar, em seus deslocamentos pelos três continentes, personagens signos a compor todo o nascimento e decadência de possibilidades de projetos, seja de vida, de coletivo, de nação. Entre eles, três mulheres sínteses para cada um de seus pedaços fundantes: a brasileira interpretada por Tainá Medina, a moçambicana interpretada por Isabel Zuaa, e a portuguesa interpretada por Catarina Wallenstein - todas três ótimas e belíssimas atrizes - a personificarem a tríade Brasil/Àfrica/Portugal.
Cada uma dessas mulheres se insurge mais do que contra ele, contra o que ele representa ou possa ter representado um dia, em analogia ao avô e às nações, em revolta em moto-contínuo de passado/presente/futuro.
Já ele, inultimente, procura em cada uma delas um possível repouso do guerreiro, como se guerreiro de fato o fosse, quando, na verdade, pensa que ainda pode, talvez no máximo, quem sabe, fazer seus filminho.
E mesmo no tal animal, a procura é quase por uma mãe que afaga, abraça e acolhe. A mesma que masca, moe, tritura, degluti e come todas elas. E o seu.
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48o. Festival de Cinema de Gramado
De 17 a 26 de setembro de 2020 - exibição no Canal Brasil e nas redes sociais
Programação completa - festivaldegramado.net