Helena Ignez em cena de Extratos (2019), de Sinai Sganzerla
No quarto dia de exibição de curtas concorrentes na mostra competitiva do 48o. Festival de Gramado, foi a vez de conferir filmes do Distrito Federal e de São Paulo.
Wander Vi é curta 19'56" de duração dirigido por Augusto Borges e Nathalya Brum. O filme focaliza um jovem aspirante a cantor profissional da Ceilândia, no Distrito Federal, Wanderson Vieira, cujo nome artístico é Wander Vi.
Assim como tantos outros e outras, do Oiapoque ao Chuí, Wander Vi tem que se a ver com os dilemas entre o feijão e o sonho - ainda que cada um e uma, claro, tenha singularidades na sua trajetória. Negro, gay e morador da periferia, ele se desdobra entre o trabalho noturno para pagar as contas, e, na medida do possível, com o que sobrar, bancar sua aspiração em ser um artista de sucesso, investindo em aulas de dança e em equipamentos.
Quando perguntado sobre o que é a música para ele, Wander Vi não consegue definir, a não ser de que ela é tudo em sua vida. E vendo seu pequeno quarto, locação do filme, a ambiência revela isso com o investimento na tela grande do computador, na aquisição de equipamento eletrônico para a voz, e de como apresenta seu estúdio musical, na verdade uma barra lateral de programas específicos baixados na tela do computador.
O filme Wander VI não abandona seu personagem central em nenhum minuto da duração do filme, mesmo em deslocamento no carro com a equipe ou quando na aula de dança com o grupo de amigos. O que Wander Vi mais quer é ser ouvido, que sua expressão artística lhe faça famoso - o que pode se configurar também como síntese para tantas e tantos invisibilizados.
Por sua vez, o filme faz isso, amplia sua voz, faz dele o protagonista, e apresenta seu sonho, ainda que ele, o filme, invista pouco na narrativa estética. Cabe ao lado de cá querer ou não ouvir, ver e fazer eco a essa aspiração, assim como também se deixar seduzir pelo mostrado e pela forma como ele se dá.
Extratos é dirigido por Sinai Sganzerla, cineasta que vem desenvolvendo carreira cinematográfica no documentário a partir de uso de materiais de arquivo e de proposições sobre ele, como nos longas O desmonte do Monte (2018) e A mulher da luz própria (2019).
Nascida em família de DNA artístico e com pais referenciais na história do cinema, o cineasta Rogério Sganzerla e a atriz e cineasta Helena Ignez, é também irmã da atriz e cineasta Djin Sganzerla.
Se em A mulher de luz própria, Sinai voltou sua lente para a mãe, dessa vez, em Extratos, focaliza o casal, pois ainda que Helena é que esteja no centro da cena, já que no material de arquivo é filmada por Rogério, o foco aqui é nas vivências dos dois no Brasil, na Europa e Na África durante o período da ditadura civil-militar, os anos de chumbo - 1970 a 1972 -, e o exílio.
Há alguns anos a família Sganzerla, assim como também a Rocha, da qual faz parte, vem se revisitando, esmiuçando-se e propondo novas leituras sobre os seus clãs. Como Helena faz sobre Rogério, Sinai sobre Helena, e, do lado de lá, Paloma, Joel Pizzini, Paula Gaitán e Erick têm feito sobre Glauber Rocha - como se sabe, Helena foi casada com Glauber e Rogério, Paloma, casada com Joel, é filha de Helena com Glauber, e Paula foi casada com Glauber e pais de Erick.
A cada mergulho que essas talentosas e investigativas famílias fazem sobre seus personagens íntimos, um tanto ainda mais oferece e torna público uma ampliação do entendimento não só desses personagens fundamentais como também do próprio cinema.
Extratos é mais uma camada revelada desse universo sempre sedutor, partindo do particular ou mesmo público para patamares cada vez mais universais.
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48o. Festival de Cinema de Gramado
De 17 a 26 de setembro de 2020 - exibição no Canal Brasil e nas redes sociais
Programação completa - festivaldergramado.net