Cena de Dominique (2019), de Tatiana Issa e Guto Barra
O quinto dia de apresentação dos curtas concorrentes do 48o. Festival de Cinema de Gramado apresentou filmes dirigidos por duplas: Dominique (2019), de Tatiana Issa e Guto Barra; e Joãosinho da Goméa - O Rei do Candomblé (2019), de Janaína Oliveira e Rodrigo Dutra.
Dominque é produção carioca de 19 minutos dirigida por Tatiana Issa e Guto Barra. Um dos belos filmes selecionados para essa edição em Gramado, o filme traz para a cena o universo das trans no Brasil, uma das chagas mais dolorosas do nosso fracasso como nação, a partir de sua protagonista.
Com a situação caótica e desesperadora em que o Brasil mergulhou, a impressão que temos, cotidianamente, é que recuamos séculos, sensação aterrorizante e asfixiante. Pois bem, quando o universo é das travestis, transsexuais e transhomens, aí não é sensação, é pesadelo que permanece real, imutável, invisibilizado.
Não é um escândalo que travestis e trans tenham uma expectativa média de vida de 35 anos? E isso nos dias hoje? Bom, se a Idade Média realmente não está instaurada de fato lunáticos são os que não reconhecem isso. E, mais ainda, seguem suas vidas sem a menor empatia e o menor constrangimento ocupadas em suas salas de jantar
Daí que ver um filme como Dominique é não só uma afirmação de direito à vida como também de grande cinema. Pois Tatiana Issa e Guto Barros compõem planos tão elaborados e condizentes com o mostrado, que cada imagem bela nunca é perfumaria, mas expressão sincera, reveladora e expandida do que é sua personagem em todos os seus significados.
E aí, quanto mais vamos caminhando com ela pela foz do Rio Amazonas, atravessando as paisagens até o encontro com a mãe, não só vamos sabendo de sua história e daquela mãe que criou sozinha três filhas trans. Vamos refazendo trajetos dolorosos e lancinantes, só que enfrentados com altivez.
Pois altiva é Dominique, assim como altiva é sua mãe. E essa segunda, ao ser indagada pela vizinha que se o pai das moças fosse vivo não ia permitir aquilo, e ela responde que ainda bem que ele se foi, ali, naquele gesto e naquelas palavras, estão toda uma sabedoria e uma inteligência de vida a sambar na cara de todo um país genocida e sadicamente transfóbico.
E os diretores, seja por meio do roteiro, dos enquadramentos e das escolhas cênicas, jamais explora o que se descortina à frente, mas amplia no maior sentido de humanidade e de rigor estético. Grandes personagens. Grande filme.
Joãosinho da Goméa - O Rei do Candomblé é produção carioca de 14'24" dirigida por Janaína Oliveira e Rodrigo Dutra. Nome de referência para religiões de matriz africana, ele nasceu no início do século 20, 1914, no interior da Bahia, depois vai para Salvador e por fim para o Rio de Janeiro, em trajetória que se tornou história.
O curta, a partir das informações sobre o personagem, não só intercala materiais de arquivo, como fotos e notícias de jornal da época, como dá voz para que o próprio Joãosinho conte sua história.
O filme traz ainda Átila Bezerra, que ora saúda Joãosinho a partir dos seus elementos, como vestuário e adereços, ora o encarna, como na alusão ao carnaval, uma de suas paixões e polêmicas em vida no seu meio, e ainda dança lindamente, como na abertura impactante do filme. Destaque também para a beleza dos cantos.
Com Joãosinho da Goméa - O Rei do Candomblé, Janaína Oliveira e Rodrigo Dutra lançam foco a personagem importante na história brasileira, que ainda que conhecido no universo do candomblé, precisa mesmo ter sua trajetória, que também é de todo um povo preto e de um país, expandida.
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48o. Festival de Cinema de Gramado
De 17 a 26 de setembro de 2020 - exibição no Canal Brasil e nas redes sociais
Programação complet a- festivaldegramado.net