Ave Terrena Alves em cena de Para onde voam as feiticeiras, de Eliane Caffé, Carla Caffé e Beto Amaral
Começou ontem, 7 de outubro de 2020, o 9o. Olhar de Cinema - Festival Internacional de Curitiba. Devido à pandemia da Convid-19, ele está acontecendo virtualmente, e, dessa forma, o Mulheres do Cinema Brasileiro pode, pela primeira vez, cobrir esse importante festival.
Exatamente por ser a primeira vez, o Mulheres não sabe se nas edições presenciais as aberturas são no modelo dessa nona edição, que foi muito mais explicativa do que celebrativa. Para o Mulheres foi ótimo, poís pode conhecer melhor o Festival, e pela boca de seus realizadores, e ainda fazer uma constatação.
Talvez intuitivamente, na matéria geral publicada ontem, o Mulheres, ao fim do texto, elencou toda a equipe do Olhar de Cinema. Foi a primeira vez assim em décadas de cobertura, e a vontade de fazer o registro foi pela sensação boa de proximidade, mesmo com toda a distância, ao se deparar no site com todas aquelas caras das gentes do Festival - ainda que poucos pretos e pretas, o que é, na verdade, infelizmente, uma realidade em festivais em geral.
E nada contra empresas, pois temos mostras e festivais ótimos pelo país feitos por elas, mas aquela primeira impressão solitária fortaleceu ainda mais assistindo a abertura e ver, nas falas de dois dos realizadores, Eugenia Castello e Antonio Gonçalves Jr, que o que havia ali era, antes de tudo, pessoas realmente do cinema. O Mulheres não conhece nenhum dos dois e até pode ser uma avaliação ingênua, mas é preciso registrar que foi assim que o contato, de lá para cá e de cá para lá, estabeleceu-se.
Dessa forma, sai qualquer performatividade ou demais intervenções artísticas, e que também são bem-vindas e podem ter resultados artísticos de altíssima cepa como as aberturas das mostras de Tiradentes, Ouro Preto e BH - que o site cobre há anos -, e fica o cinema. Tanto na sala vazia, mas com as cadeiras silenciosas dos Cine Passeio a apontar histórico de fruição cinematográfica de décadas e de histórias diversas entranhadas em seus acentos vermelhos, como na disposição dos dois apresentadores.
Os vídeos apresentados foram em formato padrão, imperando em beleza estética a belíssima vinheta do Festival
Filme de abertura
O 9o. Olhar de Cinema - Festival Internacional de Curitiba vai apresentar, de 7 a 15 de outubro de 2020, 78 filmes entre curtas e longas, mais seminários, oficinas e Lab. Na programação de filmes, o foco está no cinema independente realizado em vários países.
O Mulheres do Cinema Brasileiro, pelo seu perfil histórico, vai cobrir os filmes brasileiros, daí já a primeira constatação positiva na programação com dois filmes daqui e codirigidos por mulheres programados para a abertura e para o encerramento do Olhar de Cinema, respectivamente Para onde voam as feiticeiras, de Eliane Caffé, Carla Caffé e Beto Amaral, e Antena da Raça, de Paloma Rocha e Luís Abramo
Eliane Caffé é uma grande cineasta. Nome importante da geração que impulsionou a produção de curtas da década de 1980 e 1990, dando sequência honrosa a tantos nomes pioneiros e seguidores no formato, em filmes marcantes como O Nariz (1987), Arabesco (1990) e Caligrama (1995). A carreira nos longas também é notável, cabendo a ela a direção de um dos momentos mais luminosos do chamado Cinema da Retomada com o delicioso Narradores de Javé (2003), produzido por Vania Catani.
Em Para onde voam as feiticeiras ela se somou na direção com sua irmã, importante e premiada Diretora de Arte, Carla Caffé, e Beto Amaral.
O filme coloca no espaço urbano de São Paulo um grupo de performers representativo de várias lutas: LGBTQI, movimento negro, movimento indígena, e ocupações urbanas. Sempre voltados para a lentes, eles interagem com o espaço, com os vários e diversos transeuntes, como também com a própria equipe de filmagem.
O recorte é interessante, ainda assim o resultado nem sempre condiz com a proposta. E isso se dá pela própria gênese, pois mais que mostrar aqueles personagens e o que pode resultar deles consigo e com as interações com o público, e advindo daí todas as possibilidades de situações como preconceito, racismo, machismo, homofobia, transfobia, xenofobia e violência, parece que os diretores e o roteiro querem mais é entender aquilo tudo, o que poderia não ser um problema, mas que aqui deixa, muitas vezes, um certo artificialismo impregnado não nas cenas, mas na intenção delas.
A partir disso, há um distanciamento incômodo em vários momentos, como se fosse um olhar mais externo do que devia, do que propriamente um visceral olhar sobre representatividade e toda a beleza e o horror que suas personagens vivenciam a partir disso . A fala de Ave Terrena Alves, uma das mais interessantes de todo o grupo, reflete bem isso quando em depoimento expressa seu incômodo entre ser ela ou uma personagem de si.
Quando o filme abandona a rua e busca em material de arquivo momentos históricos e ilustrativos sobre o que está pulsando ali, ainda que as imagens sejam importantes e buscam referendar, por exemplo, o racismo histórico e o genocídio daquela urbe, elas traem um pouco a proposição, como se o próprio grupo e suas interações por si só não fossem suficientes para o retrato que se busca, como a própria aliança entre as diferenças.
Há, claro, grandes momentos. Como o encontro com a pregação evangélica na rua, que, ainda que poderia render e reafirmar clichês nesses tipos de abordagens, exala temperatura de confrontos irreversíveis, incontornáveis e ruptores, e nos embates e colocações de Thata Lopes e Wan Gomez . Como também quando a direção de arte reforça a performatividade das personagens e a câmera eterniza em closes artísticos, e também em momentos de Preta Ferreira, Gabriel Lodi, Fernanda Ferreira Ailishi e Mariano Mattos Martins.
Vale ressaltar ainda a presença pequena em duração e gigante em significado e significante da atriz e militante Renata Carvalho.
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Serviço
9º Olhar de Cinema - Festival Internacional de Curitiba
De 7 a 15 de outubro - filmes exibidos e programação completa no
site olhardecinema. com.br
Ingresso: R$ 5 por filme