7a Mostra de Cinema de Gostoso - Parte 2
Teresinha Sodré em cena do episódio Alice, de As Libertinas, dirigido por Carlos Reichenbach
Quanto mais um ou uma cineasta que a gente admira renega ou diz que não gosta de filmes que dirigiu, sobretudo os primeiros, mais cresce na gente a vontade de conhecer esses filmes. O saudoso Carlos Reichenbach está nesse grupo. Mais de uma vez, assim como em sua biografia escrita pelo jornalista Marcelo Lyra, ele falou mal de alguns de seus primeiros filmes, como os episódios em As Libertinas e Audácia!, e o longa Sede de amar (Capuzes negros), ainda que ressalte o quanto aprendeu com eles.
Bom, pois graças a Heco Produções, que digitalizou As Libertinas e Audácia!, e a Mostra de Cinema de Gostoso, de São Miguel do Gostoso (RN), que realiza sua 7a edição, chegou finalmente o momento de o site Mulheres do Cinema Brasileiro assistir aos dois filmes.
A 7a Mostra de Cinema de Gostoso, que começou no último dia 10 e vai até o dia 14/03, domingo, programou os dois filmes para a programação Sessões Especiais, um dos recortes da programação geral da Mostra.
A programação da 7a Mostra de Cinema de Gostoso é formada por exibição de filmes, curtas e longas, masterclasses, cursos, Lab. Os filmes são divididos em cinco programas: Mostra Nacional, Mostra Acervo, Mostra Coletivo Nós do Audiovisual, Sessões Especiais, Sessão Cinelimite.
Além de As Libertinas e Audácia!, Sessões Especiais apresenta também o longa Boi de prata (1981), dirigido por Carlos Augusto da Costa Ribeiro Junior e rodado em Caicó, no Rio Grande do Norte, com Álvaro Guimarães e a mítica Luiza Maranhão no elenco.
Os três filmes contam ainda com depoimentos gravados sobre eles. O cineasta João Callegaro, um dos fundadores da Xanadu Produções Cinematográficas e diretor de um dos episódios de As Libertinas, comenta sobre a história produtora e os filmes; e Walter Carvalho sobre Boi de prata, de Carlos Augusto da Costa Ribeiro Junior, primeiro longa de ficção que fotografou.
O alvorecer de Carlão
Por mais de uma vez, o querido jornalista e crítico Marcelo Lyra, de Santos (SP), já ressaltou a generosidade de Carlos Reichenbach por ter acreditado nele para escrever a biografia "Carlos Reinchenbach: o cinema como razão de viver", publicado pela Coleção Aplauso. E não é difícil ecoar as palavras de Lyra, pois Carlão era mesmo muito generoso, e toda a chamada, à época, Nova Crítica, formada por críticos, pesquisadores, sites, revistas eletrônicas e blogs de cinema que pipocaram nos anos 2000 com o advento da internet, foram imediatamente abraçados e abarcados por ele. Inclusive, Carlão idealizou e realizou, em 2005, o Prêmio Quepe do Comodoro, agraciando, reconhecendo e dando visibilidade à essa produção, como o próprio site Mulheres do Cinema Brasileiro, de imediato apadrinhado pelo cineasta e laureado por ele com o Prêmio Quepe do Comodoro Especial Melhores de 2004 - ao lado da Revista de Cinema, do não menos fundamental e querido Hermes Leal.
E a partir de todo esse contexto, já conhecendo boa parte da filmografia de Carlão, ter lido sua biografia e vários de seus escritos, que o Mulheres do Cinema Brasileiro pode, finalmente, conhecer As Libertinas (1968) e Audácia! (1969), o alvorecer do cinema de Carlos Reichenbach, que dirigiu dois episódios dos longas, que foram produzidor pela Xanadu Produções Cinematográficas, fundada por ele e os cineastas João Callegaro e Antônio Lima. Esse período de alvorecer do Carlão é ainda formado pelos curtas Duas Cigarras (1965) e Essa Rua Tão Augusta (1966/1968).
As cópias exibidas na 7a Mostra de Cinema de Gostoso estão ótimas, e além dos filmes há ainda, como já dito, o depoimento de João Callegaro.
As Libertinas é longa formado por três episódios: Alice, dirigido por Carlos Reichenbach; Angélica, por Antonio Lima; e Ana, por João Callegaro. Acompanhar as histórias sobre essa produção, seja a partir do depoimento de Callegaro ou pelo próprio Carlão na biografia de Lyra, ampliam e situam o filme, seja em seu contexto da época, e aí tanto nas curiosidades sobre produção e filmagem, como também nas leituras que eles propiciam décadas depois de realização do filme - a biografia escrita por Lyra é de 2004.
Quanto ao filme em si, vale a máxima para quase todo filme dividido em episódios, que é a comparação entre um e outro, ainda que aqui as semelhanças são muito mais destacadas que as diferenças, já que os cineastas eram também os produtores, e a temática e o cenário são o mesmos, no caso, adultérios e locações na praia do litoral paulista.
As Libertinas abre com o episódio dirigido por Carlão, o mais longo dos três. De cara, chama atenção uma marca que se fortaleceria em toda a filmografia do cineasta, que é a palpável percepção de liberdade no ato de filmar impressa nos planos de Alice. Se o roteiro é um tanto desconexo, e informações extrafilme podem até, de certa forma, ajudar a justificar, como a necessidade de esticar a duração do episódio em função do tamanho dos outros, essa deficiência dele faz o filme descambar em vários momentos de sua totalidade.
Ainda assim, há em todo ele a gênese libertária de um dos cineastas mais libertários no nosso cinema, que faz com que a fruição do filme se dá como se da parte de cá, de quem conhece a obra, acompanhássemos aquilo tudo como uma piscadela a dizer para os nossos botões sabedouros do que adviria nos filmes seguintes: seu danadinho!
Outro destaque do episódio Alice é o elenco, outra característica marcante dos filmes de Reichenbach. Notadamente, no caso das atrizes, como Teresinha Sodré em início de carreira, e que se tornaria popular em novelas na TV. Teresinha Sodré, infelizmente, depois acabou abandonando a carreira artística a partir dos anos 1990, ainda que tenha presença constante no cinema da década de 1970, em filmes de cineastas como Fauzi Mansur, José Mojica Marins, Tony Vieira e Carlos Coimbra. Outro destaque é Célia de Assis - Célia Maracajá -, que desenvolveria carreira importante no cinema. Sodré e Assis são, respectivamente, esposa e amante do personagem de um escritor em crise.
É a partir desse triângulo amoroso que o episódio Alice se estrutura, com o escritor em encontros escondidos com a amante na colônia de férias em que está com a esposa, e que, por sua vez, vai contemplar outros personagens, todos eles às voltas de encontros sexuais, traições e picaretagens, como o amante aloprado da esposa e um repórter/fotógrafo aliciador. Ou seja, tudo gira em torno do sexo e de promessas, cumpridas ou não, do desnudamento das atrizes, combustível fundante que vai marcar boa parte da produção do cinema paulista na Boca do Lixo, que viveria seu auge na década posterior.
Angélica, episódio de Antonio Lima, se sai melhor em termos de roteiro, que também parte do argumento de todo o longa: o adultério. Se em Alice, do Carlão, a esposa vivida por Teresinha Sodré faz uso do cinismo frente ao adultério do marido para também praticar o seu, a esposa Anita, interpretada por Neusa Rocha em Angélica, é submissa e ciumenta.
No episódio, Anita vive na cola do marido, um mulherengo que vive na praia assediando moças e se esfregando escondido nas moitas com sua amante Angélica. Ainda que há uma composição de submissão exagerada na personagem - assim como uma personagem controvertida como a adúltera que gosta de apanhar em Alice - , sua explosão em gritos quando se dá a escolha do marido infiel é divertida, em episódio que tem como destaque a atuação de Neusa.
Por fim, Ana, episódio de João Callegaro, é o que mais se acerta na junção roteiro e direção, com a história do encontro de dois casais adúlteros cheios de intenções obscuras, em que planos como escapulidas e possibilidades de chantagens podem sair pela culatra.
Callegaro conduz a dramaturgia de seu episódio com rigor, e vamos acompanhando o jogo de mostra/esconde dos personagens até se desaguar em uma das melhores cenas de todo o filme, que é a celebração em diversão cínica em coletivo em plano sedutor apimentado por strip-tease.
Há de se destacar ainda em As Libertinas o ótimo e galhofo prólogo do filme, em que um coroa babão sai literalmente do esgoto pela boca de lobo, e todo paramentado alicia a moça para ir ao cinema com ele assistir ao filme. Marotamente, a marquise do cinema anuncia: O sexo começa com As Libertinas.
Bom, o começo sexo pode até não ser, mas é, com certeza, um dos começos de uma das filmografias mais iluminadas do cinema brasileiro.
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7a Mostra de Cinema de GostosoDe 10 a 14 de março de 2021Exibições gratuitasmostradecinemadegostoso.com.br
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Os três filmes contam ainda com depoimentos gravados sobre eles. O cineasta João Callegaro, um dos fundadores da Xanadu Produções Cinematográficas e diretor de um dos episódios de As Libertinas, comenta sobre a história produtora e os filmes; e Walter Carvalho sobre Boi de prata, de Carlos Augusto da Costa Ribeiro Junior, primeiro longa de ficção que fotografou.
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De 10 a 14 de março de 2021
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