Ano 20

7a Mostra de Cinema de Gostoso - Parte 3

Cena de A Badaladíssima dos trópicos x Os picaretas do sexo, episódio dirigido por Carlos Reichenbach no longa Audácia!
A 7a Mostra de Cinema de Gostoso, de São Miguel do Gostoso (RN), começou no último dia 10 e vai até o dia 14/03, domingo, com uma ótima programação gratuita e virtual, em função da pandemia da Covid-19..

A programação é formada por exibição de filmes, curtas e longas, masterclasses, cursos, Lab. Os filmes são divididos em cinco programas: Mostra Nacional, Mostra Acervo, Mostra Coletivo Nós do Audiovisual, Sessões Especiais, Sessão Cinelimite.

Como já dito por aqui na outra matéria, uma das cerejas do bolo da programação é o recorte Sessões Especiais, formada pelo raros longas em episódios As Libertinas e Audácia!, e o longa Boi de prata (1981), dirigido por Carlos Augusto da Costa Ribeiro Junior e rodado em Caicó, no Rio Grande do Norte, com Álvaro Guimarães e a mítica Luiza Maranhão no elenco.

Depois de As Libertinas na matéria anterior, agora é vez e hora de se debruçar sobre Audácia! - A fúria dos desejos, longa em episódios da Xanadu Produções Cinematográficas, fundada por Carlos Reichenbach, João Callegaro e Antonio Lima, diretores de As Libertinas.

Audácia! (1969) é também filme em episódios, como o anterior, mas aqui são só dois, já que Callegaro tinha pulado fora da Xanadu, conforme conta no depoimento disponibilizado pela Mostra, em que comenta sobre a histórica produtora e os dois filmes.

Há um avanço extraordinário entre os episódios dirigidos por Carlos Reichenbach em As Libertinas e nesse Audácia!, ainda que o cineasta continue não gostando do resultado. E é maravilhoso poder ver esses dois filmes em sequência, oportunidade rara proporcionada a partir da digitalização da Heco Produções e da programação dos  filmes na 7a Mostra de Cinema de Gostoso. 

Se em As Libertinas  o tema era o adultério, em Audácia!(1969) é o próprio cinema, que é levado para a cena tanto na apresentação de personalidades reais e fundamentais para a produção da Boca do Lixo, como fazendo dos protagonistas dos dois episódios personagens que permeiam as equipes, como cineastas, atrizes, atores, produtores, continuístas e fotógrafos.

Audácia! tem começo que remete aos filmes documentais da Boca que Ozualdo Candeias realizou, e daí vemos em cena nomes como Luís Sérgio Person, Rogério Sganzerla, José Mojica Marins, Silvio Renoldi, Maurice Capovilla, além dos próprios Candeias e Carlão. É um prólogo como em As Libertinas, e também dirigido por Carlão,  recurso genial que conjuga os dois filmes. 

Se lá tínhamos um coroa babão, e, fatalmente adúltero, para adentrarmos no panorama do adultério, tema central daquele filme, aqui são as próprias gentes do cinema, com direito ao encontro entre cineasta real, Mojica, e  cineasta ficcional, Paula Nelson, como porta de entrada para o que será apresentado. 

Já nesse prólogo apresentando a Boca do Lixo e a mítica Rua do Triunfo, o narrador já vaticina: Filmes de sucesso garantido é é formado por comédias, cangaço e erotismo. Ainda que a Boca do Lixo também tenha produzido filmes de cangaço, sobretudo paródias, essa citação, assim como a ótima sequência inicial em que Mojica e Paula Nelson conversam, e ele ele diz que não devemos parecer cordeiros quando, na verdade, somos lobos, e que é importante afastar a nojenta demagogia, quase parece ser estocadas desferidas a outros modelos de produção da época.

Em Audácia!, novamente Carlão dirige o primeiro, e também maior, episódio: A badaladíssima dos trópicos x Os picaretas do Sexo. Em cena, as agruras de Paula Nelson para realizar seu primeiro longa-metragem. De temperamento forte, ela dá pernada a três por quatro, seja no set ou fora dele. E obcecada para realizar seu primeiro filme, procura produtor endinheirado, se envolve com ator narciso, enfrenta pressões e a equipe, e paralisações de filmagens.

Se em As Libertinas, Carlão apresentou um leque de personagens femininas controvertido, como a amante romântica e a esposa dissimulada, mas também uma adúltera que gosta de apanhar, em Audácia! ele constroi uma personagem feminina forte e indomável, rica em contradições, e em configuração moderna já naqueles anos 1960 e 70, muitas vezes em contraponto ao tipo de personagens femininos no modelo de produção que se fortaleceria na Boca do Lixo e na qual desenvolveria parte importante de sua filmografia.

A Paula Nelson, interpretada com garra por Maria Cristina Rocha, é da estirpe das mulheres modernas que vão compor a filmografia do cineasta, desde a Lilian M (1975) de Célia Olga Benvenitti até a Silmara de Rosanne Mulholand em Falsa Loura (2007).

Outro destaque de A badaladíssima dos trópicos é a galeria de belos planos. Se em As Libertinas já se via a liberdade de filmar de Carlão impressa, aqui ela se faz por completo, mesmo porque ele é também o diretor de fotografia, ou seja, escreve, produz, dirige e fotografa. 

Há muitas cenas memoráveis em A badaladíssima do Trópicos, desde a protagonista se desvencilhando dos assédios do ator babão - as expressões de Rocha são hilárias -, até aquela que, talvez, seja a maior de todo o episódio: a discussão acalorada do trio, a cineasta, o assistente e a jornalista na mesa de bar, desaguando no desbunde divertido com o trio quebrando garrafas e copos e caminhando em desatino e às gargalhadas pela rua. É em cenas como essa que o cinema de Carlão se materializa em potência máxima, e vale  destacar a atuação do trio, em especial a de Cleo Ventura, maravilhosa como a jornalista Helena. Palito como o assistente deslumbrado Banana Macaco é a outra ponta.

A obstinação de Paula Nelson para fazer seu filme vai reverberar também na forma como Reichenbach vai construir sua carreira, um dos mais singulares de nossos cineastas, e que conseguiu unir o popular e o erudito, o comercial e o autoral.

Amor 69 é o episódio dirigido por Antonio Lima. Inferior ao primeiro episódio, neste acompanhamos uma equipe de filmagem tentando realizar uma sequência. Mitos e realidade do universo cinematográfico estão em cena, como a dona da locação que expulsa a equipe, o diretor que quer, sobretudo, tirar a roupa da atriz, a coadjuvante que quer ascender, o fotógrafo experiente e sem paciência com a picaretagem da equipe, e por aí vai.

Alguns atores marcam presença novamente em Amor 69, como Teresinha Sodré, agora como a atriz que se faz de sonsa para alcançar seus objetivos, e novamente Cleo Ventura encarnando sua personagem repórter.

O maior destaque de Amor 69 é a participação de Ney Latorraca como um bêbado que invade o set. Impressiona a persona cinematográfica de Latorraca e sua perfeita composição do personagem. Pena que a participação seja curta, ainda que inesquecível.



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7a Mostra de Cinema de Gostoso
De 10 a 14 de março de 2021
Exibições gratuitas
mostradecinemadegostoso.com.br


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Sala 
 Betty Faria
Com amor profundo pelo cinema, premiada em vários festivais no Brasil e no exterior