Cena de A primeira morte de Joana (2020), de Cristiane Oliveira
Começou no dia 28 de setembro e vai até o dia 3 de outubro, domingo, a 15a CineBH - Mostra Internacional de Cinema de Belo Horizonte.
Realizada pela Universo Produção, a mesma da Mostra Tiradentes e da Cineop - Mostra de Ouro Preto, a CineBH mira sua lente para o cinema a partir do mercado. Nessa edição comemorativa de 15 anos, e que segue no formato virtual devido à pandemia da Covid-19, a temática central é "Cinema e Vigilância".
Na programação são várias mostras com recortes conceituais, temporais, faixas etárias. Uma delas é a Mostra Contemporânea Brasil, que está apresentando quatro filmes: A primeira morte de Joana (RS), de Cristiane Oliveira; Desaprender a dormir (SP), de Gustavo Vinagre; Nós passarinhos (SP), de Antonio Fargoni; e Um dia qualquer (RJ), de Pedro Von Kruger.
Gustavo Vinagre vem desenvolvendo uma carreira contínua e marcada por proposições identificáveis de imediato, seja pela presença do elenco, como também pelos temas e por personagens e desejos LBTQUI+. Seus filmes configuram-se como quase um libelo contra a caretice que tomou conta não só do país como também, em muitos casos, dentro do próprio cinema.
O cineasta, que também se coloca em cena como ator, vocifera falas e posturas anti-pudor. É como se a nos fazer, pelo menos lembrar, que é o desejo, ou a tensão dele entre o sexual e o de nos fazer amar, que nos move. Ao mesmo tempo em que o capitalismo, o nosso grande Senhor do Negócio que nos regem, nos esmaga mesmo por meio deles.
Então dá-lhe nu frontal, paus, cus, sacos, pentelhos e esperma, e sexo cada vez mais explícitos. E há, nessa profusão concreta de suores e odores, e o tempo todo, gritos abafados, ainda que a tela os expande, de solidão, e de luta entre a apatia e a gana de desejar..
Em Desaprender a dormir, ele coloca todo esse caldeirão na geografia do confinamento da atual pandemia, o que faz com que a exacerbação dos tônus que vem permeando seu cinema parta não do deslocamento, mas no mergulho abissal do existir.
Se no seu novo filme, cuja carreira tem como ponto alto o inquietante Lembro mais dos corvos (2017), o cineasta apresenta um roteiro que por várias passagens não funciona e quase nos faz expulsar do narrado, ainda assim está lá toda a afirmação de um cineasta, em misto de desdém e desespero, em tônus de vida e de morte.
Nós passarinhos, de Antonio Fargoni, que também tem como marco definidor o atual confinamento sanitário, coloca em cena três personagens, duas irmãs e um filho de uma delas. As duas solitárias em casa, e o filho solitário como motorista de aplicativo.
Se a janela das casas e do carro se instalam como signos de aprisionamento não só físico, como também de vontades, desejos e sonhos, é em como cada um deles vai se colocar a partir de seus corpos e falas que essa realidade vai se desnudar.
Todas as cenas das personagens enclausuradas em suas casas funcionam muito mais do que o enclausuramento do filho no carro e no seu desejo de não estar ali, mas fazendo seus filmes, já que é também um cineasta.
Ainda que haja passagens muito forçadas, ou pelo menos que não funcionam a contento na narrativa, como a relação de uma das senhoras com o bicho de pelúcia gigante. Assim também como nas quebras da quarta parede, que se apresentam mais como recurso um tanto manjado e não como proposição expandida do que ser quer. Nós passarinhos é filme sobre o aqui e agora, por vez cambaleando entre bons momentos e outros não.
Um dia qualquer, de Pedro Von Kruger, situa-se em chave completamente oposta. Aqui é a rua, a ação, o perigo dos encontros e desencontros, o cerceamento, a aniquilação dos corpos, a violência, o poder.
O filme faz de um bairro controlado pela milícia o personagem principal de sua narrativa. Ainda que por ele trafeguem moradores de idades, crenças e vibes diferentes, é a violência impregnada no ar e a sensação de se estar, a todo momento, cambaleando a um passo do abismo do extermínio que exala de ponta a ponta.
Pequeno, médio e grande poder são sempre, por si mesmos, cafonas. Pois dão, a quem os exercem, uma ilusão de afirmação e de controle, mas que serão sempre fugidios e incontroláveis. Já que o controle único e absoluto será sempre o do Grande Negócio. É o Grande Negócio que sobrevirá sempre, fazendo com que os peões dancem no tabuleiro a seu bel prazer e como garantidores de sua sobrevivência e controle.
E ainda que todos saibam disso, são esses podres poderes do dia-a-dia que massacram, vilipendiam, humilham, exterminam. Em Um dia qualquer o podre poder se personifica em estado bruto, no confronto e na permanência, e a qualquer custo, em um miliciano em seu projeto de reino. Mas com o extermínio do filho de uma Primeira Dama viúva do antigo manda-chuva do crime na comunidade, agora convertida em evangélica, que passado e presente vão se tensionar novamente.
Um dia qualquer é filme que aposta nos preceitos do cinema de gênero para se impor, e, portanto, inclusive dependendo pouco de esmerada interpretações de seu elenco. É filme que prende atenção durante o mostrado, ainda que depois se dilua e se esvai.
Dirigido por Cristiane Oliveira, A primeira morte de Joana é destaque da Mostra Contemporânea. Todo centrado em personagens femininos, são as mulheres, de diferentes gerações, que nos conduzem para essa transversal do tempo, sendo a adolescente Joana o ponto central.
Joana vive em uma casa e em uma geografia povoada por mulheres, a mãe, a avó, a amiga, e a tia-avó que acaba de falecer. E é essa primeira morte em sua vida, de uma pessoa tão próxima, mas, ao mesmo tempo, tão distante em seus segredos, que vai permear e impregnar seu momento de passagem.
A tia-avó de Joana morreu solteira e, segundo relatos familiares e da cidade, sem nunca ter namorado ninguém. Esse fato vai reverberar forte na menina, que obcecada por desvendar os segredos de uma vida tão cheia de lacunas da tia, terá que se a ver consigo mesma.
Retraída e oprimida pela mãe, Joana vai encontrar na amiga transgressora, tão jovem quanto ela aos 13 anos, a possibilidade de desvendar seus mistérios de Clarice. Seu desejo, seus medos, sua curiosidade, seus conflitos, suas descobertas, seus labirintos, e seu despertar para a vida.
A primeira morte de Joana conta com uma interpretação e uma química adolescente ótima entre as atrizes Letícia Kacperski (Joana) e Carolina (Isabela Bressane). Suas falas e, sobretudo, seus silêncios e olhares radiografam perspectivas da adolescência e do tornar-se mulher em misto de dor, espanto e doçura.
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15a CineBH - Mostra Internacional de Cinema de Belo Horizonte
De 28 de setembro a 3 de outubro de 2021
Programação e exbição gratuita - cinebh.com.br