Ano 20

10º Olhar de Cinema - Longas 3

Cena de A Cidade dos Abismos, de Priscyla Bettim e Renato Coelho
Começou no dia 6 e vai até o dia 14, o 10º Olhar de Cinema - Festival Internacional de Curitiba, com 77 filmes na programação, curtas e longas, de vários países. Também encontros e masterclass.

Na sexta, 8, foi a vez de conferir dois longas: O sonho do Inútil (RJ), de José Marques de Carvalho Jr., que faz parte da Mostra Competitiva; e A Cidade dos Abismos (SP), de Priscyla Bettim, Renato Coelho, da Mostra Novos Olhares.

O Mulheres do Cinema Brasileiro não conhecia o trabalho de José Marques de Carvalho Jr. Nem quando começou em 2005 com amigos a série de vídeos Inútil na internet, nem seus curtas e longas, portanto, para o site é uma revelação do Olhar de Cinema.

E é exatamente quem são e o que é o Inútil que estão no foco de O sonho do Inútil, longa que está em competição no Olhar. E não pensem que esse quem é e o que é são orbitam apenas por autorretratos, pois o filme é isso e muito mais que isso, pois ao falar deles fala de todos nós e, sobretudo, do que é feito esse rascunho de nação.

O Inútil reúne cinco amigos adolescentes que protagonizam vídeos em que zombam de si mesmos em situações limites cada vez mais perigosas. Buster Keaton foi referência, e a analogia faz sentido, a partir do que seu personagem vivia na tela e eles na realidade dura da periferia.

É como se desafiando os limites, o grupo escancarasse gritos contra uma condição de vida sem saída. Ainda em analogia, se não dá para fazer, a gente avacalha, então se é para morrer, a gente vive. 

O Sonho do Inútil, a partir do registro de vídeos, resgata o início do grupo e suas andanças e peripécias, e depois o reencontro para fazer o longa, atualizando também como está cada um deles, já que o grupo se desfez e cada um tomou um caminho. Para a sobrevivência, é bom ressaltar.

A periferia está inteira em O Sonho do Inútil. em cada fragmento, em cada plano. É do Rio de Janeiro e é do Brasil E os ecos disso tudo tomam uma dimensão ainda mais exasperante com o genocídio, que se da juventude negra e dos LGBTQI+ sempre estiveram instaurados, agora se tornou propaganda de política de Estado oficial e com álbuns de figurinhas de CPF cancelado disputados a tapa pela oficialização fascista em júbilo.

E também não pensem que O Sonho do Inútil é apenas essa radiografia trágica e urgente, o que, por si só, já seria muito, pois é também cinema. E da melhor qualidade.

Dirigido por Priscyla Bettim e Renato Coelho, A Cidade dos Abismos coloca em cena as criaturas da noite de São Paulo. E aqui não só porque circulam e habitam, sobretudo, a noite, mas porque são os excluídos: trans, imigrantes africanos.

Com estética estilizada, A Cidade dos Abismos impressiona desde o primeiro plano, quando o subir a escada, metáfora contumaz de ascensão, aqui se transfigura em anúncio de extermínio. 

A execução de uma travesti alavanca a história e descortina as personagens marginalizadas e periféricas que, a partir daí, buscam não só por justiça como também um ecoar de socorro e de revolta  de sina anunciada.

O Brasil, esse rascunho de nação, foi erigido por cima do extermínio de corpos, prática que jamais abandonou e deixou de executar de forma oficial. Daí que exterminar um corpo travesti e um corpo preto entre um copo e outro de cerveja é como  estado natural das coisas.

É sobre isso que fala A Cidade dos Abismos, sobre um cotidiano contínuo de sangue derramado pelo Estado, e que é invisibilizado pelo desdém cúmplice e autofágico de um povo.

E assim, no prenúncio onírico de justiçamento, A Cidade dos Abismos jamais se perfila em ato fascista de olho por olho, mas como ato revolucionário de copo até aqui de mágoa, dor e morte.

A Cidade dos Abismos conta com um ótima atuação de Verônica Valenttino. Também no elenco, Sofia Riccardi, Carolina Castanho e Guylain Mukendi.



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Serviço
10º Olhar de Cinema - Festival Internacional de Curitiba
De 7 a 15 de outubro - filmes exibidos e programação completa no 
site olhardecinema. com.br
Ingresso: R$ 5 por filme

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Sala 
 Betty Faria
Com amor profundo pelo cinema, premiada em vários festivais no Brasil e no exterior