Ano 20

25a Mostra Tiradentes - Retrospectiva 1

Cena de Filme de aborto (2016), de Lincoln Péricles
A Mostra de Cinema de Tiradentes, que começou no dia 21 e vai até o dia 29, está comemorando 25 anos de trajetória. Era para ser presencial, com parte da programação também no formato virtual, mas devido ao avanço da Covid acabou ficando mesmo só no formato on-line, nessa edição que tem como temática central "Cinema em Transição" e como homenageado o cineasta Adirley Queirós.

169 filmes, entre curtas, médias e longas, estão sendo exibidos, e um dos recortes é a retrospectiva Mostra 25 anos, que apresenta algumas produções exibidas na competitiva Mostra Aurora, formada por até terceiros filmes inéditos de cineastas, em período que vai de 2007 até 2017.

A programação da Mostra 25 anos é formada por 26 longas:

- Crítico, Kleber Mendonça Filho; Sábado á Noite, de Ivo Lopes Araújo; Estrada para Ythaca, de Guto Parente, Luiz Pretti, Pedro Diógenes, Ricardo Pretti; História que nosso cinema (não) contava, de Fernanda Pessoa; Subybaya, de Leo Pyrata; Filme de aborto, de Lincoln Péricles; Baronesa, de Juliana Antunes; Sem raiz, de Renan Rovida; Aracati, de Aline Portugal e Julia De Simone; Taego Âwa, de Henrique Borela e Marcela Borela; Jovens infelizes ou Um homem que grita não é um urso que dança, de Thiago B. Mendonça; Teobaldo morte, Romeu exilado, de Rodrigo Oliveira; Ressurgente: Um filme de ação direta, de Dácia Ibiapina; Aliança, de Gabriel Martins, João Toledo e Leonardo Amaral; Batguano, de Tavinho Teixeira; A Vizinhança do tigre, de Affonso Uchoa; Os dias com ele, de Maria Clara Escobar; Ferrolho, de Taciano Valério; Ventos de Valls, de Pablo Lobato; Corpo presente, de Marcelo Toledo e Paolo Gregori;   A fuga, a raiva, a dança, a bunda, a calma, a vida da mulher gorila. de Marina Meliande e Felipe Bragança; O céu azul com nuvens vermelhas. de Dellani Lima; O quadrado de Joana, de Tiago Mata Machado; Conceição - Autor bom é autor morto; Cartola, Música para os olhos, de Lírio Ferreira e Hilton Lacerda; Branco sai, preto fica, de Adirley Queirós.

O Mulheres do Cinema assistiu a 20 desses filmes, quando exibidos em Tiradentes - com exceção para Histórias que nosso cinema (não) contava, visto no Cine Humberto Mauro; Conceição - Autor bom é autor morto, em lançamento no Cine Belas Artes; e Baronesa, visto muito depois. São filmes diversos, sobretudo em temas, e ainda que o Mulheres não os tenha revisto, guarda vários grandes momentos, como em Sábado à noite, Os dias com ele, A vizinhança do tigre, Batguano, Teobaldo morto, Romeu exilado, e Branco sai, preto fica.

Dessa forma, o Mulheres do Cinema Brasileiro está conferindo os seis que faltam, já tendo assistido ontem, sábado, quatro deles.


Cartola, Música para os olhos, de Lírio Ferreira e Hilton Lacerda, que é pré-Aurora, pois rodado em 2006 e a mostra foi inaugurada em 2008, é o que menos se envereda mais radicalmente pelo chamado Cinema de Invenção, quase uma bula para muitos dos filmes apresentados em Tiradentes na última década em meia. Ainda assim, incorpora  esse universo já em seu ponto de partida, valendo-se, inclusive, da célebre cena de Brás Cubas, de Julio Bressane, como um Cartola a nos narrar suas memórias póstumas - o filme se vale ainda de várias cenas de filmes emblemáticos para comentar o mostrado.

Situado naquele recorte de biografados que são gênios em seu ofício, e aqui um mestre da música, o filme traz pouca novidade em informação para os familiarizados com o artista e sua obra, no entanto apresenta ótimo recorte de arquivos e cumpre sua intenção, já que, não necessariamente, almeje só iniciados. Também como trabalhos lançados recentes sobre Leila Diniz e Nara Leão, por exemplo, não contempla o contraditório, o que acaba por se tornar um perfil parcial de seu objeto, ainda que com resultado sedutor.
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O céu azul com nuvens vermelhas, de Dellani Lima, visto hoje, já anuncia todo o imaginário cinematográfico construído por esse singular artista. Dellani é daquelas presenças que se configuram com uma reiterada carta de intenções, não só pelo que dizem nos filmes em que dirigem, como também naqueles personagens que encarnam em filmes de outros - quando são atores como é o caso dele.

Há em O céu azul com nuvens vermelhas uma proposta de experimentação que jamais cai no vazio. Ao colocar em cena o amor, seja encenado pelo casal de personagens ou a partir de reflexões de pessoas reais sugestionadas pelos signos das cores, o filme se instaura, atiçando, a partir de tema universal e clichè, percepções éticas e estéticas.

Lincoln Péricles é um dos grandes acontecimentos cinematográficos das últimas décadas, assim como o são Glenda Nicácio, e Ary Rosa, e o trio da Filmes de Plástico, André Novais de Oliveira, Gabriel Martins e Maurílio Martins.

Seu cinema traz para o centro da cena não só a periferia, e sim, e sobretudo, os corpos e os impactos de uma ordem instaurada de extermínio sobre estes, pobres e pretos. O cineasta, que dirigiu um dos mais belos curtas dos últimos anos, o petardo Filme de domingo, constrói em Filme de aborto uma tessitura formada por nervos expostos tão poderosa, que desafia ao mesmo tempo em que nos assoberba pela inteligência cênica e de propósitos. Tema espinhoso e  de restauração permanente da fogueira em chamas sobre as mulheres, aqui o aborto é redimensionado, abordado e, sobretudo, reconfigurado a partir do seu deslocamento para os homens, e de intersecções como as entre cultura, violência e miséria, o que, de fato, está no cerne de sua prática no país..

Subybaya, de Leo Pyrata, foi filme mais falado que visto, pois quando de seu lançamento em Tiradentes protagonizou tanta polêmica, com discussões acaloradas, que chegou até mesmo em quem não o assistiu, e, depois disso, o filme meio que "desapareceu" - há muito que o Mulheres queria assisti-lo.

Em cena, uma jovem mulher, muito bem sintetizada na sinopse oficial do filme: "Dentro de mim mora um silêncio. De noite, ele vai com suas garras, à caça de algo pra gritar". E é exatamente a partir de como se dá a construção desse silenciar-se e dessa busca de  algo para gritar, que o filme acaba por se enveredar por armadilhas que escapolem ao aparente domínio de sua teia movediça. Ao colocar em cena extratos de teorias feministas, uma personagem caminhando sobre o abismo patriarcal, e mulheres se revoltando sobre o mostrado, Subybaya traz para si não só algo muito maior do que parece dar conta, como também se mistura e acabar por se confundir sobre aquilo com o que parece querer, ele mesmo, se insurgir. Subybaya é filme que, acabou por trazer consigo, como que marcado em brasa e impresso em seus planos, os ecos do lugar de fala de seu tempo.



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25a Mostra de Cinema de Tiradentes
De 21 a 29 de janeiro de 20222 - Programação gratuita
exibição e mais informações mostratiradentes.com.br



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Sala 
 Betty Faria
Com amor profundo pelo cinema, premiada em vários festivais no Brasil e no exterior