Cena de YÃI TU ÑUÑAHÃ PAXEXOP - Encontro de Pajés, de Sueli Maxacali.
Na 17ª Cineop - Mostra de Cinema de Ouro Preto ontem, 26, a programação apresentou dois recortes da Mostra Histórica, com exibição de curtas.
O primeiro programa apresentou quatro filmes: GUAIRACA´I JA - O Dono da Lontra, de Wera Alexandre Ferreira; XUPAPOYÑAG, de Isael Maxacali; WATORIKI XAPIREPË - Casa dos Espíritos, de Morzaniel Iramari, Dário Kopenawa; YÃI TU ÑUÑAHÃ PAXEXOP - Encontro de Pajés, de Sueli Maxacali.
A sessão tem o nome Mitos, Espíritos e a Vida, o que faz todo o sentido, pois todos os filmes reunidos tratam e orbitam sobre esse tema.
GUAIRACA´I JA - O Dono da Lontra e XUPAPOYÑAG tratam de um mesmo tema, a lontra com um animal sagrado. mas por viés próprio de cada etnia, o primeiro pelo povo Guarani Kaiowá, e o segundo pelos Maxacali.
Segundo os povos originários, todas as pessoas, assim como os animais, têm um espírito que zela por eles. Por ser um animal sagrado, a lontra não pode ser caçada. Quando isso acontece, o espírito que vive nela pode se vingar do caçador.
GUAIRACA´I JA - O Dono da Lontra se desenvolve a partir da chegada de um jovem com uma lontra morta na aldeia. Com isso, os anciãos contam a história sobre o animal sagrado e se cercam de cuidados para que o jovem não seja punido, assim como o povo da aldeia.
O GUAIRACA´I JA - O Dono da Lontra consegue tanto repassar o ensinamento tradicional, quanto a criar uma atmosfera em que o perigo realmente se aloja na aldeia, seja pelas falas temerosas dos mais velhos, seja pelo desespero do garoto. A partir de uma tradição, o filme acaba por permear o cinema de gênero, o que faz dele muito além de um registro de uma crença fundante.
XUPAPOYÑAG parte do mesmo princípio, mas aqui em outra aldeia: a caça da lontra. O filme encena um ritual, em que os espíritos que vivem e zelam pelas lontras voltam à aldeia que praticou a caça ao animal sagrado para se vingarem.
Segundo a tradição, nessa invasão dos espíritos vingadores, caberá à mulheres enfrentar e repelir os visitantes. XUPAPOYÑAG reencena o ritual, em que "lutas" de corpo entre as mulheres e os espíritos materializam, em movimentos e cores, o embate. É curioso assistir aos dois filmes, como foi programa em sequência, pois se no primeiro há o momento da caça e o temor que advém disso, no segundo já se dá o temor encarnado.
WATORIKI XAPIREPË - Casa dos Espíritos é um filme sobre o povo Yanomani. Em cena, a perpetuação da tradição, repassada pelos mais velhos para os jovens e as crianças, a fim de que eles conheçam e vivenciem a tradição Yanomani, para que não se afastem de sua cultura de sua cosmologia e de sua aldeia para se tornarem brancos.
WATORIKI XAPIREPË - Casa dos Espíritos materializa aspectos dessa tradição, com rituais, cantos, danças, caçadas e preparação de alimentos, como o açaí e o bejun. É nessa preparação de toda a aldeia para um grande encontro em que os ensinamentos se dão para fortalecer os jovens e crianças como autênticos Yanomani, que o filme se impõe.
YÃI TU ÑUÑAHÃ PAXEXOP - Encontro de Pajés focaliza os Maxacali em plena pandemia da covid-19. Para se afastarem e protegerem as famílias da doença, um grupo se desloca de sua reserva. Acuados por não poderem mais se esconderem nas matas, como faziam os antigos frene às ameaças, já que, como outros povos originários, vivem em pequenas áreas, as famílias se reúnem em ritual de proteção e de fortalecimento de seus corpos e espíritos.
YÃI TU ÑUÑAHÃ PAXEXOP - Encontro de Pajés é filme que se situa entre a denúncia - a fragilidade dos povos indígenas devido à retirada de seus direitos básicos, como à terra -, e a força da tradição - que marca a resistência e a sobrevivência dessas aldeias. Imagético, o filme consegue situar o flagelo atual - a pandemia - aos séculos de afirmação da sabedoria tradicional dos povos originários.
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17ª Cineop - Mostra de Cinema de Ouro Preto
De 22 a 27 de junho de 2021
Programação gratuita - cineop.com.br