Cena de Amor, plástico e barulho, 2013, Renata Pinheiro
Um bate-papo com a equipe do filme Depois da chuva - a codiretora Marília Hughes e o ator Pedro Maia -, o crítico José Geraldo Couto, e com mediação do jornalista Paulo Henrique Silva marcou a abertura da série de seminários Encontro com a Crítica, Diretor e Público da 17ª Mostra de Cinema de Tiradentes.
A atração, assim como a Mostra Aurora, é uma das cerejas do bolo da programação, pois possibilita importante canal de troca e de reflexão sobre os filmes recém-vistos, e, portanto, ainda na esfera da decodificação.
Se Depois da chuva, dirigido por Marília e Cláudio Marques, é filme que cresce na memória, nada melhor do que ver uma cineasta articulada na apresentação de seu filme - Marques não veio a Tiradentes, pois o filme será apresentado no Festival de Rotterdam, na Holanda, e ele já está lá à espera de Hughes e Maia, que sairam de Tiradentes direto para o festival.
Marília Hughes forneceu informações saborosas de produção, como, por exemplo, sobre as bandas que tocam no filme e que não existem mais - Depois da chuva se passa há 30 anos -, e para estarem no filme seus integrantes foram reunidos novamente e unicamente para as filmagens.
Falou também sobre a escolha por locações em Salvador completamente diferentes dos cartões postais que estamos habituados a ver nos filmes que são feitos em solo baiano : "são cartões-postais lindos, mas não tínhamos a intenção de vender a nossa cidade".
Além disso, falou sobre a ausência de negros em boa parte do filme - "é colégio particular de classe média (um dos principais cenários do filme) e os negros estão mesmo ausentes deles".
Falou ainda da opção pelo figurino discreto: "o filme se passa na década de 1980, época nem tão distante, mas me incomoda muito filmes de época em que o figurino berra, quando isso acontece me sinto num brechó".
A programação de longas da noite reservou quatro longas: Riocorrente (2013), de Paulo Sacramento; Passarinho lá de Nova Iorque (2013), de Murilo Salles; Olho nu (2013), de Joel Pizzini; e Amor plástico e barulho (2013), de Renata Pinheiro.
O Mulheres acompanhou dois - Olho nu, sobre Ney Matogrosso, já tinha sido visto, e não é filme urgente para uma revisitação.
Riocorrente é o primeiro longa de ficção de Paulo Sacramento, e ainda que transite em singular corredor estético, está forte lá o documentarista, como também o montador.
Quatro personagens interpretados por Lee Taylor, Simone Iliescu, Roberto Audio e Vinícius dos Anjos transitam pelo espaço urbano e procuram, cada qual com chaves distintas, não serem engolidos pelo quinto personagem, a cidade de São Paulo, personificada não só por concreto e sinais vermelhos, como também pelo majestoso e apodrecido Tietê.
Todos estão em crise - aliás, crise é o estado de ordem de todos os filmes assistidos pelo Mulheres até agora na Mostra; impressão também compartilhada por uma amiga. E o pior: parece realmente não haver saída.
Se um tenta o trabalho legalizado, mas o fracasso o empurra de volta para a contravenção; o outro se debate entre a arte e a indústria, tentando, pelo menos em ambiente doméstico, fugir da globalização, mesmo que teclar na velha máquina Olivetti por sí só não lhe garanta o escape.
Se o garoto perambula descalço pelas ruas arranhando carros com o canivete e com o dente bambeando na transição criança/jovem, mas sem possibilidades de futuro como o leão enjaulado; a outra tenta, via rodízio sexual de parceiros, um aplacamento de um vazio incomensurável e tão grande que nem mesmo o maior dos orgasmos possa redimir tal estado.
Toda essa ética é permeada por uma estética poderosa, o que resulta em cinema puro em vários momentos, como, por exemplo, na amostragem de dentes entre garoto e leão, na acachapante metaforização explosiva do Tietê, ou no uso impactante do som.
O estado de crise está também no cerne de Amor, plástico e barulho, belo primeiro longa de ficção da cineasta e diretora de arte Renata Pinheiro.
O filme coloca lado a lado duas mulheres que habitam o universo dos shows de música brega, uma jovem veterana cantora e uma jovem iniciante dançarina - magnificamente interpretadas por Maeve Jinkings e Nash Laila, respectivamente Melhor Atriz e Melhor Atriz Coadjuvante no Festival de Brasília 2013.
E também mira sua lente para o mesmo buraco voraz que parece querer engolir tudo e nos fazer desaparecer - o mesmo pânico vivenciado pelos personagens de Riocorrente.
Se no primeiro é a cidade e seus desvãos, aqui é também a cidade, mas ainda a indústria cultural e a sociedade patriarcal.
O abismo raramente esteve tão escancarado como nos closes de Maeve Jinkings, um rosto trágico que continua nos encarando mesmo depois do apagar das luzes.
E que fica mais potente ainda pela avizinhação desse mesmo abismo que sabemos por chegar no rosto de Nash Laila, que ainda se dispersa por todo o corpo pelo ímpeto juvenil da aspirante à estrela.
Amor, plástico e barulho tem camadas interessantíssimas e caminhos a ser seguidos, mas é, sobretudo, um filme de atrizes, que depende do cóccix até o pescoço de grande atrizes.
E que bom que Maeve a Nash estão lá. Estão estupendas.
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17ª MOSTRA DE CINEMA DE TIRADENTES
24 de janeiro a 1º de fevereiro de 2014
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