Cena de O bagre africano de Ataléia, 2014, Aline X e Gustavo Jardim
O seminário Encontro com a Crítica, Diretor e Público de terça, 28, da 17ª Mostra de Cinema de Tiradentes, sobre A vizinhança do tigre, foi encontro aguardado, pois o filme é daqueles que a gente gosta quando está assistindo, quando fala sobre ele depois, e também quando o remora sozinho.
Seu diretor, Affonso Ucchoa, apresenta "performance" curiosa: parece não estar muito interessado no que se diz sobre o filme, ou pelo menos quase nunca concorda. Suas respostas, invariavelmente, vinham com um "acho que não entendi bem sua pergunta", e, quase sempre, eram "confrontos" que demoliam muito do que os outros diziam. Como se só sua leitura fosse a possível.
Poderia ser mais um exemplo daqueles cineastas que trafegam entre a arrogância e o tédio, mas felizmente é um realizador que tem o que dizer. Já se é possível ver isso na tela no notável filme que fez, e também no muito do que disse durante o Seminário. É interessante ouvir o que ele diz e suas reflexões - ainda que pareça que se esforce em não querer ser agradável.
Um dos pontos altos de A vizinhança do tigre, como já foi dito no texto de ontem, é o jogo cênico entre os jovens atores/não atores e as divertidas performances improvisadas. O curioso foi saber que muitas daquelas cenas todas foram repetidas exaustivamente - "tem cenas que foram feitos 97 takes", explicou Uchoa.
Curioso saber também o efeito que o filme causou não só nos atores, mas também no diretor, pois como foi filmado em 2009, alguns dos atores que eram adolescentes quando das filmagens, estão hoje na maioridade. E pelo fato deles, atores e diretor, terem se tornado amigos de bairro, de sair juntos - "nossas mães se falam, algo que não tinha antes".
Segunda Uchoa, ele queria, antes de tudo, não dar espaço para a estereotipia na sua visão sobre jovens pobres da periferia - espaço geográfico seu, inclusive -, e que ficou muito contente com o resultado do filme nesse sentido. Para ele, cada um daqueles personagens, ou tantos outros que estão fora da tela - ou até mesmo nela, a partir dos retratos posados - é vida potente.
Assistindo ao A vizinhança do tigre fica mesmo difícil não concordar com isso.
Paixão e virtude, de Ricardo Miranda, foi o filme exibido durante à tarde na Mostra Sui Generis.
Assistindo pouco depois sua fala na TV Mostra, Miranda ressaltou a Mostra de Tiradentes como espaço que privilegia o Cinema - o cinema como arte. E vendo seus filmes é inegável não pensar que é o que ele realmente procura, ou seja, cinema como expressão particular e não como resultado de bula - ainda que possa ou não alcançar o que persegue.
Paixão e virtude é um olhar sobre conto de Gustave Flaubert, que, inclusive, está em cena como narrador na pele personalíssima de Helena Ignez.
O filme privilegia, em igual tamanho, tanto a imagem quanto a palavra. Em função disso, é quase como se os atores fossem, em suas interpretações, vulcões que vivenciam a grande jornada de sentimentos, emoções e esgares ante de tudo por dentro, minutos antes da erupção.
Ou seja, o drama está lá, mas não necessariamente em uma dramaturgia que espelhe isso de forma cartesiana, o que emula uma certa letargia que possa desestimular e que põe nas mãos do espectador a decisão de acompanhar, entrar ou abandonar aquela história e aqueles personagens - os protagonistas são Paulo Azevedo e Rose Abdallah, como um casal de amantes.
A segunda noite da Mostra Aurora apresentou mais um filme interessante e outra produção mineira: O bagre africano de Ataléia, de Aline X e Gustavo Jardim.
Classificado como documentário, assim como A vizinhança do Tigre, O bagre africano de Ataléia é mais um exemplar a por de ponta a cabeça a velha classificação desse gênero. São inúmeros os filmes realizado pelo cinema brasileiro contemporâneo que ainda são apresentados como documentários, mas que, na verdade, não se enquadram completamente nesse formato.
Ok, a base documental está lá? Está! Mas não é porque são não-atores reencenando, ou não, suas vidas que façam com esses filmes sejam vistos/absorvidos assim. É redutor demais.
O bagre africano de Ataléia é sobre a caça ao terrível e gigantesco peixe predador que está inviabilizando aos moradores viverem da pesca, já que ele devora os outros peixes.
E mais, diz-se que ele também perambula devorando outros animais como cachorros e gado, todos sendo transformados em caça pelo peixe-monstro.
E é aí, ao situar sua narrativa entre a caça de um peixe e ao mesmo tempo de um monstro, e de transitar pelo real e pelo encantado, que O bagre africano de Ataléia mostra sua força.
O filme dialoga com o cinema de gênero, sobretudo o de horror, em forma de encaminhamento sutil, em que todos os elementos estão lá na natureza, que se descortina frente aos nossos olhos de forma majestosa e misteriosa.
Se cada habitante tem uma função na trama, e que serão identificados magistralmente ao final, os bichos que aparecem na história também impressionam: como não se impactar e ficar em desassossego com os olhos fitos do cachorro e dos bois sobre nós? - aliás, essas duas cenas são tão potentes que continuam nos acompanhando/perturbando depois.
Pelo visto nesses dois dias, a Mostra Aurora está muito potente. E bairrismos à parte, é muito bom ver um cinema mineiro tão estimulante.
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17ª MOSTRA DE CINEMA DE TIRADENTES
24 de janeiro a 1º de fevereiro de 2014
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