Ano 20

17ª Mostra Cinema de Tiradentes - Sexto Dia

Malu Ramos em cena de Sandra espera, 2014, Leonardo Amaral
Agenda apertada nos dois dias anteriores da 17ª Mostra de Cinema de Tiradentes: debates, longas, curtas, entrevistas e depoimentos.

Na quarta, 29, foi interessante ouvir a consistência das falas de Gustavo Jardim e Alixe X sobre O bagre africano de Ataléia, filme que não agradou totalmente a muita gente, mas que o Mulheres apreciou - conforme texto de cobertura do filme.

Os quase detratores - porque não os são frontalmente - apontam que tudo aquilo já foi mostrado e que o filme fica sem eira nem beira. O Mulheres, na verdade, não se importa se já foi mostrado ou não, e sim como as coisas se reconfiguram, ainda que para quem não gostou veja isso quase que uma "imitação".

Para muitos, aquilo tudo já foi mostrado por outros, como nos filmes do cineasta tailandês Apichatpong Weerasethakul, mas é interessante ver como o filme flerta com o horror no cinema brasileiro de forma tão sutil - só por identificar os pescadores habituais como caçadores, para mim já um achado da dramaturgia.

À tarde, na Mostra Transições, foi a vez de conferir Rio cigano (2013), de Julia Zakia.

Primeiro longa da cineasta, de cara Rio cigano já se diferencia dos outros filmes da Mostra de Tiradentes - só faz par com os exibidos na praça -, pois é filme narrativo e quase desprovido de experimentações.

Na manhã seguinte, o crítico Luiz Carlos Merten, do Estadão, observou que ninguém saiu da sala e ficou vidrado na tela -ainda que, para ele, não necessariamente pela total qualidade do filme -, e daí indagou: "será que o público da Mostra está carente de filmes narrativos?"

Rio cigano dá continuidade às pesquisas de Julia Zakia sobre a cultura dos nômades, que apresentou em outros curtas, aqui focalizando famílias de ciganos de Alagoas.

A trama marca o encontro desses ciganos e uma condessa sanguinária, que rouba uma das crianças. A amiga da menina promete reencontrá-la e a partir daí acompanhamos o que acontece no acampamento e na casa grande.

Julia Zakia não consegue desenvolver totalmente o que pretende no resultado na tela, ainda que lance questões interessantes - na cultura popular não são os ciganos que roubam crianças? -, e conte com o talento de Georgette Fadel, atriz importante e premiada do teatro paulista e que faz aqui sua primeira protagonista, em papel duplo como a condessa e uma das ciganas.

A Mostra Aurora, à noite, deu sequência à sua programação apresentando mais um filme mineiro, A mulher que amou o vento, de Ana Moravi - fato inédito na Mostra, já que neste ano quatro dos sete longas inéditos são de Minas. 

Se A vizinhança do tigre apresenta uma potência urgente e O bagre africano de Ataléia uma dramaturgia sutil, A mulher que amou o vento aposta TODAS as suas fichas em registro que elege o tempo da delicadeza - seu maior problema e risco.

Se a natureza em O bagre se apresenta sem muitas intervenções de acessórios, a não ser, claro, por toda a manipulação cinematográfica, A mulher que amou o vento vê uma outra natureza, que parece filtrada pelas artes visuais. Daí que aqui e acolá vemos objetos alocados, como um banco azul ou cataventos multicoloridos, para causar um outro efeito.

Esse recurso está tanto nessa direção de arte como também no quase improvável figurino da moça do título, que passa seus dias invocando e esperando o encontro com o amado  - quando ela nasceu, o vento adentrou-se na casa, e a partir daí a fixação dela por ele se instaurou.

A mulher que amou o vento utiliza ainda um dos recursos mais perigosos do cinema, que é a narração em off. 

Como se pode ouvir no debate, da boca do próprio Merten, crítico convidado, ou de outros, há quem se deixe levar pela fruição do filme. Mas é obra que, talvez em igual medida, cause apatia indesviável em boa parte da plateia.

Já na sessão de curtas, Mostra Foco - Série 3, foram exibidos Brasil (2014 - PR), de Aly Muritiba, E (2014 - SP), de Alexandre Wahrhaftig, Helena Ungaretti e Miguel Antunes Ramos, Sandra espera (2014 - MG), de Leonardo Amaral, Jairboris (2014 - SP), de Lincoln Péricles, e Nascedouro (2014 - PB), de Bernardo Teodorico.

Nesta série, os destaques solitários vão para E e Sandra espera.

E apresenta articulado olhar sobre os centros urbanos a partir da geografia dos estacionamentos.

O curta não só conta as histórias, a partir de relatos, do que havia naqueles locais antes de virarem estacionamento - cinema, casas antigas -, como também mira a câmera para os próprios, revelando modos de vida e de apropriação do espaço urbano desconcertantes.

Como a mulher que diz triunfante "Eu cheguei em um ponto da minha vida em que eu preciso morar bem", e daí vemos seu carro sendo conduzido no elevador até que estaciona dentro do apartamento dela, ao lado do que parece ser a cozinha ou área de serviço.

É imagem poderosa e que nos faz pensar de imediato o quanto a elite econômica pode ser baranga, que é a expressão apropriada, pois brega tem sua sofisticação.

Sandra espera, de Leonardo Amaral, mostra um cineasta em tom crescente e elegante condutor de sua história. Que é a de uma adolescente de um bairro de periferia que transita por ambientes inesperados, como a quadra do colégio, o diálogo incomum com o pai, e por fim a tarefa a ser executada em um encontro.

Além da acertada direção, que evoca o cinema francês - são lindos os créditos iniciais, além da ruidosa trilha nas primeiras cenas - Sandra espera conta em cena com a presença absoluta de Malu Ramos.

Vista também em Quinze, de Maurílio Martins - em que está ótima na dobradinha com Karine Teles- , Malu Ramos é jovem atriz com futuro certeiro no cinema, a menos que o destino não lhe favoreça. É daquelas atrizes essencialmente cinematográficas, anos-luz à distância da platitude de um produto que comumente absorve jovens talentos, como Malhação, da TV Globo.

Malu Ramos precisa ser observada por nossos cineastas, pois é mais uma dessas atrizes, que como já foi dito aqui, o cinema brasileiro não para de revelar.


 
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Serviço:
17ª MOSTRA DE CINEMA DE TIRADENTES
24 de janeiro a 1º de fevereiro de 2014
 Idealização e realização: Universo Produção
Patrocínio Máster: BNDES/Governo Federal, Oi
Patrocínio: CEMIG/Governo de Minas, Petrobras, Sesi/Fiemg
Incentivo: Leis Estadual e Federal de Incentivo a Cultura
Apoio: Oi Futuro, Instituto Universo Cultural, Rede Globo Minas


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Sala 
 Betty Faria
Com amor profundo pelo cinema, premiada em vários festivais no Brasil e no exterior