As fábulas negras/Divulgação
Dia de intensa programação na 18ª Mostra de Cinema de Tiradentes, ontem, sábado.
O Mulheres acompanhou dois debates, fez uma entrevista, agendou outras, colheu dois depoimentos, agendou outros, e acompanhou a “Noite Mojica”.
Um Seminário/Debate abriu a programação do dia, no qual o curador da Mostra de Tiradentes, Cleber Eduardo, e o cineasta Felipe Bragança – mediados pelo crítico Francis Vogner dos Reis - discutiram o tema dessa 18ª edição: “Qual o lugar do cinema?”
Se Cleber defendeu o cinema, “minha fala aqui é contra o audiovisual”, Bragança atacou os cineastas, “o que significa ser cineasta? É participar de um clube?”.
Cleber diz não pretender uma defesa do passado e reconhece as diferentes possibilidades do audiovisual, só não acredita que ele seja uma coisa só, seja na produção, no escoamento e na fruição de imagens: “É muito diferente produzir para as diferentes mídias, cinema, televisão, internet, celular. Como a fruição a partir desses mecanismos também é diferente. O que não dá é que, por o audiovisual abarcar tudo isso hoje, os realizadores e o público acharem que é a mesma coisa. Não é.”.
Vogner, na sua apresentação de abertura do debate, já havia pontuado essa homogeneização na produção de imagens no que chamamos hoje de audiovisual, chamando a atenção para as diferentes “caligrafias” de cada realização/realizador.
Para Cleber, no cinema, naquela velha caixa preta, o público está em frente a uma tela grande, no escuro e no silêncio. “Ainda que cada vez menos no escuro por causa das luzes dos celulares, ainda que cada vez menos no silêncio, pois as pessoas conversam cada vez mais”. E assinala “No cinema, as pessoas têm que se submeter ao tempo, tempo que é do filme, não é delas, elas não têm o controle sobre isso. Ainda que, lógico, elas não estejam presas, podem sair e ir embora. Só que, com a cultura da televisão, ninguém quer mais se submeter ao tempo do outro, todos querem controlar seu próprio tempo, a tônica hoje é a da interatividade. Penso que ir ao cinema é um gesto de gentileza, de olhar para o outro”.
E é em função disso que, segundo ele, a Mostra de Tiradentes, que na maioria das vezes apresenta temas muito específicos, como “O Cinema da Juventude” e “Os Processos do Ator”, dessa vez, apresenta para discussão um tema mais dos fundamentos do próprio cinema. Para quê se faz cinema hoje? Qual a função de um festival como a Mostra de Tiradentes? Ou seja, “Qual o lugar do cinema?".
Já segundo Felipe Bragança, para ele não interessa muito as questões do cinema como caixa preta, e sim como os cineastas estão lidando com esse novo panorama de hoje. “Os cineastas hoje são muito bundões”. Ele não vê muito interesse no cinema de resistência, acha complicado o chamado cinema da afetividade, em que cada cineasta está mais interessado na sua caligrafia e espera que o público responda a isso. “Os grandes cinemas sempre foram o cinema do ataque, que olha para o mundo”. Hoje os cineastas se portam como se fizessem parte de um grupo, ficam satisfeitos de que seus filmes passem nos festivais, e está tudo bem. “Mas o que é ser cineasta? Isso quer dizer alguma coisa?"
O segundo Seminário/Debate do dia mirou sua lente para a trajetória de Dira Paes, a homenageada da 18ª Mostra, em mesa formada pela atriz e pelos dois cineastas que a dirigiram, Rosemberg Cariry em “Corisco e Dadá” (1996) e Guilherme Coelho em “Órfãos do Eldorado” (2015), com mediação do crítico e curador Pedro Maciel Guimarães.
Pedro Maciel colocou em discussão a questão da “tipagem”, como Dira se relaciona com isso em sua carreira, já que tem traços muito específicos – morena, indígena – e como ela conseguiu se livrar desse condicionamento visto em tantos grandes atores, como José Dumont e Marcélia Cartaxo, por exemplo, que quando vão, principalmente para a televisão, acabam identificados apenas com estereótipos, como o nordestino, a empregada, o porteiro.
Dira Paes disse que começou a carreira com 15 anos, e que daí sua maturidade veio com o tempo. O que diferenciou, quando ela saiu de Belém para ir para o Rio, logo depois de “A floresta das esmeraldas” (1995, John Boorman), é que percebeu que não havia atrizes com o seu tipo, a não ser em alguns casos mais específicos como (Edna de Cássia) em “Iracema – uma transamazônica” (1975): “Eu sempre insisti no meu tipo amazônico”. E acrescentou “Eu não me importo com estereótipos, o que me interessa são bons papéis”. E acrescentou: “Eu recusei alguns trabalhos porque já podia viver do meu trabalho de cinema, ainda que tinha que transformar o que ganhava por dois filmes no ano em 12 meses de sobrevivência”.
Dira, que fez grande sucesso popular na Globo como Solineuza em “A diarista”, emendou: “Toda grande atriz já fez uma empregada ou uma prostituta, porque são personagens ótimos”. Disse que é claro que existem as limitações dos traços, mas que aprisionar um ator em tipos é cruel.
Noite Mojica
O sábado foi marcado pela exibição de vários longas e curtas, mas a grande expectativa, pelo menos para uma parte do público, era a exibição de “As fábulas negras” (2015), longa em episódios dirigidos por cineastas que vem revigorando o gênero horror, Rodrigo Aragão, Petter Baiestorf e Joel Caetano, ao lado do mestre de todos eles, o eterno José Mojica Marins.
Uma nova produção de Mojica, que com seu Zé do Caixão inaugurou o cinema de horror brasileiro, é mesmo motivo de comemoração. E a 18ª Mostra de Cinema de Tiradentes não sou programou o filme como abriu a programação do Bar-Lounge – espaço para apresentações musicais e performances – com o coletivo #eufaçoamostra com a ação “Repórteres Zumbis”, com um vídeo sobre Mojica e uma discotecagem de horror.
“As fábulas negras” é dividido em cinco episódios: “O monstro do esgoto”, de Rodrigo Aragão, “O pampa feroz”, de Peter Baiestorf, “A loira do banheiro”, de Joel Caetano, “O saci”, de José Mojica Marins, e “A casa de Iara”, de Rodrigo Aragão.
Aragão, que apresentou o filme ao lado de Baiestorf e Caetano, disse que “As fábulas negras” é resultado de um sonho antigo: reunir personagens do folclore brasileiro em um filme de horror.
Produção do Espírito Santo bancada sem dinheiro público, em “As fábulas negras”, personagens do imaginário brasileiro, como o Saci e a Iara são recrutados para assustar, ou divertir, as plateias - outros universais, como o lobisomem, também entram na dança.
No filme, uma turma de garotos conta histórias de terror uns para os outros enquanto brincam e percorrem uma mata. Daí, essas histórias ganham forma na tela, enquanto em cada um cresce a desconfiança de que aquelas histórias seriam reais ou não.
O velho clichê de que um filme em episódios que reúne realizadores diferentes é sempre desigual mais uma vez se confirma - ainda que aqui a unidade não se perca. “As fábulas negras” é um filme de horror gore, daí tripas expostas, olhos arrancados pela unha, sangue jorrando para todo lado e cabeças esmagadas dominam a tela.
Quem se sai melhor são Peter Baiestorf com “O pampa feroz”, e Joel Caetano com “A loira do banheiro”.
Em “O pampa feroz” o monstro da vez é o lobisomem, e Baiestorf demonstra segurança na condução da narrativa e na direção de atores – Ana Carolina Braga é um achado -, bridando o público com uma história que mantém o interesse sempre. Já Joel Caetano, com “A loira do banheiro”, ainda que não se afaste do gore em nenhum momento, aposta em recursos do horror tradicional como o susto e o jogo das aparições.
“O saci”, de José Mojica Marins, como o próprio nome indica, traz o personagem folclórico das matas brasileiras em registro bem diferente como que se vê em produções como “O sítio do picapau amarelo”. Já em “O monstro do esgoto” e em “A casa de Iara”, Aragão aposta, principalmente no primeiro, no gore com humor.
Informações sobre a 18a Mostra de Cinema de Tiradentes
www.mostratiradentes.com.br