Cena de A misteriosa morte de Pérola, 2014, Guto Parente
Dentre os recortes da programação da Mostra do Filme Livre 2015, em Belo Horizonte, está o Longas Livres, que a curadoria destaca como os melhores filmes independentes de 2015.
Formado por 12 longas, as produções traçam um breve, mas expressivo, panorama do que se está fazendo no cinema independente no país, pois são títulos que vem de diferentes regiões: Minas Gerais, Rio Grande do Sul, São Paulo, Ceará, Pernambuco, Paraíba e Rio de Janeiro.
A abertura do Longas Livre foi na quarta-feira, 3, com a exibição de A mulher que amou o vento, produção mineira dirigida por Ana Moravi.
Curiosamente, o que nem deve ter sido a intenção da curadoria, esse filme já sinaliza o papel de destaque que a mulher vai ocupar na seleção desse programa.
Esse destaque dá-se tanto na direção, com filmes assinados por elas ou em parceria - A mulher que amou o vento, de Ana Moravi (MG), Rio cigano, de Julia Zakia (SP), e A vida privada dos hipopótamos, de Maíra Bühler e Matias Mariani (SP); e em filmes em que elas estão no centro da cena – Yorimatã, de Rafael Saar (RJ), A misteriosa morte de Pérola, de Guto Parente (CE), Jardim Atlântico, de Jura Capela (PE), e Ela volta na quinta, de André Novais de Oliveira (MG).
Exibido no ano passado na Mostra Aurora, em Tiradentes, A mulher que amou o vento, que abriu o programa na quarta, aposta todas as suas fichas em registro que elege o tempo da delicadeza em estética marcada pelas artes visuais. Essa escolha é seu maior risco, o que não deixa de ser um atrativo, mas, por vezes, o tom etéreo demais pode impedir um mergulho mais visceral – além do uso da narração em off. Na trama, uma moça passa seus dias invocando e esperando o encontro com o amado - quando ela nasceu, o vento adentrou-se na casa, e a partir daí a fixação dela por ele se instaurou
Hoje, sexta, 5, o programa Filmes Livres exibe no CCBB a produção paulista A vida privada dos hipopótamos, de Maíra Bühler e Matias Mariani. No filme ficamos sabendo que a intenção da dupla de diretores era focalizar estrangeiros presos no Brasil, mas que ao conhecerem o americano Christopher Kirk miraram seu foco todo nele. A partir daí o técnico de informática conta sua história, amigos americanos falam sobre ele, mas o motivo pelo qual está preso não é mencionado durante boa parte da narrativa. O centro dela, aliás, é a misteriosa “V”, uma nipo-colombiana de beleza exótica, pela qual Kirk torna-se obcecado.
Em A vida privada dos hipopótamos, os cineastas utilizam na estética elementos do universo de seu personagem: a linguagem dos computadores. Daí, a narrativa é permeada por ferramentas e aparatos como e-mails, fotos digitais, messenger, bate-papos virtuais. Kirk é um contador de histórias vaidoso de sua aptidão, e seu relato centralizador sobre “V”, que conheceu em viagem à Colômbia e teria colocado sua vida de ponta a cabeça – “eu queria aventura e encontrei” -, parece, no entanto, escamotear quem verdadeiramente ele é.
Maíra Bühler e Matias Mariani entram no jogo de seu personagem: procura pelos amigos nos Estados Unidos, tanto para decifrá-lo como também em busca de suas considerações sobre “V”. Mais que isso, os cineastas constroem seu filme a partir desse jogo, aparentemente a busca de uma elucidação sobre seu personagem e sua história, mas que, ao mesmo tempo, não deixa de manipular o próprio espectador pela escolha da condução da narrativa.
Durante boa parte do filme fica-se seduzido pela narrativa de Kirk, pela vontade de entender quem é verdadeiramente “V” e se foi por causa dela que ele está preso. Mas nem sempre essa sedução se sustenta. Soma-se a isso o sentimento de manipulação, não só do personagem, mas do próprio filme, que quando se instaura deixa um certo gosto de desconforto.
Já amanhã, sábado, 6, o público poderá conferir A misteriosa morte de Pérola, dirigido por Guto Parente. Produção da Alumbramento Filmes, do Ceará, o filme tem a marca do experimentalismo que norteia grande parte dos trabalhos da produtora.
Em A misteriosa morte de Pérola somos apresentados à personagem central a partir de elementos econômicos, mas suficientes para a imersão em seu singular estado de ser e estar. Pérola vive sozinha em um apartamento de um casarão antigo. Todos os dias sai em sua bicicleta para as aulas de francês, mas, em nenhum momento, interage com ninguém. Seu mundo é fechado, tanto em casa como em sala de aula, e quando ela é fragada do lado de fora é sempre em estado de inquietação - quando tem que guardar sua bicicleta no quintal.
A parede da casa é tomada por reproduções de quadros famosos, e Pérola, vez ou outra, ou esta desenhando essas imagens e imergindo nelas, ou está lendo um livro. E, sobretudo, está o tempo inteiro sentido medo e pavor – impossível não se lembrar de Repulsa ao sexo, de Polanski.
A direção constrói belos planos para contar essa história de solidão e devaneio. O clima fantasmagórico realmente assusta em alguns momentos, nunca em busca de grandes sustos, mas de um certo frio na espinha. Já Ticiana Augusto Lima – que também assina a produção, direção de arte (outro ponto alto do filme) e o figurino - está muito bem em cena como Pérola. Realmente compartilhamos e vivenciamos seu estado de solidão e de medo, e, mais que isso, nos transformamos também naquele olho da câmera que tudo vê, registra, e instaura esse estado de coisas.
A Mostra do Filme Livre 2015 tem muitos filmes - curtas, médias e longas - na programação.
Confira toda a programação no site www.mostradofilmelivre.com
Serviço
14ª Mostra do Filme Livre em BH – MFL 2015
Local: CCBB-BH (Teatro II)
Endereço: Praça da Liberdade, 450 – Funcionários – Belo Horizonte – MG
Tel: (31) 3431-9400 | ccbbbbh@bb.com.br
Entrada franca, com distribuição dos ingressos meia hora antes da sessão.
Programação completa: www.mostralivre.com
Funcionamento: de quarta a segunda, das 9h às 21h.
Data: 03 a 22 de junho de 2015
Horários: consultar programação
Ingressos: entrada franca
Classificação: consultar programação por sessão