Ano 20

10ª CineOP - Segundo Dia

Taciana Rei em Limite, 1931, Mário Peixoto
Tanto Milton Gonçalves quanto Antonio Pitanga apontaram o dedo para a responsabilidade dos próprios negros na reivindicação de seu papel como sujeito da história, ainda que os pontos de vista tenham semelhanças e diferenças.

A discussão aconteceu ontem na 10ª CineOP - Mostra de Cinema de Ouro Preto no Seminário "O negro em movimento", que reuniu os dois atores, o cineasta Antonio Carlos da Fontoura e o crítico Inácio Araújo, mediados pelo pesquisador e professor Maúricio R. Gonçalves.

Milton Gonçalves disse que sempre conta quantos negros estão nos lugares em que vai, seja em restaurantes, no próprio prédio em que mora, e mesmo aqui, na CineOP: "quantos negros têm aqui nesse auditório? Levantem as mãos. 15?" 

Gonçalves disse que os negros precisam de parar com chororô, que eles têm que fazer sua história, já que representam, segundo o IBGE, 52% da população. Citou, como exemplo, o número pequeno de atores negros nas novelas da Globo: lá dentro eu reclamo, mas somos poucos. Antigamente quem mandava nos elencos eram os diretores, hoje são os autores e alguns diretores mais importantes. Se somos 52% por que não usamos a nossa força? Se os negros, e mesmo os brancos solidários, encherem a Globo de cartas exigindo nossa presença, essa história muda".

Já Pitanga, que concorda com o papel e o poder do público consumidor, e que, pelos negros serem a maioria têm, portanto, esse poder, vai além: Eu tenho 76 anos e já estou cansado de esperar, meu tempo é hoje e agora. Eu acredito é em políticas públicas para que nosso problema seja resolvido, tem que haver leis. Citou, por exemplo, as leis de incentivo: os filmes são feitos com dinheiro de todos, no entanto, onde está o Brasil nesses filmes? Os projetos são avaliados, então tem que mudar a forma como essa avaliação se dá. Não estou querendo dizer que tem que ser feitos só filmes sobre negros ou por negros, mas temos que estar neles também. O Brasil tem que estar nas telas.

Uma profissional da produção da Globo estava na plateia e, entre outras coisas, disse que a comunidade negra precisa alertar os agentes de elenco, pois raramente eles indicam atores negros, a não ser quando a rubrica é específica e pede ator negro. No que Antonio Pitanga respondeu de forma veemente: não acho que isso seja suficiente, tem que haver política pública, tem que haver lei.

Tanto Milton Gonçalves como Antonio Pitanga falaram sobre passagens de suas vidas e experiências com o racismo. Ambos citaram outros veteranos como parceiros de luta, como Ruth de Souza, Abdias Nascimento, Léa Garcia, Zezé Motta, Zózimo Bulbul, Haroldo Costa. Antonio Pitanga disse que nada mudou no audiovisual, cinema e televisão. Antes era eu, o Milton, a Ruth, a Léa, o Zózimo, hoje é o Lázaro Ramos, a Thais Araújo, a Camila Pitnaga, a Sheron Menezes. Houve só uma troca, nada mudou.

A comparação com os Estados Unidos se fez mais de uma vez, e quando foram levantadas as diferenças e semelhanças entre o racismo lá e aqui, uma participante da plateia disse que não aceita essa história de que lá havia a Ku Klux Klan como agente diferenciador: lá teve a Ku Klux Klan, mas aqui temos a polícia legitimada matando negros todos os dias.

Por vias diferentes, tanto Milton Gonçalves como Antonio Pitanga solicitaram aos negros tomarem as rédeas de suas vidas a partir de posturas reivindicatórias de pressão, seja por ações individuais e coletivas como quer Gonçalves - pressão popular, eleição de políticos negros; seja por ações políticas e públicas, como quer Pitanga - leis e procedimentos.

Para Pitanga, a cultura é que mantém esse país de pé. E que se há uma arma eficaz para matar um povo é a retirada de sua autoestima.


Limite

À noite, no Cine Vila Rica, foi a vez de conferir Limite, de Mário Peixoto, a obra-prima do cinema de vanguarda do Brasil e do mundo.

A cópia exibida é a última restaurada do filme, dessa vez envolvendo parceiros brasileiros e internacionais, com restauração feita na Cinemateca de Bolonha.

O conservador e pesquisador Hernani Heffner, um dos apresentadores da sessão, explicou que Limite é um caso único, pois é o filme mais restaurado da história do cinema brasileiro. Que desde a década de 1960 vem passando por processos de restauração devido à complexidade de suas especificidades técnicas e artísticas.

A apresentação contou com a presença do representante da Cinemateca de Bolonha e diretor do laboratório de restauro Davide Pozzi, que salientou que a grande preocupação dessa nova ação foi com o p&b do filme, para que ele correspondesse ao formato original e não fosse atualizado para os dias de hoje.

Limite continua obra poderosa e vê-la na tela grande é mesmo uma experiência de fruição intensa e que exige muito do espectador.

Essa foi a terceira vez que esse editor assiste ao filme - em uma das vezes, inclusive, sem a trilha sonora. Impossível não se impactar com os planos rigorosos, a direção detalhista e a fotografia que jamais percorre a armadilha ilustrativa, alcançando sempre a dimensão pictórica do estado dos personagens e da construção fílmica da obra.

Limite é filme cujos planos já povoam o imaginário cinematográfico mesmo a partir de suas imagens no papel, reproduzidas em livros e jornais. E ao vê-las na tela, como os personagens à deriva no barco, Olga Breno sentada na proa de costas para a câmera, Taciana Rei com os cabelos desgrenhados olhando para a água, e Raul Schnoor gritando com a mão na boca, vivenciamos a constatação de que aquilo é puro cinema, que estamos no coração do cinema.

Como todo cinema de vanguarda, Limite é filme de exigências. É comum, durante o a exibição de filme, seja aqui na CineOP ou notras ocasiões, ver pessoas deixando a sala. É uma pena, não pelo filme, que é obra-prima inabalável. Mas por essas pessoas, que ao deixarem e darem as costas ao filme perdem a oportunidade de uma experiência única, reveladora e transformadora.


Programa completa da 10ª CineOP - Mostra de Cinema de Ouro Preto
www.cineop.com.br

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Sala 
 Betty Faria
Com amor profundo pelo cinema, premiada em vários festivais no Brasil e no exterior