Homenagem a Andrea Tonacci - Foto Leo Lara
O público lotou o Cine-Tenda ontem à noite para conferir a abertura da 19ª Mostra de Cinema de Tiradentes.
A cerimônia teve como mestre de cerimônia Eduardo Moreira, ator do Grupo Galpão e de filmes como O ano em que meus pais saíram de férias (2006), de Cao Hamburger, e Antes que o mundo acabe (2009), de Ana Luiza Azevedo.
No texto lido por Moreira e no vídeo exibido na tela, foi apresentado, ainda que de forma pontual – e um pouco superficial – a temática desse edição, “Espaços em Conflito”.
O grande momento da noite, como não poderia deixar de ser, foi a subida ao palco do cineasta Andrea Tonacci, o grande homenageado da Mostra – essa edição homenageia também os 10 anos de exibição em Tiradentes de Serras da desordem (2006), a impressionante obra-prima dirigida por esse singular diretor do cinema brasileiro.
Muitas vezes a genialidade vem junto com a arrogância, e,nessas vezes, é mesmo difícil separar a obra do artista – ainda que isso deveria ser uma prática usual, já que a arte realizada por um artista pode ser estupenda, mas o artista, ou melhor dizendo, a pessoa por trás dele, pode não ser tanto assim, ou muito pelo contrário.
Esse não é, definitivamente, o caso de Andrea Tonacci. Sua arte, no caso seu cinema, é das mais inventivas e inquietantes da nossa filmografia. E ele, pelo menos publicamente – o que é um feito dos mais dignos – é de uma simplicidade linda de se ver. É daqueles que quanto mais fodas mais simples, mas de uma simplicidade sofisticada, elegante, de quem é grande no que faz e no que é.
Tonacci disse que ficou surpreso com a homenagem, mas já que foi, que queria agradecer por isso, e que vê a homenagem como um momento de reavaliação, de reflexão sobre o que vem fazendo e sobre as consequência disso.
Subiram também ao palco para a homenagem a Tonacci, sua esposa e parceira de trabalho, a premiada e talentosa a montadora Cristina Amaral, o músico Rui Weber – autor da trilha sonora de Serras da desordem -, e o filho de Tonacci. O troféu Barroco foi entregue por Cleber Eduardo e Pola Ribeiro.
Seminários
Hoje, sábado, 23, a programação da Mostra realizou, de manhã até a hora do almoço, dois seminários.
O primeiro, “Espaços em Conflito – Tradição e Atualização”, com o curador Cleber Eduardo, o cineasta Adirley Queirós, e o crítico Ismail Xavier – com mediação de Francis Vogner dos Reis.
Cleber situou alguns filmes da história do cinema brasileiro, desde a década de 1950 até os dias atuais, na temática discutida nessa edição e que deu nome ao Seminário. E Ismail Xavier complementou a reflexão fazendo, inclusive, uma interessante abordagem sobre a ausência de voz da população em dois grandes sucessos, Cidade de Deus (2002), de Fernando Meirelles e Katia Lund – que protagoniza os traficantes, e Tropa de elite (2007), de José Padilha – que protagoniza o Bope.
Agora o grande momento do Seminário foi mesmo a fala de Adirley Queirós, cineasta da Ceilândia, no Distrito Federal, que vem apresentando filmes urgentes e vigorosos sobre as tensões políticas e sociais como A cidade é uma só (2011) e Branco sai, preto fica (2015).
Articulado, Adirley Queirós fala com propriedade sobre as tensões de seu espaço em conflito, na só a Ceilândia, onde vive e realiza seus filmes,como também a de sua representação em seu cinema. Sem discurso armado ou defensivo, Queirós mira seu objeto, que também é sua vida, com lente se não precisa, sempre com riqueza de desdobramentos para reflexão – e não sem abrir mão do bom-humor, o que torna tudo ainda mais fascinante.
Adirley Queirós é cineasta não só para ser visto a partir dos seus filmes, que até então têm sido acachapantes, mas também para ser ouvido, pois é realizador e artista que realmente tem o que dizer, na tela e fora dela.
Já o Seminário "Os espaços fílmicos do cineasta Andrea Tonacci", também mediado por Francis Vogner do Reis, reuniu o homenageado, Cristina Amaral, Ruy Weber, e o crítico Inácio Araújo.
Nele, Tonacci pode aprofundar sobre a forma como faz e vê o cinema, detalhando, a pedido do mediador, como construiu cenas de Serras da desordem, sem se furtar a comentar sobre outros trabalhos, inclusive, na programação da Mostra, o curta Blá Blá Blá e o longa Bang bang.
Dentre outras questões, disse que tem horror ao roteiro fechados, que chamou de lápide, já que constrói seus filmes a partir de uma atenção total ao que se apresenta no momento da filmagem. Disse que não compartilha desse tipo de roteiro, em que o cineasta já sabe de antemão tudo o que quer, o que, por ser tão fechado, poderia, no seu entender, ser terceirizado, já que aquele tipo de filme já se encerraria ali – o que divertiu a plateia.
A montadora Cristina Amaral, uma das mais talentosas do cinema brasileiro, que é parceira de vários filmes de Tonacci e também casada com ele, falou de sua aventura a cada filme com o realizador.
Cristina disse que descobre a montagem junto com o filme. Que sempre entra como uma página em branco, que a experiência do filme anterior não garante a montagem do próximo, pois Andrea cada vez faz um filme diferente, já que o que lhe interessa é o que ele está vivendo naquele momento, o que está sendo apresentado a ele naquele momento.
Disse ainda que cada vez é sempre um risco, que eles nunca sabem onde irão chegar, mas que pela parceria e confiança um no outro, sempre sabem que chegarão lá, ainda que não saibam de antemão que lugar seja esse.
"Não posso dizer que é trabalho, é vida"
Já Tonacci ressaltou a dificuldade que as pessoas têm para falar sobre os seus filmes, o que acha um privilégio.
“Meu cinema é feito de atenção ao sentimento e à expressão deste” – sintetizou.
************************
19ª Mostra de Cinema de Tiradentes – Programação Completa
www.mostratiradentes.com.br