Fuk Fuk à Brasileira, 1986, J. A. Nunes (Jean Garret)
Avacalhação, anarquia e bizarrice
Com a chegada do videocassete nos anos 1980, vislumbrar aquelas placas de motel que anunciavam o Canal 3 era como que uma promessa de uma Xangrilá devassa para as mentes fertéis e pululantes dos adolescentes. E para quem tinha idade para frequentar esses quadriláteros do amor, uma das funções primeiras ao entrar no quarto era sintonizar logo aquele espaço de orgias quase como função de música ambiente. Isso, claro, muito antes da disseminação dos estimulantes sexuais encontráveis hoje em qualquer banquinha de camelô. Só que esses canais ainda tem suas funções nos motéis - e também dentro das casas - e os filmes pornôs ainda são consumidos mais que do que aparecem em estatísticas. Ainda que ofereçam em alguns casos um pouco mais que genitálias eretas e molhadas - como é em clássicos como O Diabo na Carne de Miss Jones, de Gerard Damiano -, a função primeira desses filmes é mesmo fazer a cama para que os amantes possam por a cabo suas intenções primitivas. Só que esse, parece, não é o caso desse Fuk Fuk à Brasileira, dirigido pelo GRANDE Jean Garret com o pseudônimo de J. A. Nunes. Isso porque como filme pornô ele é altamente brochante. Já como avacalhação e anarquia ele consegue interessar/repulsar com escatologia e a busca do bizarro.
Chubinho é o protagonista, e a imagem de Chaplin na abertura não deve estar ali gratuitamente, pois em nossa tradição antropofágica/autofágica o Siri de Chumbinho tem muito do universo chapliniano. Como se sabe, a criatura Carlitos quase não tinha sexo, mas já seu criador... E o Siri, que se auto-apresenta como anão, preto, pobre, analfabeto e mudo, é como se fosse um Carlitos pintudo, mas que ao contrário da fonte não fala mas se comunica por telepatia. E se não come botinas, renasce literalmente da merda. Na trama - sim, há trama - Siri mora com um casal que adora orgias e faz dele um escravo onisciente e onipresente de suas farras. E toda sexta-feira, ele ganha do chefe da casa um consolo que coloca como bibelôs em seu armário. No dia que o patrão exige sodomizar Siri, ele foge pelo vaso sanitário, sai em um bueiro, e a partir daí repete suas performances de new-escravo do sexo, sem nunca soltar sua caixa de isopor cheia de pintos de plástico. Jean Garret é um dos mais talentosos cineastas brasileiros, e, como muitos outros da Boca do Lixo, fez a transição para o cinema explícito sob pseudônimo. Em Fuk Fuk à Brasileira não há, nem de perto, a elegância desse esteta, que dirigiu filmes fundamentais como A Mulher que Inventou o Amor. O que há é bizarrice e um tantão de anarquia. É como se o grande mestre incorporasse a alcunha do outro grande mestre e também, ao modo possível no gênero, resolvesse também avacalhar. Fuk Fuk à Brasileira é um entre tantos filmes brasileiros inacreditáveis e que estão por aí perdidos ou ao alcance, literalmente, da mão.
quarta-feira, 10 de março de 2010longas brasileiros em 2010 (60)
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