Terceiro filme de Toni Venturi, os outros dois são O velho e Latitude zero, Cabra-cega focaliza o difícil cotidiano dos guerrilheiros que viveram na clandestinidade durante a ditadura militar. Leonardo Medeiros é Thiago, ativista baleado que se refugia em um apartamento; Débora Duboc é Rosa, contato de Thiago com o mundo externo; Michel Bercovitch é Pedro, o dono do apartamento e simpatizante da causa dos guerrilheiros; Jonas Bloch é Matheus, um dos líderes dos guerrilheiros. Os quatro atores estão à frente do elenco, que conta ainda com boa presença do ator Milhem Cortaz e pequenas participações dos outros.
Ao confinar seus personagens em um apartamento, Toni Venturi dá o tom propício para o clima sufocante que a ditadura impôs ao país, e que os clandestinos vivenciaram no dia-a-dia, tentando escapar das garras da polícia. Leonardo Medeiros compõe bem o combativo Thiago, que lutando para não perder a razão entre quatro paredes acaba encontrando o repouso do guerreiro pelas mãos da doce Rosa. Jonas Bloch mostra, como sempre, o grande ator que é e compõe com propriedade o líder Matheus. Já Michel Bercovitch é uma presença estranha. Seu personagem é um quase estranho a tudo aquilo que lhe cerca, mas o estranhamento que se dá em relação a ele não vem tanto do seu personagem, mas da composição que ele dá a ele. O resultado não é nem ruim nem bom, mas estranho.
O grande achado do elenco de Cabra-cega e de todo o filme é Débora Duboc, como Rosa. A atriz faz uma militante humanizada e bem distante dos retratos que o cinema brasileiro faz, comumente, dessas mulheres, quase sempre duras e sem nuances. Débora Duboc faz uma rosa de fala interiorana, gestos doces, mas capaz, como em cena mais adiante, de pegar em armas com propriedade.
Vinda do teatro paulista e com atuações em Através da janela (2000), de Tata Amaral, e Memórias póstumas (2001), de André Klotzel, Débora Duboc repete em Cabra-cega a bem- sucedida parceria com Toni Venturi iniciada em Latitude zero (2000). Novamente, ela é a protagonista, sendo que dessa vez com uma interpretação totalmente diversa da Lena de Latitude zero. Se no primeiro filme, a atriz faz uma interpretação quase furiosa, em que tem que lutar para dar espaço para sua doçura, em Cabra-cega ela faz o oposto e acerta mais uma vez, uma personagem doce, mas que terá que pegar em armas. Como Rosa, Débora Duboc demonstra que é mesmo uma grata surpresa do cinema nacional dos anos 2000. E cheia de talento.
Cabra-cega recebeu cinco candangos no Festival de Brasília: : Melhor Filme - Júri Popular, Diretor, Ator (Leonardo Medeiros), Roteiro e Direção de Arte. Na trilha sonora, Fernanda Porto dá sua visão bastante particular para alguns clássicos da MPB como Saveiros e Roda viva – nessa última fazendo dueto com o autor, Chico Buarque. Na trilha, tem também a magistral Ná Ozzetti com Teletema. A ficha técnica conta ainda com a presença de Cláudia Minari, no desenho de produção.
Cabra-cega
Brasil, 2005, 1h47. Direção Toni Venturi