Christiane Antuña
Belíssima, Christiane Antuña é jornalista de primeira qualidade na área cultural em Belo Horizonte. Como atriz, tem atuado em importantes montagens do grupo Encena, um dos melhores de Minas Gerais. Com passagens pela televisão, tanto como atriz em O dono do mundo, de Gilberto Braga, quanto como apresentadora de programas essenciais na Rede Minas (TV Educativa), Christiane Antuña vem construindo, aos poucos, sua carreira cinematográfica.
Depois de pequenas participações em Menino maluquinho, de Helvécio Ratton, e em Samba canção, de Rafael Conde, dois premiados cineastas mineiros, Christiane Antuña está em Vinho de rosas, longa de estreia de Elza Cataldo. No filme, ela interpreta Bárbara Heliodora, uma das personagens principais.
Durante a “8ª Mostra de Cinema de Tiradentes”, Christiane Antuña esteve no evento desempenhando as duas funções, a de atriz e a de jornalista, como vem fazendo durante sua trajetória, desde o final dos anos 1980. Como jornalista estava fazendo a cobertura da Mostra para a Rádio Alvorada, veículo de prestígio em Belo Horizonte. Como atriz, estava na delegação de lançamento de Vinho de rosas, filme que abriu a mostra, sendo mostrado pela primeira vez para o público.
Em afetiva e deliciosa conversa com o Mulheres, Christiane Antunã falou sobre o começo da carreira, seus trabalhos no jornalismo cultural e como atriz. Fala sobre o Agenda, o mais importante programa de cultura da televisão em Minas Gerais, e de outros notáveis trabalhos que participou. Fala também sobre a carreira no teatro, as primeira peças e os trabalhos com o Encena, a passagem pela Globo e a dificuldade de fazer cinema em Belo Horizonte. Homenageia também artistas contemporâneos e atrizes de preferência.
Mulheres do Cinema Brasileiro: Em Belo Horizonte você tem uma interferência importante como jornalista, tanto em trabalhos na televisão quanto no rádio, e sempre voltados para a cultura. O que veio primeiro, a carreira de jornalista ou a de atriz?
Christiane Antuña: A carreira de jornalista. Eu fiz jornalismo na PUC e logo quando eu me formei, o Pedro Paulo (Cava, diretor e professor de teatro) estava remontando um musical sobre a Elis Regina. Eu fiz o teste, passei e comecei a ensaiar o musical.
Mulheres: Você se lembra quando foi isso?
Christiane Antuña: Eu me formei em 1987, foi logo a seguir. A gente ensaiou uns dois ou três meses, só que o projeto não foi para a frente.
Mulheres: Qual era o nome do espetáculo?
Christiane Antuña: Elis, como um pássaro em seu ombro. O projeto abortou e eu fiquei arrasada. Daí pintou vaga para o Agenda, de apresentadora para a TV Minas (TV Educativa). Não era nem para o programa, era para apresentadora. Eu fiz o teste, passei, e a partir do meu perfil eles criaram o programa.
Mulheres: Foi assim que surgiu o Agenda?
Christiane Antuña: Foi. É porque eu era uma jovem, recém-formada, e tal, então foi criado o programa a partir disso. No último ano de jornalismo eu fiz o curso do Pedro, que foi um curso famoso em Belo Horizonte nos anos 1980, era um curso de um ano. Mas como o espetáculo não deu certo, eu acabei entrando na TV Minas. Na TV, eu fiquei durante 10 anos e, no começo, eu fiz, paralelamente, algumas peças infantis.
Mulheres: O programa Agenda é ainda hoje, quase vinte anos depois, um oásis de inteligência na cobertura jornalística cultural pela televisão. Como foi esses primeiros tempos do Agenda, esse programa tão importante, não só para o público, como também para os artistas?
Christiane Antuña: Eu tenho um orgulho tão grande do Agenda, porque eu acho que é isso mesmo, até então não tinha nada. A gente sabe que as emissoras locais nunca deram espaço para cultura na televisão, nem há 20 anos e tampouco hoje. O que eu fico triste é que eu acho que o Agenda mudou muito pouco de lá para cá. Eu acho que a gente fez um formato. Na época, era uma equipe tão bacana que hoje são pessoas que estão aí, trabalhando na área de cinema e vídeo. Quem trabalhava com a gente era o Rogério Veloso, Rafael Conde, Chico de Paula, Guga Barros, Lucas Bambozzi - que fazia câmera, Ana Flávia Dias Salles, Kiko Molica, Rodrigo Mineli.
Mulheres: Sílvia Godinho, também.
Christiane Antuña: Sílvia também. Nossa, se formos enumerar quem já passou pelo Agenda, atrizes que já passaram, a Cinara Bruno já apresentou. Bete Miranda, que hoje dá aula de cinema, Fernando Rocha, Rodolfo Vaz. Então foi uma efervescência grande, de pessoas interessantes. E era isso, até então Belo Horizonte não tinha um programa de cultura bacana. O meu pesar é que depois desse tempo todo eu acho que o programa poderia ter evoluído mais. É claro que hoje, na cidade, a produção artística é muito maior. Mas eu sinto que, infelizmente, o jornalismo cultural está pior do que era. A Rede Minas mantém o programa Agenda, o que é muito importante, porque ele resistiu a vários governos que tentaram tirar o programa, tentaram vincular a cultura ao jornalismo, tipo a cultura pode entrar no finalzinho do jornal. O Agenda resistiu, mas eu acho que o Agenda não evoluiu. Ele poderia ter criado uma nova forma de apresentar, ele estagnou, ele não regrediu, estagnou.
Eu me lembro que na época era um programa longo, vinte minutos ou meia-hora, com uma equipe tão reduzida e a gente fazia tanta coisa. Acho que houve um regressão disso, dos profissionais de cultura, do interesse dos empresários, dos donos das emissoras. Há pouco tempo teve uma mostra importantíssima, o “Redemoinho”, no Galpão Cine-Horto. Lá estava reunida a classe teatral dos grupos, semelhantes ao Galpão, que faz esse trabalho com a comunidade, além de montar um espetáculo, fazem cursos, oficinas etc. E conversando com o Chico Pelúcio (Integrante do Grupo Galpão e atual Diretor da Fundação Clóvis Salgado)), ele ficou horrorizado porque, praticamente, ninguém da imprensa foi cobrir. Teve o pessoal da Folha (de São Paulo), do JB (do Rio), mas de Belo Horizonte não tinha ninguém. Que jornalismo cultural é esse? É acomodação, é falta de interesse, é uma tristeza.
Mulheres: Você ficou no Agenda quantos anos? Você trabalhou no Programa de Música também, não é?
Christiane Antuña: O Agenda eu fiz durante uns cinco anos, depois eu apresentei os jornais também, o da hora do almoço e o da noite, e por fim apresentei o Programa de Música. Era uma revista musical, diferente também porque não era só clips. A direção era do Kiko (Ferreira, marido de Antuña), que é crítico de música. Eu fiquei muito tempo também nesse programa, que foi outro marco bacana porque várias bandas que estavam surgindo apareceram por lá. O Skank, as primeiras entrevistas do Skank, o Pato Fu, essa geração toda que está aí. Então nessa história musical, fazendo o Agenda e o Programa de Música, eu acompanhei a evolução cultural da cidade. Do Galpão, por exemplo, começando os espetáculos de rua, essa trajetória é muito bacana mesmo.
Mulheres: Antes de entrarmos na carreira da atriz, eu quero que você continue falando um pouco mais sobre o jornalismo cultural em Belo Horizonte. Depois disso você vai para o rádio, não é isso?
Christiane Antuña: É, eu fiquei na Rede Minas, e na época eu já namorava o Kiko, ele já trabalhava com rádio, que é a sua paixão. E ele vivia me dizendo para eu entrar para o rádio, que eu ia gostar. Aí eu levei um projeto para a Rádio Alvorada. O Claudinê Albertini fez nos áureos tempos da Rádio Inconfidência, que era ter programas culturais na programação, e depois também em sua rádio, a 107 FM . Não com aquele jornalismo de roteiro cultural, que o redator escreve e o locutor lê, sem ter propriedade, sem entender nada. Ali era diferente, o próprio cara que redige, entrevista e apresenta. Eu então levei essa proposta para a Rádio Alvorada. Eu me lembro que eu fiz um piloto com o Kiko, eu inventei que ele estava lançando alguma coisa, e levei.
Mulheres: Quando foi isso?
Christiane Antuña: Em 1990. Eu trabalhei na Rádio Alvorada de 90 a 97 e depois voltei em 2000 e estou até hoje. Na época, o que eu fiz, de certa forma, foi levar o Agenda, que já fazia, para o rádio. Eu acho legal porque a gente inaugurou na Alvorada o roteiro cultural personificado.
Mulheres: E que depois deu cria?
Christiane Antuña: É, mas o Claudinê já fazia, a Yara Novaes já fazia um programa. O Claudinê é um cara antenado, então ele já tinha essa coisa de colocar as pessoas de cultura falando de cultura. O Kiko já fazia isso também. Mas eu acho que com a Alvorada foi muito legal, porque era uma rádio muito ouvida pelos formadores de opinião. Eu acho que depois do roteiro cultural da Alvorada surgiram o roteiro da Geraes, que também foi com uma pessoa especializada, o da Guarani. Uma grande parte das rádios começou a se interessar em fazer programas de cultura. Isso também me deixa muito feliz, do Roteiro Cultural ter despertado, ter tido essa receptividade boa dos artistas. Porque, na verdade, eu nem comecei a procurar ninguém, todo mundo ligava para fazer. E tinha a recepção da rua, das pessoas escutarem, foi muito bom, uma fase muito boa.
Mulheres: Você passou também pela TV Futura.
Christiane Antuña: Foi, entre 1998 e 2000. Foi um período de problema nas rádios, muita gente sendo mandada embora, foi aquele declínio total, o jornalismo praticamente acabou e o roteiro voltou a ser feito por estagiários. Eu fiquei desempregada, e aí eu voltei a fazer teatro. Eu já trabalhava com vídeo também, eu trabalhei muito como apresentadora de vídeo, fiz muito institucionais, muitos programas não exibidos, programas educativos. Eu trabalhei muito para o SSV, Sistema Salesiano de Vídeo. Teve uma época em que eu fiz muito comercial, eu fui a garota propaganda da loja SuperMóveis durante três anos. A publicidade mineira não é essa publicidade que tem repercussão nacional. Mas era onde eu podia matar saudades do meu lado de atriz, e que me dava retorno financeiro. E fiquei um bom tempo fazendo isso.
Antes da TV Futura eu passei pela Bandeirantes, de 92 para 93, apresentando telejornal. Na Globo eu apresentei o Festival canta Minas em 1998. Na TV Futura não era cultura, eu fiz dois programas, uma revista de saúde, o Viva legal, em que eu era a repórter e o ator Gustavo Werneck o apresentador. E fazia a locução de uma revista literária, o Tirando de letra, que a Fernanda Ribeiro, que hoje é apresentadora do Agenda, apresentava junto com o ator e cantor Bernardo Santana. Foi uma experiência legal também, mas aí era uma coisa mais jornalística, não era a minha área e eu sofri muito no início. E eu ficava me perguntando o que estava fazendo ali, na área de saúde, entrevistando médico. Mas é aquela coisa, eu estava desempregada e tinha que trabalhar, e televisão é um veículo que eu gosto muito. Eu gosto de televisão, adoro estúdio, microfone, de estar na rua. Não é a coisa da reportagem não, é mais a linguagem do veículo, de você estar falando para uma câmera. Eu adoro, eu tenho frustração, eu acho que eu adoraria fazer novela.
Mulheres: E eu quero falar sobre isso com você. Mas voltando lá, depois da experiência frustrada com o espetáculo sobre a Elis, você disse que fez uns espetáculos infantis. Foi aí o seu primeiro trabalho como atriz?
Christiane Antuña: Não, o meu primeiro trabalho de atriz foi o espetáculo de fim de ano da oficina do Pedro Paulo, que foi a Valsa nº 6, do Nelson Rodrigues, que eu adorei. Foi uma montagem dirigida pelo Ronaldo Boschi. A Valsa nº 6 é um monólogo, mas era uma turma que dividia a personagem nessa montagem. E eu me lembro que as pessoas gostaram. Foi a minha primeira experiência - (na verdade, a estreia nos palcos foi em 1986 em Os sete contra Tebas, tragédia de Ésquilo, com tradução, adaptação e direção de Joaquim Costa). Eu me lembro também que alguns espetáculos eram feitos no próprio tablado da oficina e outros para o palco, no teatro. E eu não sei porque o Pedro disse que a gente ia fazer na sala. Eu fiquei indignada, pois queria me apresentar no palco. Eu me lembro bem disso, daquela minha vontade de ter essa experiência no palco.
Depois desse espetáculo eu fiz alguns infantis, eu fiz Os saltimbancos e A bruxinha que era boa, ambas do Ronaldo. Depois, mais para a frente, eu fiz Gasparzinho. Nesse meio tempo rolou o Bella ciao (1988), com o Pedro Paulo. Foi um sucesso muito grande, eu contracenei com o Mário César Camargo, que é um ator muito legal, foi uma ótima experiência, que é a do teatro coletivo. Foi o meu primeiro trabalho no teatro adulto que deu certo, com o teatro lotado. Apresentamos no Palácio das Artes, com cambista na porta, coisa que não se via há muito tempo com teatro mineiro. Eu me lembro que eu perdi a voz, fiquei emocionada, não saía voz nenhuma. Eu me lembro da Meire Armendani na coxia me ajudando, o Palácio lotado e o Pedro Paulo histérico.
Depois do Bella ciao eu fiquei um tempo sem fazer teatro. A publicidade me roubou, porque me dava a grana que eu precisava e eu exercitava esse lado de atriz. Eu fiz muito comercial para Salvador, Vitória, Brasília. Eu vivia mais de publicidade e de institucional. Aí eu me acomodei. No entanto, o primeiro impacto que eu tive como espectadora de teatro foi assistindo a Lira dos vinte anos, do Wilsinho (Wilson Oliveira). Eu assistia a Laura Arantes, a Cinara Bruno, a Yara Novaes, o Gustavo (Werneck), o Paulão, que já morreu, aos espetáculos do Eid (Ribeiro, diretor) e ficava pensando “ai que coisa boa, eu queria fazer, como é que eu vou entrar?”. E eu achava difícil também, já que eu era mais identificada como a menina da televisão. Eu me lembro do Affonso Drumond, que é um diretor que hoje está no Rio, dizendo que eu era mais atriz de televisão, e me dizia para eu ir para o Rio. Porque, na verdade, eu fazia mais televisão que as atrizes daqui, elas faziam teatro e eu televisão. Aí depois vem a Maria Carmen Barbosa, que foi a experiência da Globo, e que foi legal.
Mulheres: Nesse período que você ficou fora do teatro foi a época em que você fez participação em novelas na Globo?
Christiane Antuña: Sim. A Carmen Maria Barbosa, que era a olheira da Globo, como até hoje tem, veio a Belo Horizonte e fez um teste com atores. Na época foi escolhida a Patrícia Novaes, que foi direto, eles se apaixonaram e ela foi fazer a oficina. E escolheram o Jorge Emil e eu, e nos pediram para fazermos um teste no Rio. Eu vi que eles gostaram, mas eu achei que era um teste para registro, só aquelas coisas. Eu estava na sala da Maria Carmen Barbosa e o Dênis Carvalho ligou à procura de uma atriz para fazer uma participação na novela O dono do mundo, já que a atriz escalada não ia poder fazer. A Maria Carmen tinha gostado de mim e aí respondeu para ele que estava, naquele momento, com uma atriz sentada à sua frente. Isso foi em 1991. É aquelas coisas de você estar no lugar certo na hora certa. Aí eu fui, ela me apresentou ao Denis e ele me perguntou se eu era capaz de fazer. Na verdade ele nem me explicou direito o que seria, eu me lembro que ele me perguntou, “você vai dar conta de fazer, você quer fazer?”. E eu, “Mas é claro”.
Na mesma hora eu passei na sala e já me deram o texto dizendo que era para eu voltar daí a três dias. A minha personagem era uma corretora de imóveis pilantra, mais uma a cair nas graças do dono do mundo, interpretado por Antônio Fagundes. Foi uma participação nos últimos quatro capítulos da novela, e foi uma experiência legal, eu contracenei com a Fernanda Montenegro, com a Malu Mader. Eu sei que não teve ensaio, ou teve ensaio? E eu nem vi o Denis. Eu me lembro que aquilo me pareceu uma fábrica de fazer pastel, porque é tudo em série, é tudo muito rápido. Mas eu me lembro que gostei muito. Eu adorei fazer.
Depois disso eu voltei mais uma vez, eles me chamaram de novo, mas aí foi uma experiência péssima, foi horrível. O Ricardo Waddington me liga dizendo que eu tinha sido escolhida e que iam me lançar no Você decide. Foi muito engraçado, porque O dono do mundo foi em dezembro e isso foi em março. Ele disse que tinham visto o meu teste, que haviam me escolhido, e que era para eu ir imediatamente para ficar lá durante uns dez ou quinze dias. Eu estava trabalhando na Alvorada e na Rede Minas, pedi calma e um tempo para administrar meu trabalho, mas é aquele negócio, com a Globo você tem que decidir na hora. Aí eu me lembro que falei com os meus chefes, resolvi e fui.
Esse Você decide era inspirado naquele filme do Harrison Ford, A testemunha. Eu ia ser a mãe de uma menininha que estava no auge em uma novela das seis, em que era a filha da Maitê Proença. Cheguei lá e fizemos uma leitura. Eu ia ser a mulher do Herson Capri e a mãe da menina. Quando eu vi aquilo eu achei que estava estranho, já que a garota era loura e tinha olhos azuis. Na época, o Paulo José era o diretor do núcleo e o Ricardo Waddington o diretor do programa. Só sei que fizemos a leitura, o Taumaturgo Ferreira também ia fazer. Eles já queriam cortar o meu cabelo, já fui para o figurino, e daí a uns quinze minutos o Paulo José me chama na sala dele e me diz, “me desculpe, foi um erro, nós vimos sua foto, e agora estamos te achando muito morena, como é que você vai ser a mãe da menina?”. Aí eu fiquei puta, “como assim, foto? Eu fiz O dono do mundo tem uns três meses, eu não mudei de lá para cá”. Eu chorei, e disse que era um absurdo. Daí eu fui parar na sala do Mauro Lúcio Vaz, que era o chefão. Eu falei que era um absurdo, que eles tinham me tirado de onde eu estava para ficar quinze dias e que agora me diziam que não ia dar porque eu era morena. Eu até me lembro de ter falado para o Paulo José, “então troquem a menina”. Mas é aquela coisa, ela é que era a estrela. O Mário Lúcio Vaz me contou uma história da Vera Fischer, que na televisão é assim mesmo, que na época ela ia filmar Riacho doce, que era ela, depois não era, que isso acontece, que ás vezes a pessoa é escalada, depois não é mais. Mas o problema não era esse e sim o desrespeito, eu achei que foi um descuido deles em ter montado aquela família. Aí eu voltei arrasada, porque você vai com a expectativa de ficar.
Pensando hoje eu arrependo, eu tinha muita vontade de ir para a televisão, mas eu sou muito medrosa, muito insegura. Eu acho que isso me atrapalha muito na profissão. Eu queria muito casar, para mim, naquele momento, o casamento com o Kiko era a coisa mais importante. Hoje eu vejo que é uma burrice, eu podia ter conciliado a minha ida para o Rio e ter me casado, nada me impedia disso. Mas o meu projeto de vida naquele momento era me casar com o Kiko. Se eu quisesse ter entrado na Globo eu teria que ter ido naquele momento para lá, porque eu já tinha feito, a Maria Carmen gostava de mim. Eu perdi o trem da história ali.
Mulheres: Depois você não voltou mais?
Christiane Antuña: Não. Depois dessa confusão lá, eu não tive mais... aliás, me chamaram para fazer aquele programa, o Linha Direta, me ligaram umas quatro vezes, mas eu não me interessei. Não deu vontade de ir.
Mulheres: Você descartou completamente essa história das novelas?
Christiane Antuña: Pois é, eu acho que teria que me mudar, eu teria que sair de Belo Horizonte.
Mulheres: Você faria isso?
Christiane Antuña: Não. Por exemplo, houve a vez também de O clone. De vez em quando eles te ligam para refazer cadastro e eu fui na Globo de novo para a atualização. De novo eu fiz o teste e vi que a mulher gostou de mim. Aí, ela já liga, me parecia que alguém que ia fazer a novela não ia fazer, e ela estava me indicando. No entanto, eles já tinham escolhido, parece-me que foi o papel da Ingra Liberato, que entrou depois para fazer. Então eu vi que mais uma vez eu fui lá e aconteceu de novo de eu fazer o teste e de ter uma outra coisa para mim. Então, pode parecer ingenuidade minha, mas eu acho que eu teria chance em televisão, em fazer, mas não sei, eu acho que agora, a chance que eu teria para ir para televisão seria por um trabalho no teatro ou no cinema. Porque agora eles não têm interesse mais, o interesse deles é pela garotada mesmo. A minha geração está muito boa na televisão, Fernanda Torres, Débora Bloch, é uma geração maravilhosa. É uma turma muito boa essa da televisão, que é a Malu (Mader), a Claudia Abreu. Na verdade, eu agora já posso até a fazer papel de mãe, a minha entrada na TV agora seria por essa via, alguém me vendo no teatro.
Mulheres: E que pode ser mais interessante, essa via de olheiro, que fazer testes para catálogo.
Christiane Antuña: É, porque aí você pode chegar fazendo coisas mais bacanas, porque não me interessa ir para lá para fazer Linha direta, entendeu? O Kiko acha isso uma bobagem, de eu não querer fazer o Linha direta, porque tudo é experiência. Eu fui lá conhecer o Projac, já andei por lá. É bobagem dizer que ator não quer sucesso, mas eu quero fazer um trabalho legal, uma personagem bacana, não preciso fazer televisão por fazer. Eu não quero fazer o Linha direta para ficar lá chorando, berrando, para aparecer na televisão. Não me interessa não.
Mulheres: Depois dessa fase você volta para o teatro, não é?
Christiane Antuña: Eu fiz O sobrado em santa tereza, com direção de Luís Carlos Garroucho, em 1990, e depois fiquei um tempão sem fazer teatro. O Santa tereza (1990) foi um prazer, foi uma delícia fazer, texto do Walmir José. E com atores como a Yara Fernandes, que é uma atriz muito boa, a Cínthia Paulino, que eu acho hoje uma das atrizes que mais cresceu. Eu fiz uma personagem bacana, que era uma empregada, ganhei prêmios de atriz coadjuvante, foi um espetáculo que fez muito sucesso. E era comédia, eu tinha um lado de comédia que eu não sabia, porque no Bella ciao era drama. Foi muito bom porque deu certo. Então foi assim, eu tive essa experiência do Bella ciao que foi sucesso de público, e o Sobrado de santa tereza com reconhecimento artístico do meu trabalho. Aí depois eu parei. Voltei com o Algo em comum (de Wilson de Oliveira, do grupo Encena, em 1997) - prêmio Amparc/Bonsucesso e prêmio Sesc/Sated de Melhor Atriz.
Mulheres: Durante a entrevista, você citou algumas pessoas, entre as que admira, que integraram o Encena. E na sua volta é com esse grupo, um dos mais importantes do teatro em Belo Horizonte.
Christiane Antuña: O Wilsinho (Wilson Oliveira) me disse que desde que assistiu ao Sobrado de santa tereza que ele pensou em trabalhar comigo. Eu tinha muito medo de trabalhar com eles, porque eu o achava o grupo um dos melhores. E eu era meio afastada da turma de teatro, eu era mais da TV. O Fernando Ernesto, que também era do Encena, foi um dos fundadores, ele também me viu no O sobrado e me queria também. Foram os dois, ele e o Wilsinho, que me convidaram. Tanto que eles me esperaram, eu tive um problema na corda vocal, um cisto que eu operei e que deu errado, e eu fiquei um ano péssima porque eu perdi a voz. Eles me esperaram um ano e disseram que queriam fazer esse projeto comigo. Foi muito legal.
Mulheres: E que acabou virando uma parceria, porque depois você fez o Relação pornográfica (2002). Você entrou no Encena, ou você é convidada?
Christiane Antuña: Eu venho participando dos espetáculos do Encena, quer dizer, hoje eu sou uma atriz do encena, eu estou no Encena.
Mulheres: Você está no próximo espetáculo?
Christiane Antuña: Sim, O tempo e os conways (2005), um clássico de J.B. Pristley. Estamos ensaiando.
Mulheres: Então não será mais montagem de textos de cinema, porque o Algo em comum e o Relação pornográfica foram textos que foram levados ao cinema, E eu acho curioso, porque você volta para o teatro em um dos grupos mineiros de referência que você admirava e em dois espetáculos que faziam essa ponte com o cinema. Eu quero que você entre um pouco nessa seara me dizendo o que é o cinema para você?
Christiane Antuña: O cinema me encanta muito nos temas contemporâneos e urbanos. Por exemplo, a dificuldade que eu tenho para fazer essa peça do Wilsinho agora é porque é um clássico, teatrão. E eu gosto de tema urbano. Então em cinema, eu gosto do Beto Brant. Eu acho que o cinema é arte mais bacana, é onde você pode fazer tudo, é o veículo mais libertador.
Mulheres: E como está a sua carreira no cinema?
Christiane Antuña: Infelizmente, menor do que eu espero, pois tenho essa paixão pela linguagem, pela câmera. Eu fiz O menino maluquinho (Helvécio Ratton, 1995), uma participação muito pequena. Eu fiz o Samba canção (Rafael Conde, 2000), também uma participação. Praticamente a minha estreia em longas é no filme da Elza (Cataldo, 2005), o Vinho de rosas.
Mulheres: No Vinho de rosas você faz uma personagem importante...
Christiane Antuña: É, a Bárbara Heliodora.
Mulheres: Então, antes disso, nas participações que você fez, como foi para você exercitar seu trabalho de atriz em um set de cinema? Muito diferente do que você exercitava, ou não?
Christiane Antuña: Eu me sinto muito à vontade em um set de filmagem. Eu gosto do set, porque para cinema você tem que gostar do set, pois tudo demora. Às vezes eu sinto ator de teatro muito impaciente com o set de filmagem, porque o ritmo é totalmente diferente. Eu adoro cabo, acho tudo sedutor, cabo passando, microfone, o cinema é uma arte coletiva. Eu acho tão bonito você ver uma cena sendo montada, e que depois, de repente, vai virar um segundo. Eu gosto de estar no set, eu gosto de ver o diretor, o cara da luz montando, porque no teatro, depois que você montou, está ali todo dia. No cinema não, toda hora você tem que montar o cenário, toda hora você está fazendo tudo de novo, e eu adoro isso. Eu tinha muita vontade de fazer mais, eu me arrisco a dizer que eu me sinto mais à vontade em um set de filmagem que no palco.
Mulheres: No Vinho de rosas você faz a Bárbara Heliodora, que é uma personagem importante no filme. Como você chegou até a essa personagem? Como você entrou nesse projeto da Elza?
Christiane Antuña: Na verdade, pelo que a Elza me falou, era a Christiane Torloni que ia fazer a Bárbara Heliodora. Era a única de fora, porque sempre foi um projeto mineiro. Mas não sei porque a Christiane Torloni não fez. Eu fui fazer o teste, mas eu não ia fazer nenhuma das principais não. A Elza já tinha me chamado para fazer uma leitura dramática, e eu não pude fazer porque eu estava fazendo um trabalho de vídeo no interior. Quando eu fiz o teste a Elza gostou, e como a Christiane Torloni não pôde fazer, a Elza um dia me falou, “Estou com um presente para você, você vai fazer a Bárbara Heliodora”. Foi isso, e é por isso que eu gosto de fazer teste, eu não me importo. Antes eu ia fazer freira ou uma daquelas meninas do confinamento, não era para fazer personagem principal.
Mulheres: Como foram as filmagens? Como foi a sua relação com a direção, com a equipe técnica? Como foi essa experiência ampliada em um set, dessa vez com uma personagem importante?
Christiane Antuña: Foi muito tranqüilo. Eu tive uma preocupação com a Bárbara, porque era a que mais poderia ter uma interpretação teatral. É muito complicado fazer um personagem histórico, uma personagem que existiu, que as pessoas conheceram, tem foto dela. E tem a questão da loucura que eu acho que a Elza resolveu bem, porque há duas correntes de historiadores. Uma diz que a Bárbara Heliodora ficou completamente louca e insana quando o Alvarenga (Peixoto) morre e a família é considerada infame. E tem uma outra que diz que ela usou essa loucura para fugir da perseguição. E a Elza optou por essa segunda corrente. Eu achei interessante, porque na Inconfidência ela foi uma mulher importante, ela fez de tudo para o marido não delatar os inconfidentes; e no filme ela tem também um papel decisivo no destino da Joaquina, que é a personagem principal (a filha de Tiradentes), interpretada por Amanda Vargas.
Eu gostei, no cinema você tem que saber concentrar, por isso eu quero fazer mais para aprender. Você tem que saber a hora de concentrar porque você espera muito. Eu acho que você tem que ter a coisa do frescor para filmar, mas eu quero aprender muito a técnica de cinema também.
Mulheres: Como que é para uma atriz como você, que já tem essa carreira longa no teatro e com experiência na televisão, essa dificuldade para fazer cinema em Belo Horizonte? Porque a produção acaba sendo concentrada no eixo Rio-São Paulo. Mesmo com esses pólos regionais, Belo Horizonte ainda não tem um pólo muito forte. Como é, é angustiante, é frustrante?
Christiane Antuña: É, é muito. Mas eu acho que tem uma parcela de culpa minha também. Eu estou falando minha, mas estou tomando liberdade para falar dos atores mineiros também. A gente reclama, reclama, reclama, mas a gente também não faz. Porque então eu não estou lá no Rio? Ou eu não estou lá em São Paulo?. Então, tem uma coisa aí no meio do caminho, a gente reclama que não tem, mas a gente tem que correr mais atrás também. Eu me lembro que quando eu fui na Globo, o Othon Bastos estava lá perguntando se não tinha papel para ele em novela. Isso acontece não é só com a gente não. O Mateus Nachtergaele ligou para a produtora Vânia Catani dizendo que queria participar de Narradores de javé (Eliane Caffé, 2004). A gente tem que correr mais atrás, a gente reclama mais do que faz.
Mulheres: E você está disposta a correr mais atrás do cinema brasileiro?
Christiane Antuña: Sim, estou.
Mulheres: Tem alguém assim específico, que você admira e teria vontade de trabalhar?
Christiane Antuña: Tem o Walter Salles, eu queria muito trabalhar com ele. Tem também o Guel Arraes.
Mulheres: Qual ou quais atrizes você admira no cinema brasileiro, de qualquer época?
Christiane Antuña: São tantas, Marília Pêra, Fernanda Montenegro. Acho a Fernanda Torres maravilhosa, ela vai da comédia ao drama, eu acho ela ótima. Gosto muito também da Cláudia Abreu. Eu era apaixonada pela Dina Sfat, eu acho ela maravilhosa. São tantas, não dá para falar uma.
Mulheres: Tomara que você continue sua carreira no cinema, você está belíssima em “Vinho de Rosas”, está cinematograficamente bela.
Christiane Antuña: É, a gente tem que ir fazendo, para aprender.
Mulheres: Muito obrigado pela entrevista.
Christiane Antuña: Por nada.
Entrevista realizada em fevereiro de 2005.
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