Izadora Fernandes
Izadora Fernandes nasceu em 03 de junho de 1975, em Janaúba, Minas Gerais. Deixa a cidade natal para continuar os estudos em Belo Horizonte, onde faz Comunicação e também ingressa no TU – Teatro Universitário da UFMG. A atuação nos palcos ocorreu durante pouco tempo – o trabalho de formatura foi As Feiticeiras de Salem. Já Eu te amo na sua trágica beleza, espetáculo de Cristina Tolentino, baseado na vida da Clarice Lispector, foi um dos seus primeiros trabalhos: “Eu ensaiei um espetáculo durante oito meses, que eu apresentei durante dois finais de semana (...). Isso me desanimou completamente, essa falta de perspectiva, de ter que mudar de cidade para conseguir um lugar ao sol como atriz. Eu nunca tive o perfil de uma pessoa que quer só uma coisa na vida, aquilo era importante para mim, me frustrou um pouco, saber que de alguma forma eu ia deixar, mas ao mesmo tempo eu percebi que tinha outros caminhos de fazer isso, eu podia fazer performance, eu podia atuar”.
Junto ao marido na época, que integrava um grupo de cinema, começa a fazer curtas. O primeiro foi Reforma das minas de prata, em 1998: “Era, na verdade, um documentário com vários cineastas mineiros, o Cao Guimarães, o Helvécio Ratton. Tinha um trecho de ficção, que era um casal brigando por causa de cinema e eu era a atriz desse filme. Esse foi o primeiro”. Depois, muda-se para São Paulo, onde atua em três curtas com Silvia Moreira, entre eles, Morangos verdes com chocolate. Faz teste para a principal personagem feminina de Mutum, de Sandra Kogut, passa, e com isso tem que mudar radicalmente de vida na época: “Eu fui fazer e fiquei feliz da vida, porque era um personagem que me atraía muito. Enfim, foi aquela imersão, a gente viveu quatro meses em Três Marias, dois meses por conta do trabalho com a Fátima (Toledo). Em vários momentos em quis desistir mesmo, porque eu estava longe do meu ninho, eu levei a minha filha, que na época tinha cinco anos de idade e foi uma mudança. Eu levei minha vida para Três Marias, não conhecia ninguém. Tive que matricular minha filha numa escola, enfim, um mundo novo para ela”.
Depois do sucesso de Mutum, Izadora Fernandes segue carreira no cinema em outros filmes, faz pesquisa de personagem para o premiado O céu sobre os ombros, de Sérgio Borges, faz participação em Girimunho, de Helvécio Maris e Clarissa Campolina, e atua em curtas de Cristina Maure e Joana Oliveira, André Carrera, e de Pedro di Lorenzo.
Izadora Fernandes esteve presente na 15ª Mostra de Cinema de Tiradentes, em 2012, participando do lançamento do filme Girimunho, de Helvécio Marins e Clarissa Campolina. Ela conversou com o site Mulheres do Cinema Brasileiro e falou sobre o início da carreira, a experiência no teatro, os primeiros curtas, a atuação em Mutum e os novos trabalhos.
Mulheres do Cinema Brasileiro: Qual sua origem, data de nascimento completa se possível, e formação.
Izadora Fernandes: Eu nasci no norte de Minas, em Janaúba, em 03 de junho de 1975. Morei em Janaúba até os quinze anos e depois fui para Belo Horizonte para cursar faculdade. Nunca tinha pensado em fazer teatro, fui para Belo Horizonte e comecei a estudar comunicação.
MCB: Isso foi quando?
IF: Foi por volta de 1990, 91. Um belo dia eu vi um anúncio, eu não sabia da existência do Teatro Universitário, que o TU estava oferecendo cursos de extensão na área de interpretação e corpo, me interessei por aquilo e fui fazer. Um ano depois, eu passei na prova do TU, me interessei tanto que eu fiquei por lá durante três anos. Logo depois que eu me formei, me casei e tive uma filha, então eu fiquei no teatro por aproximadamente quatro anos e meio, assim, cinco no máximo. Em função da maternidade mesmo, mas também em função do que eu percebia no mundo do teatro, que era uma dificuldade imensa dos atores em conseguir chegar em algo que eles almejavam. Eu ensaiei um espetáculo durante oito meses, que eu apresentei durante dois finais de semana.
MCB: Qual era o nome do espetáculo?
IF: Eu te amo na sua trágica beleza, é um espetáculo da Cristina Tolentino, baseado na vida da Clarice Lispector e que eu adorava fazer. Isso me desanimou completamente, essa falta de perspectiva, de ter que mudar de cidade para conseguir um lugar ao sol como atriz. Eu nunca tive o perfil de uma pessoa que quer só uma coisa na vida, aquilo era importante para mim, me frustrou um pouco, saber que de alguma forma eu ia deixar, mas ao mesmo tempo eu percebei que tinha outros caminhos de fazer isso, eu podia fazer performance, eu podia atuar. O meu marido, na época, tinha um grupo, eles estudavam na PUC e tinha um grupo de cinema que estava começando. Enfim, eu sempre pensei que eu podia brincar com isso, que não precisava ser tão dolorido para eu estar em um lugar que eu gostaria de estar, então nesse tempo eu deixei mesmo o teatro, parei de fazer. Fiz alguns curtas...
MCB: Teve alguns outros trabalhos no teatro?
IF: Eu me formei com As Feiticeiras de Salem, depois fiz duas vezes cenas curtas no Galpão, uma cena com o Paulo César Bicalho, que eu adorava, e outra com o Daniel, que era baseada num conto da Hilda Hilst. Fiz performances, enfim, mas nada, nada muito relevante mesmo, até por causa dessa decisão de parar.
MCB: Esses curtas que você já ia começar a falar, eles estão ligados a essa produção do grupo do seu marido?
IF: Meu ex-marido, Felipe Freitas. O Felipe hoje em dia não tem mais nada a ver com o cinema, ele é ecologista, No início era o grupo dele sim, e que tinha o Leandro HBL, que hoje em dia está na Conspiração Filmes, o Pablo Lobato e o Sérgio Borges. É um grupo que de certa forma permaneceu assim, depois conheci o Helvecio Marins, que de alguma forma também fazia parte do grupo, apesar de não estudar na PUC, a Marília Rocha... Eu comecei fazendo cinema mesmo, a minha experiência do set foi com esse grupo que estava começando, então de alguma forma eu comecei junto com eles também. E aí fiz curtas e depois surgiram outros.
MCB: Qual foi o primeiro?
IF: O primeiro foi em 1998 e se chamava A reforma das minas de prata, que era, na verdade, um documentário com vários cineastas mineiros, o Cao Guimarães, o Helvécio Ratton. Tinha um trecho de ficção, que era um casal brigando por causa de cinema e eu era a atriz desse filme. Esse foi o primeiro.
MCB: Você consegue se recordar da sensação de ter estado em um set de cinema pela primeira vez?
IF: Ah, consigo me recordar sim. Foi estranho. Eu não consigo nem assistir hoje porque eu me vejo fazendo algo que não sou eu, sabe? Isso hoje em dia me causa um estranhamento. Todos os primeiros curtas que eu fiz tinham muito essa coisa do personagem e do roteiro, né? A gente estava começando, todo mundo seguia esse caminho e eu não fiz diferente, eu também li o roteiro e criei um personagem, que é uma prática comum no teatro. Mas no teatro é o aspecto dele em si, ele permite que você faça isso. No cinema eu acho que não, eu acho que é muito mais a sua vivência, e não há uma separação, enfim... Mas me lembro de me sentir um peixe fora d'água no set, de ter plena convicção de que aquilo que eu estava fazendo não estava ficando bom, sabe? E essa sensação permaneceu por muito tempo mesmo, de outros curtas que eu fiz, alguns nem chegaram ao ser mostrados. Alguns diretores falavam que estava tudo ok, que tinha conseguido, mas para mim demorou eu entender como é que funcionava, como é que era o processo. Eu acho que eu só entendi isso, se é que eu entendi mesmo, a partir do momento em que eu passei a ver mais cinema.
MCB: Dá pra você citar alguns nomes desses curtas?
IF: Eu fiz um com a Silvia Moreira, que hoje nem é cineasta mais, ela está trabalhando com artes plásticas. Eu fui morar em São Paulo e nesse período eu fiz três curtas com ela. Um se chamava Morangos verdes com chocolate, que era uma mistura do Tomates verdes fritos. Enfim, era um grupo de atores numa casa e ela já vinha com outra proposta, a gente ficava vivenciando aquilo por dias, pessoas que não se conheciam morando na mesma casa e eu me lembro que era para ser eu, era Izadora com outro nome, mas a minha experiência de vida. E eu simplesmente não conseguia fazer aquilo, sabe? Eu criava um personagem o tempo inteiro e esse personagem, o que me desagradava é que ele tinha uma voz, ele tinha um corpo que eu criava, que é a mesma escola do teatro. Não acho que isso seja negativo de forma alguma, mas como eu fiz uma escola e o TU é intenso, lá você vive essa experiência o tempo inteiro, de estar experimentando com o corpo. No início, de alguma forma, eu levei isso para o cinema, e aí ficava realmente tudo meio estranho, ficava tudo muito over, sabe? Até que vendo as pessoas fazendo, isso me ajudou muito, tanto que quando eu fui fazer o Mutum já estava bem claro para mim. Eu não queria mais atuar, né?, nem no cinema nem no teatro, eu estava produzindo documentário, que foi uma outra fase (risos). As coisas sempre foram chegando. Posso contar do teste para o Mutum?
MCB: Sim, inclusive era uma das perguntas. Como você chegou ao Mutum?
IF: As pessoas que me conheciam já sabiam que não me interessava mais fazer teste comercial, mais nada disso. Me desinteressei realmente, achava que aquilo não era pra mim. E aí uma amiga ficou responsável por fazer o teste de elenco do Mutum,(Ana Regis), e ela me ligou para fazer o teste. E eu assim, “será?”. Ela falou “olha, é Guimarães Rosa, você vai gostar”. Só me falou isso. Eu falei “bom, já que é Guimarães Rosa, então eu vou lá fazer” (risos). E aí fui e gostei de fazer o teste. Nesse teste pro Mutum eu me senti de uma forma que eu nunca tinha me sentido na vida. Decidi que ia com espontaneidade, sem ficar mentindo. Me lembro de pensar assim “vou usar o que eu tenho da minha memória, de ter nascido no norte de Minas. E daí fui muito tranquila para fazer o teste. Eu passei na primeira etapa, mas muito descrente, sempre pensando que uma primeira etapa é só uma primeira etapa. E aí me testaram mais umas três vezes, eu acho que era um filtro mesmo, acho que era uma peneira, até chegar em uma oficina, em Três Marias, com a equipe da Fátima Toledo.
Confesso que quando eu fui e fiquei sabendo que era a equipe da Fátima me deu um certo medo, porque a Fátima é famosa nacionalmente pelo método de trabalho dela, né? (risos). Mas enfim, fui, fiquei uma semana em Três Marias, gostei do processo, da oficina. Fiz uma entrevista com a Sandra Kogut (diretora do filme) e o tempo inteiro eu fiz esse exercício, de falar das coisas que eu pensava, de ser eu, de não fingir que eu era, eu não blefei para ganhar o personagem. Depois dessa semana que a gente passou lá, o resultado demorou pelo menos uns dois ou três meses pra sair, e eu já tinha plena e absoluta convicção de que não seria eu, que eu acho que é até uma coisa assim para não sofrer, tipo não sou eu e pronto, e daí vou pensar em outras coisas. E aí veio o resultado. Eu fui fazer e fiquei feliz da vida, porque era um personagem que me atraía muito. Enfim, foi aquela imersão, a gente viveu quatro meses em Três Marias, dois meses por conta do trabalho com a Fátima. Em vários momentos em quis desistir mesmo, porque eu estava longe do meu ninho, eu levei a minha filha que na época tinha cinco anos de idade e foi uma mudança. Eu levei minha vida para Três Marias, não conhecia ninguém. Tive que matricular minha filha numa escola, enfim, um mundo novo para ela.
Com três semanas que eu estava lá, eu tive que mudar o meu cabelo e eu me achava horrível (risos). E teve um processo louquíssimo, porque eu parei de comer, eu não conseguia comer. O processo da Fátima é esmagador, eu acho que ele é necessário, ainda que eu não concorde totalmente, eu não concordo mesmo, mas eu acho que ele é cruel, sabe? Eu concordo com alguns aspectos e acho que deixa a desejar em outros. Porque eu não acredito que você tenha que usar de..., das minhas amarras vamos dizer, dos meus medos, para que eu consiga chegar num lugar como atriz, sabe? Eu acho que ele funciona para alguns, para outros não. Mas aí fui viver essa história toda, emagreci muito, tomava sol capinando, passava protetor 30, 60, mas eu capinava todo dia. Essa é a parte que eu acho bacana, eu fui capinar, eu fui cozinhar, fui entender como é que funcionava. Isso eu adoro fazer, de verdade, eu capinava cantando, sabe? Era cansativo, chegava em casa e dormia, deixei de ser mãe nessa época, porque não dava tempo de brincar com a minha filha, eu chegava e ficava acabada. E o meu cabelo, foi impressionante a história do cabelo. Ele era maior e muito liso, daí eu fiz três permanentes até chegar no que a Sandra tinha pensado para o filme. Na primeira permanente ele ficou lindo e anelado, só que não era aquilo, né? E aí a segunda destruiu e a terceira com água oxigenada na ponta e muito sabão funcionou, e aí eu já não me reconhecia mais. É claro que isso te ajuda a fazer uma imersão no outro mundo, tinha todo um lado bom disso porque a gente estava no meio do universo do Guimarães, com aquelas pessoas, a filha do Manuelzão estava no set com a gente. Enfim, eu estava atuando com João Miguel, que já estava sobressaindo com o Cinema, aspirinas e urubus (de Marcelo Gomes), e era uma delícia trabalhar com ele, ainda que ele me espancasse muito no filme (risos).
Mas enfim, o tempo inteiro eu sabia que o Mutum ia ser um filme sensível, eu não tinha dúvida de que eu ia gostar do resultado, porque eu observava muito o jeito da Sandra trabalhar, com erros e acertos, como qualquer trabalho, né? Eu tive muita segurança para fazer com ela, para deixar ela me dirigir, porque você percebe o olhar da pessoa, o que ela está querendo fazer. A Sandra não é uma pessoa que invade o mundo alheio, ela tem um respeito por aquilo e eu me segurei o tempo inteiro nessa minha percepção de que o filme ia ser bom, e foi afinal. Viajei muito com o Mutum, fui muito feliz com esse filme no período que aconteceu.
MCB: Você chegou a ver as filmagens ou só viu depois do filme pronto?
IF: Não. Eu vi uma ou outra cena, a gente não podia ver as filmagens. Nunca me interessou também. Eu tenho horror de me ver na tela, de verdade. Eu vejo vários atores falando isso e eu tenho um certo receio, então prefiro ver depois de pronto. Mas vi, vi algumas coisas. Fui ver o filme a primeira vez no Rio, foi a primeira vez que eu assisti.
MCB: Esse trabalho ressignificou a atriz em você? Você estava meio em conflito...
IF: Sim, ele teve uma função importante. Depois que eu fiz o filme vieram vários convites para outros trabalhos. Quase fui para a televisão, enfim, me abriu as portas, mas nada que eu falasse “olha, isso aqui eu até gostaria de fazer”. Não teve nada que eu falasse realmente “ah, eu quero fazer esse filme”. Não era o que eu queria e nem me arrependo depois. Eu acho que ressignificou até nesse aspecto, eu não sou uma atriz constante. Eu acho que é uma escolha, eu não quero ser mesmo, é isso que eu estou te contando, as coisas foram chegando e eu fui pegando. Hoje em dia, eu faço programação cultural de um centro de cultura lá em Belo Horizonte. Isso de alguma forma ...
MCB: Qual o nome?
IF: Casa UNA. Isso já me trás alguma coisa que o trabalho de atriz não está me trazendo, porque eu não estou tão atuante. Acabei de fazer um filme no final de 2011 com a Cristina Maure e a Joana Oliveira, fiz o papel principal.
MCB: É um curta? Qual o nome?
IF: É um curta. Diário do não ver.
MCB: Antes dele tem o Girimunho, não é?
IF: Antes do Girimunho eu fiz um trabalho de pesquisa para O céu sobre os ombros, o Serginho (Sérgio Borges, diretor) me convidou por causa do meu trabalho de atriz.
MCB: Então vamos recuperar esse trabalho com o Sérgio, eu queria que você falasse um pouco.
IF: O trabalho com o Sérgio em O céu sobre os ombros foi o de encontrar os personagens do filme. Fui eu que fui atrás de cada um deles, em um primeiro momento foi o meu olhar. Um dia o Sérgio foi na minha casa e me contou a história que ele queria fazer, que até então era muito diferente do que virou. Ele me perguntou se eu queria fazer a pesquisa do filme, eu disse que sim. No dia eu nem perguntei porque ele tinha me feito aquele convite, mas aí depois ele me falou que achava que tinha um olhar atriz bom para isso. E eu tenho um tempo mesmo, eu gosto de conversar com as pessoas. A gente definiu que para cada entrevistado eu faria uma entrevista de quinze minutos com a câmera ligada e levaria para ele. Mas tiveram alguns que eu fiquei uma hora conversando, e ele falava assim “poxa, mas assim não pode” (risos).
Tinha que ser quinze minutos, mas as pessoas me atraem, elas têm histórias e eu fico escutando, aí eu deixo a câmera ligada. Eu entrevistei cem pessoas para esse filme, eu fiquei imersa nessa história da pesquisa. Todas as pessoas que eu conhecia eu perguntava se ela conhecia alguém com alguma história interessante que pudesse me contar? Nessa coisa toda, um dia eu fui parar no necrotério da Santa Casa, na sala onde os corpos são arrumados para serem enterrados, passei mal, mas me segurei. Eu tive contato com um ex skinhead, que hoje em dia é cozinheiro. Enfim, eu fui numa igreja, Caverna do Adulão, uma igreja evangélica onde a maioria das pessoas são excluídas da sociedade, então tem hippie, hippie mesmo, ainda vivendo aquela cultura anos 70, tem punk, tem homossexual que não acha o seu caminho e encontra isso dentro daquela igreja. Na verdade isso me supre, estar desse outro lado também, fazer pesquisa para o Sérgio. Um dia ele me perguntou se eu queria fazer alguma coisa no filme. Eu não me via no filme, eu acho que aquelas pessoas lá tinham muito mais a ver do que eu estar ali, não tinha o que falar. O filme foi para Brasília, eu não tinha visto o filme pronto, adoro não ver os filmes. Eu gosto de ver na tela e aí na hora que acabou a exibição eu estava do lado do Sérgio e falei “a gente vai ganhar Brasília.” Porque eu achei o filme lindo e eu fiquei orgulhosa de ter feito parte, eu achei as três pessoas que estão ali, cada uma de uma forma. Eu nunca achei que o Hare Krishina, que é torcedor do galo, fosse participar, nunca achei. Porque ele sempre teve uma função de ajudar a gente, tanto a mim quanto ao Sérgio de achar outras pessoas, eu consegui entrar na Galoucura graças a ele. Por coincidência, eu fui no Hare Krishina e ele estava lá, daí eles me perguntaram qual que estava sendo minha dificuldade na pesquisa e eu respondi que estava com uma dificuldade imensa de achar membros da Galoucura. No que ele falou: “eu sou da Galoucura” (risos). E fluiu tudo tão bem. Quando eu vi o filme em Brasília realmente foi um momento em que eu falei para mi mesmo que eu podia estar em qualquer lugar, eu posso estar atuando ou não, o importante é eu estar feliz com essa história, de não sair desse mundo assim. Acaba que de alguma forma ou de outra eu estou sempre com as pessoas da Teia (produtora de O céu sobre os ombros e de Girimunho).
MCB: E é daí que vem o convite para o Girimunho?
IF: É. O convite do Girimunho já tinha acontecido há mais de, um ano antes da gravação, não o convite, mas o Helvécio (Marins) e a Clarissa (Campolina) tinham falado alguma coisa sobre um pequeno personagem no Girimunho, e aí eles me convidaram. Eles já estavam começando esse processo de pesquisa e me convidaram dois meses antes da gravação. Tinha muito mais cena do que é mostrado no filme, eu realmente me joguei, naveguei no São Francisco numa canoa, remando, eu aprendi remar em trinta minutos. Eu até sei nadar, mas já pensou se essa canoa vira? Até o barco chegar. Fiz com medo, claro, o São Francisco é um negócio que te oprime de alguma forma, né?, a água, me sentia sozinha ali. Enfim, soltei foguete, era uma coisa ..., já vi um menino que perdeu o dedo com um foguete, tomei acho que cinco cachaças, o Helvécio ficou do meu lado o tempo inteiro. Para aparecer aquela coisa pequenininha, que nada mais é do que a memória da Bastu, mas que me interessa muito fazer porque é um jeito que eu tenho de estar ali também convivendo com aquelas pessoas. E olha, o resumo é o seguinte, eu prefiro observar e ter um respeito por aquilo e tentar de alguma forma fazer parecido, o ator acaba achando nele mesmo onde que ele consegue fazer, está aqui dentro onde que eu consigo, onde que eu acho o meu caminho, sabe, do que ficar naquele laboratório, naquela busca intensa de um personagem que às vezes está aqui, que às vezes é uma situação do meu dia a dia que eu vivi. É quase uma técnica, se você pensar friamente assim. No Mutum eu fiquei muito tempo fazendo laboratório, e teve um dia que eu vi uma moça, eu fui na casa dela, dormi lá, observei e eu falei: “”gente, é ela, essa pessoa está aqui na minha frente, o jeito de fazer, o jeito de olhar”. O tempo inteiro no Mutum eu pensava nela, foi o meu jeito de copiar, porque o ser humano é rico, cada um tem o modo de ser, de falar, de se locomover. Eu adoro essa coisa do observar, é um desafio para mim, tentar fazer igual, mas um igual que sou eu fazendo, sabe, que não tem os trejeitos, é o meu jeito de fazer aquilo.
MCB: E o filme da Cristina Maure ...
IF: E da Joana Oliveira. Ele ainda não está pronto, deve ficar pronto em março. É a história de uma mulher que vai perdendo a visão. Ela vai ficando cega no decorrer da vida, e é lindo o filme, lindo. O meu companheiro foi o Julio Maciel, do Galpão, e a gente ficou imerso também, aquela coisa toda. O Diário do não ver, eu acho que ele vai bombar. Foi o meu maior desafio, porque eu não sei ainda o que eu consegui, eu não vi nenhuma imagem, mas o ser cego já não é uma coisa que eu possa sentir no meu corpo, não tenho na minha memória porque eu nunca fui, então tá lá (risos). É o maior desafio nesse sentido.
MCB: E é o último trabalho como atriz?
IF: Não, eu fiz o Verão, da Marília, fiz o último do André Carrera, que eu acho que está sem nome ainda, eu adorei fazer.
MCB: É um curta também?
IF: É um curta também, que é bem diferente do que eu gosto de fazer, mas também é um desafio. O André Carrera é um bom diretor, ele é presente. Enfim, fiz esses dois. Fiz recentemente um filme que ganhou a Mostra Cine BH, que é o Não há cadeiras. Fiz com o Rômulo Braga, a gente de alguma forma está sempre junto, foi ótimo ter feito, é uma participação, é um outro filme que eu sabia que o resultado ia ser bom, é do Pedro di Lorenzo. No último ano eu fiz vários filmes, vários curtas.
MCB: As duas únicas perguntas fixas da entrevista: Qual o último filme brasileiro que você assistiu e qual mulher do cinema brasileiro de qualquer época e de qualquer área que você quer deixar registrada na sua entrevista como uma homenagem?
IF: Eu adoro a Darlene Gloria. Eu acho que ela fez tudo que eu queria ter coragem de fazer (risos), como atriz. O último filme brasileiro que eu vi foi Os inquilinos, do Sérgio Bianchi, cujo personagem eu tinha feito um teste. Eu gostei do filme. Eu fiz um teste junto com o Jorge Emil, que é um ator incrível, eu tinha lido o roteiro e pensei “gente, mas esse papel aqui não é para mim nem para o Jorge”. Tanto eu como ele saímos de lá com a certeza que a gente não foi bem no teste, mas também por entender, e o Jorge tem muito mais experiência que eu, que aquilo não era a gente. Não era eu com essa cor, de novo aquele cabelo e com muito esforço para ficar pretinha, e o Jorge com aquela cara de europeu que ele tem. A gente saiu de lá entendendo que não era o nosso caminho mesmo fazer o filme. Eu vi o filme e surpreendi, porque tinha achado o roteiro meio bobinho.
MCB: Muito obrigado pela entrevista.
Entrevista realizada durante a 15a Mostra de Cinema de Tiradentes, em janeiro de 2012.
Veja também sobre ela