Ano 20

Gabriel Carneiro (Matilde Mastrangi)

Dentre as muitas musas que a Boca do Lixo teve, uma das principais foi Matilde Mastrangi, atriz paulista que deixou muito marmanjo boquiaberto na virada dos anos 70 pros 80. Infelizmente, com o tempo passado e com as redescobertas pelas novas gerações, Matilde parece ser cada vez menos lembrada, frente a outras musas do período, como Helena Ramos e Aldine Muller. Talvez dê pra entender, afinal, a sensualidade da atriz esteve muito atrelada ao seu corpo voluptuoso, padrão de beleza que parece cada vez mais fora de moda – e diferente do tipo mignon de Helena e Aldine.  Uma pena.

O tipo físico de Matilde e sua personalidade, pelo que contam diretores que trabalharam com ela, renderam a ela papéis de mulheres fortes, truculentas, nada fragilizadas. Matilde nunca coube nos estereótipos, nos ideais pré-determinados da visão romântica da mulher. Não à toa, era possível ver Matilde fazendo desde uma bandida mau-caráter até uma estrela do show business, mas nunca uma vítima, nunca uma insegura. Dona de si, suas personagens eram todas muito bem resolvidas sexualmente, sempre mandavam e desmandavam.

Talvez por isso, infelizmente, não tenha tido muitas oportunidades para mostrar sua capacidade dramática, ainda que sua atuação sempre fosse muito precisa e no tom da história. Boa atriz, desperdiçada demais. Do tipo ‘gostosona’, desfilava com seu corpo nos ângulos e tomadas mais esdrúxulos de forma que acentuassem seu físico, com na famosa recuada da câmera, deixando sua bunda em primeiro plano, no episódio Peixe fora d’água, de David Cardoso, em A noite das taras (1980). Felizmente, Matilde trabalhou com diretores que souberam extrair seu melhor enquanto atriz, caso de Guilherme de Almeida Prado, em seu primeiro longa, As taras de todos nós (1981). No episódio O Uso Prático dos Pés, conta a história de um sujeito com fetiches por pés e o pé de Matilde o leva à loucura.

Em seus 60 anos de vida e quase 40 de profissão, Matilde foi dirigida pelos mais diversos diretores, de David Cardoso e Guilherme de Almeida Prado, com quem teve parcerias recorrentes, a Adriano Stuart, Walter Hugo Khouri e José Miziara. Nunca a conheci pessoalmente, e meu primeiro impacto, como não podia ser, foi com a beleza estonteante da musa. Mais filmes vistos, nota-se, não só a beleza, como também a grande atriz que é. Com esse encanto, comecei a me debruçar mais sobre o que ela fez e me parece exemplar em como reflete um tipo de mulher que aparecia cada vez mais, a partir do final dos anos 60 e começo dos 70, quando ela começou a trabalhar, que era a mulher liberal, independente. Minha pesquisa em torno de Almeida Prado, cineasta devoto à atriz, me provocaram mais e mais. Matilde, nos filmes, era a sensualidade bruta: nem todos podiam gostar, mas os que gostavam, só queriam saber dela. 

Com o declínio da Boca, Matilde se afastou bastante do cinema. Felizmente, Guilherme de Almeida Prado continua a fazer filmes e nunca deixa Matilde de fora, ou seja, para vê-la de novo, é só esperar o próximo filme de Guilherme. Para nossa felicidade.


Gabriel Carneiro é jornalista e crítico de cinema.

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Atriz intensa nas telas e de personalidade forte, com falas polêmicas.