Tania Anaya
A cineasta Tania Anaya nasceu no dia 27 de julho de 1965, em Mineiros, Goiás, mas radicou-se em Belo Horizonte. Graduada em Artes Plásticas na Belas Artes, da UFMG, é mestre em Cinema em Desenho Animado: “Eu fiz Artes Plásticas pensando em Artes Plásticas mesmo, o meu foco é muito desenho. Não existia escola de cinema, existia escola de comunicação, mas eu não tinha o mínimo interesse por isso. Quando eu estava cursando Belas Artes aconteceu o convênio Brasil Canadá, que formalizou essa parceria da Embrafilme com a National Film Board, que é este instituto de animação fabuloso”.
Tania Anaya é um dos nomes de ponta do cinema de animação em Belo Horizonte, em carreira que tem início no final de década de 1980, e Mu (1989) e Balançando na gangorra (1992) são seus primeiros filmes de animação: “Mas foi com a segunda etapa, ou seja, com o Balançando na gangorra, que é um filme de 5 minutos, que eu realmente entendi que eu tinha feito a escolha certa, que era isso que eu queria fazer para o resto da minha vida. Porque apesar de ser um filme curto, eu tive muita sorte, ele foi aceito em muitos festivais, então eu viajei do Japão à França, Alemanha, em muitos lugares no Brasil”.
Castelos de vento (1998), o filme seguinte, confirma o talento de Tania Anaya na animação: “Teve uma outra faceta que eu não conhecia, no caso do Castelos eu tive que cuidar também dessa parte de produção, e já com uma equipezinha maior, porque os outros eu fiz tudo sozinha, essa já teve três animadores, sete artes finalistas, então já foi uma outra coisa, não é?” Já emÀgtux (2005), ela mescla documentário com cenas animadas: “Eu achei delicioso, eu gosto muito de experimentar, é um desafio, né, porque você tem que ficar buscando informação, você tem que ficar melhorando seu repertório, você tem que procurar pessoas e estudar. Mas eu acho isso muito estimulante, eu gostei de abrir essa nova frente e durante muito tempo eu trabalhei só com documentário depois desse filme”.
Tania Anaya conversou com o site Mulheres do Cinema Brasileiro em sua casa, em Belo Horizonte, e falou sobre sua formação, o início da trajetória, a animação em Belo Horizonte e no Brasil, seus filmes, e o primeiro longa em produção, Nimuendajú, filme de animação para adultos sobre a história de Curt Nimuendajú, etnólogo alemão que viveu no Brasil a partir de 1903 e estudou quase 50 povos indígenas.
* Depois dessa entrevista, a cineasta avançou na produção do longa Nimuendajú.
Mulheres do Cinema Brasileiro: Bom, pra começar, naturalidade, data de nascimento e formação.
Tania Anaya: Eu nasci em 27 de julho de 1965, eu vou fazer 47 este ano, tenho 46. Nasci em Mineiros, Goiás. Eu nasci lá, só que eu não tenho antecedentes goianos, minha mãe é mineira e meu pai é peruano, foi meio que por acaso, porque ele é médico e foi para lá trabalhar. Mas eu considero a minha nacionalidade totalmente belorizontina porque eu sempre vim pra cá, sempre morei aqui. Minha formação é em Belas Artes, em Desenho na graduação, e mestrado em Cinema em Desenho Animado, pelo Núcleo de Cinema de Animação de Minas Gerais, foi um acordo entre a Embrafilme e a National Film Board do Canadá. A graduação foi em 90 e o mestrado em 95/97.
MCB: Desde essa época você já procurou esse curso, porque o cinema da UFMG é muito voltado para a animação, não é?
TA: Mas na época não existia.
MCB: ¬Como se dá esse caminho? Você procurou primeiro a escola de cinema, mas já tinha essa intenção da animação?
TA: Eu fiz Artes Plásticas pensando em Artes Plásticas mesmo, o meu foco é muito desenho. Não existia escola de cinema, existia escola de comunicação, mas eu não tinha o mínimo interesse por isso. Quando eu estava cursando Belas Artes, aconteceu o convênio Brasil Canadá, que formalizou essa parceria da Embrafilme com a National Film Board, que é este instituto de animação fabuloso. Foi uma primeira turma formada no Rio com o Marcos Magalhães, ele veio a Minas, à escola, deu palestra, mostrou filmes do National Film Board, fez uma seleção. Quando eu vi aqueles filmes eu falei “é isso que eu quero fazer”. Porque até então eu só tinha acesso, naquela época, e as pessoas também, a filmes comerciais, a gente não tinha internet, não tinha nada disso. E aqui não tinha mostra de cinema, então assim, o que você via eram filmes comerciais, esses que a gente conhece, na linha do cartoon, para público infantil, e nada disso me interessava.
MCB: Como Disney...
TA: É, eu respeito, claro, mas eu jamais faria isso. Então quando eu vi a possibilidade que a animação trazia, que no caso do National Film Board existe, existia né, na época tinha um time de animadores do mundo inteiro, e cada um explorando uma técnica diferente. Então você via gente explorando aquarela, pintura, bordado, carvão. E aí eu pensei “nossa, eu posso fazer o que eu quiser, na verdade, em audiovisual”. Como eu sempre também fui cinéfila, eu gosto muito de cinema, eu procurei o núcleo, eu passei nos exames, fiz a primeira turma, passei pra segunda turma, e foi quando eu fiz o Mu e o Balançando na gangorra.
MCB: O Mu é no final da década de 1980, não é isso?
TA: 89, justamente, foi lançado no Savassi Cineclube.
MCB: E como era o ambiente naquele momento? Porque ainda hoje a animação é um mercado muito restrito, a gente está com uma vitrine muito maior, mas como era naquele momento em Belo Horizonte, ali no final dos anos 80, década de 90?
TA: Pois é, fazer cinema de animação era uma coisa muito cara, não existiam esses computadores, não existiam esses programas, era animação clássica mesmo desenhada quadro a quadro. Então pra gente fazer uma animação precisava filmar, precisava de truca, sabe, precisava de tempo, de dedicação. Tudo isso consome muito dinheiro, então era muito difícil fazer mesmo, porque pelo tempo de dedicação que você dispensava para o projeto e pelo tanto que era caro, porque só filmando fora, ou alugando câmera que era de fora, laboratório só em Rio e São Paulo, processamento de som só Rio e São Paulo, era muito caro nesse sentido. Também em termo de visibilidade era bem restrito. Quando a gente fez o Mu, que era com uma turma grande e eles exibiram no Savassi foi um acontecimento, porque não existiam janelas para isso. A TV Minas exibiu também. Mas hoje em dia tem muitos festivais, hoje a tecnologia facilitou muito as coisas, e a produção tem crescido também. Como hoje em dia você pode usar a animação para vários fins, não só para cinema, para site, para telefone e etc., então hoje em dia tem muitas escolas de animação, mesmo em Belo Horizonte são várias escolas. O mercado cresceu mesmo, tem uma efervescência, hoje em dia tem vários projetos de longa em andamento, isso assim é super recente.
MCB: Mas tinha muita gente, tinha muita condição de diálogo, tinha muita gente fazendo ali naquele momento, que você estava fazendo aqui em Belo Horizonte?
TA: Não, era nossa turma só praticamente.
MCB: Quem era?
TA: Da turma que ficou começamos em 13, era uma turma grande e eles selecionaram cinco. Nessa turma ficou a Adriane Puresa, que até hoje trabalha com animação, como diretora de animação do longa que eu estou fazendo, a Marta Neves, que fez um curta também, que é super bacana, a Cristiane Izago, que continua na área de animação, mas abriu também acho que para documentário, para experimental, ela acabou não ficando só na animação, a Iza Pato e eu. Da Iza Pato eu não tenho mais notícia, não sei o que ela está fazendo, ela era de São Paulo.
MCB: Só mulheres.
TA: Só mulheres, pois é... ah não, tinha um sexto, o homem, tinha o Alexandre Albuquerque, que era o meu marido, que falha hein, rsrs... Tinha o Alexandre também que ficou, era o bendito fruto aí.
MCB: Conta um pouco sobre esses dois primeiros trabalhos, o Mu e o Balançando na gangorra, como foi fazer estes trabalhos, e colocar para os outros?
TA: Esse primeiro trabalho, que é bem curtinho, ele não tem nem dois minutos, foi conclusão do curso. Foi quando a gente encontrou as pessoas de animação, ou seja, vieram professores ensinar a gente, professores que tinham sido formados nesse núcleo no Rio, vieram canadenses para cá também. Nós ficamos dedicados meses, oito horas por dia, foi superintensivo, e foi quando pela primeira vez você vê projetada, são pecinhas curtas, mas 13, acabavam dando uma minissessão né, então isso já foi bacana. Esses professores nossos levaram esses filmes para Stuttgart, na Alemanha, então a gente começou a entender um pouco o processo. Voltando um pouquinho sobre esses professores, os nossos professores foram a Ida Queiroz, o Marcos Magalhães e o César Coelho, os três são diretores do Anima Mundi, junto com a Léza Guri. São pessoas do meio que trouxeram muita informação pra gente, na época ainda não existia o Anima Mundi, mas o caminho deles foi esse. O outro foi o Fábio Lenini, que é também mineiro, a Ida também é mineira, mora nos Estados Unidos e trabalha em grandes estúdios, nesses grandes filmes. Mas foi com a segunda etapa, ou seja, com o Balançando na gangorra, que é um filme de 5 minutos, imagina, que eu realmente entendi que eu tinha feito a escolha certa, que era isso que eu queria fazer para o resto da minha vida. Porque apesar de ser um filme curto eu tive muita sorte, ele foi aceito em muitos festivais, então eu viajei do Japão à França, Alemanha, em muitos lugares no Brasil. Na época não tinha tantos festivais como agora, e a possibilidade de ir a esses lugares e encontrar outros animadores foi riquíssima. Foi quando eu comecei a ver também filmes de animação, porque como a maior parte é curta, hoje, por causa dessas mudanças de tecnologia, você consegue fazer longa, mas antigamente era muito complicado fazer longa, você tinha que contratar um batalhão de gente. A gente via muitos curtas diferentes, com muitas técnicas diferentes, muitas temáticas diferentes, para públicos diferentes, e isso você só via participando de festival. Hoje em dia isso tudo está mais fácil, a gente consegue acessar por internet e tudo mais, mas antes era bem hermético.
MCB: Eu me lembro que eu assisti na época ao Castelos de vento e que teve uma repercussão muito grande em Belo Horizonte, muita gente conheceu você também por esse filme, não é?
TA: Pelo Castelos de vento.
MCB: Como foi naquele momento fazer esse trabalho?
TA: Pois é, o Castelos já foi até uma maturidade, no sentido de que o Mu e o Balançando foram frutos de curso. Eu trabalhei neles e me dediquei a eles, e aí comecei a entender como que funcionava, mas eu não trabalhei nessa área de produção, ou seja, de conseguir uma verba para fazer o filme, e tudo mais. Já no Castelos de vento eu corri atrás, foi o primeiro concurso do Minc em que eu fui premiada com o roteiro. Então já teve uma outra faceta que eu não conhecia, no caso do Castelos eu tive que cuidar também dessa parte de produção, e já com uma equipezinha maior, porque os outros eu fiz tudo sozinha, essa já teve três animadores, sete artes finalistas, então já foi uma outra coisa, não é? Nesse intervalo também eu trabalhei em Portugal, trabalhei com Abi Feijó em um curta dele de 15 minutos, que para a época era muita coisa em animação, então eu fui aprendendo.
MCB: Aí já é um momento em que você está em outra etapa na sua filmografia, ali naquele momento já estava mesmo consolidado que o caminho era inevitável, ou em algum momento você pensou em mudar de rota?
TA: Pensei, o Ágtux é até fruto disso, é um documentário misturado com animação, porque a animação até então, ainda hoje, mas até então era muito mais, era muito fechada, horas por dia você trabalhando ou sozinho ou com poucas pessoas. Então esse trabalho muito voltado para si mesmo, chegou em um ponto que eu falei “não, eu quero outra coisa”. Queria continuar em cinema, mas queria experimentar outras coisas, e aí comecei a trabalhar com amigos como assistente de direção de ficção, como continuísta.
MCB: Quais foram os filmes?
TA: Como continuísta no longa do Rafael Conde, o Samba canção, que é ficção, e como assistente de direção no filme da Ana Flávia Dias Salles, Esse Deserto. Tem mais coisa que eu não estou me lembrando, porque com amigo a gente vivia trocando coisas. Esses filmes também me abriram portas para entender melhor o audiovisual como um todo, eu comecei a pesquisar sobre documentário e me envolvi nessa época também com os povos indígenas daqui de Minas, dei aula de artes pra uns e fiquei encantada com os Maxacali. Aí eu falei “gente, eu quero fazer um trabalho com eles”. No início eu pensei em fazer uma animação e eles adoraram, eles queriam fazer animação, só que nessa época não tinha programa de computador disponível, então, assim, era sentar e animar ali 24 quadros por segundo, 720 por minuto, coisa que eles não conseguiam, porque eles não tinham essa disciplina de você sentar e ficar quieta animando. Então a coisa acabou se desenvolvendo para outros rumos e entrou o documentário na minha vida. O filme é uma mistura de documentário com trechos em animação que eu mesma fiz.
MCB: E foi difícil esse caminho do documentário, essa coisa híbrida?
TA: Não, eu achei delicioso, eu gosto muito de experimentar, é um desafio, né, porque você tem que ficar buscando informação, você tem que ficar melhorando seu repertório, você tem que procurar pessoas e estudar. Mas eu acho isso muito estimulante, eu gostei de abrir essa nova frente e durante muito tempo eu trabalhei só com documentário depois desse filme.
MCB: Ele é de 2005.
TA: É de 2005, porque ele demorou a ficar pronto.
MBC: Nesse período você já estava com a sua produtora, que é de 2002.
TA: Abri em 2002, é isso mesmo.
MCB: Porque na produtora você abre para outros trabalhos também, não é? Inclusive institucionais, não é isso?
TA: É, porque o que é que aconteceu? Eu percebi que para continuar fazendo filme, que era o que eu queria, eu precisava de uma produtora, porque é muito complicado você ficar toda hora pedindo ajuda para amigo. Eu já fiz com a produção do Rafael Conde, eu já fiz com a produção com João Vargas, com a Itabira Filmes. Nesse momento eu estou fazendo a produção com a Teia Anavilhana. Mas é assim, eu precisava me institucionalizar, digamos assim, para que eu pudesse entrar em editais, para poder crescer mesmo, porque como pessoa física era muito complicado, as verbas do audiovisual são grandes, então geralmente é mais fácil você lidar com isso como pessoa jurídica, daí eu criei a produtora em função disso, eu queria fazer filme.
MCB: Lá no início, quando eu falei de uma produção restrita, eu estava querendo dizer sobre a produção de animação em longas, porque em curtas a gente tem uma produção muito efervescente mesmo. Mas no caso do longa é muito impressionante, tem as produções do Otto Guerra, tem a Mariana Caltabiano, agora que fez o Brasil animado, mas não são tantos assim, não é?
TA: É, isso é um problema que eu acho que daqui a pouco vai mudar, eu acho inclusive em função da demanda, muitos projetos de longa. Mas as políticas do audiovisual para longa em animação são muito precárias. Porque o que acontece, geralmente você concorre em um edital com documentários, com ficção, tendo a mesma verba e o mesmo prazo. Mesmo você usando muito programa, fazendo animação, que já não precisa mais daquele tempo que uma animação clássica demandava, o filme ainda é feito quadro a quadro. Então é assim, dá um, dois anos de prazo, de realização, é torcer muito, sabe. A verba também é muito curta porque animação é mais cara, você tem uma equipe fixa durante dois anos, não tem jeito, mesmo você pagando pouquinho é complicado. Então você encarar um desafio de fazer um longa com uma verba muito pequena é difícil, eu acho que isso tem amarrado muito as pessoas. Outra coisa, que é reflexo dessa política do audiovisual, é que na Ancine, para você fazer um longa, você tem que fazer pela lei do audiovisual, sua empresa tem que estar cadastrada na Ancine. A sua empresa tem uma pontuação e por essa pontuação ela vai falar “olha, você pode capitar com o teto ‘x’”. Os filmes de animação em geral são mais curtos. Isso é umas das coisas, eu já escrevi carta, já conversei, e isso tem que ser mudado, porque a minha produtora tem alguns filmes que são muito curtos porque são em animação, mas para a Ancine não importa, o que importa é a minutagem. Se eu fizer um documentário que demora 90 minutos... Eu não estou querendo dizer que animação é mais complexa ou menos complexa, mais elaborada ou menos elaborada. É uma questão assim, se eu ligo uma câmera, disparo e faço um plano de 10 minutos, seja em documentário, seja em ficção, isso vai dar um filme de 10 minutos. Fazer isso em animação é muito mais trabalhoso, é muito trabalhoso fazer 10 minutos em animação. A minha empresa tem um tanto “x” de curtas, mas são curtas de pequena duração, então a minha pontuação na Ancine é baixa. Tem gente que começou agora. E aí tem um filme, dois filmes, mas já são longas...
MCB: Muito doido isso, não é?
TA: Isso é completamente absurdo. Tem a ABCA, que é a Associação Brasileira de Cinema de Animação, que eu sou sócia, eu participo, eu participei de duas diretorias. A gente já falou isso na Ancine, mandamos cartas, explicamos, mas é difícil.
MCB: Me parece um desestímulo mesmo pra esse formato, não é?
TA: É, porque você entra já sabendo que você vai ter que entrar numa briga, você vai ter que pedir prolongamento de prazo. As condições de entrada, de iniciar um projeto para quem trabalha com animação é um pouco mais complicado.
MCB: Eu fico curioso porque, por exemplo, se você pegar o próprio Otto Guerra, ele já fez alguns longas, mas ainda assim são poucos pelo tempo de estrada dele.
TA: É muito demorado mesmo, a confecção do longa é demorada.
MCB: Além desse dado que você está colocando, eu pensava que tivesse um edital para esse gênero, que fosse diferenciado nos editais.
TA: Não, não tem. Essa questão é interessante, porque se você olhar no caso de uma política pública para um filme, para a questão da realização dele, associar isso a um orçamento bem feito, isso é fundamental. Tem filme que realmente vai demandar mais custo. Agora para exibição eu acho que a animação não tem que ter nada de especial, não tem que ter cota de exibição para animação. A animação é uma peça audiovisual como outra qualquer e deve ser vista como uma peça audiovisual. Uma coisa que chama a atenção é para que o prazo de realização seja considerado porque ele é mais demorado. Quando o filme está pronto, eu acho que ele é uma peça que deve ser vista como qualquer outra, em qualquer festival. Alguns festivais só de animação são muito legais, mas eu sempre sou a favor de que, e eu sempre fiz isso, meus filmes sempre passaram em festivais que eram e outros que não eram só de animação.
MCB: Por que se não vira gueto, não é?
TA: É, justamente.
MCB: E acaba sendo visto por aquelas pessoas que já vão ali para isso, às vezes você não seduz um outro público, por exemplo.
TA: Justamente.
MCB: E essas novas tecnologias, elas te interessam? Por exemplo, o 3D, como a Mariana Caltabiano, que fez o Brasil animado.
TA: Eu vi uns trechos. Eu adoro essas coisas que podem ser resolvidas rapidamente com qualidade, é aí depende de como você usa a ferramenta. Com o 3D é a mesma coisa, ele pode ser usado de uma maneira incrível ou não, depende de como você faz. Eu não tenho nenhum fascínio pela coisa em si, mas eu gosto de experimentar.
MCB: No início da nossa conversa, você disse que lá no começo tinha uma produção mais comercial, e que você não se identificava com ela. Como está a produção hoje, não só em Belo Horizonte, como no Brasil?
TA: Hoje a variedade é imensa, é um leque imenso de coisas muito variadas. Eu acho que tem coisas muito boas por aí. Eu tenho meus gostos pessoais, eu tenho minhas preferências estéticas, mas assim eu vejo que tem coisa tão bacana sendo feita, tem muita gente experimentando. Em Minas tem uma coisa que eu sempre admirei muito, eu acho que os mineiros são supercaxiões, eles são bem embasados geralmente, tem pessoas fazendo coisas muito bacanas. Porque até na equipe em que eu estou trabalhando mesmo, tem o Catapreta, Leonardo Catapreta, que é diretor de arte que tem um trabalho superbonito em animação, tem a Miriam Rolim, que é assistente de direção e que também tem um trabalho lindo em animação, tem o Jackson Abacatu, que tem um trabalho superbacana, cada um completamente diferente do outro. Tem muita gente fazendo, e hoje, por essa facilidade de você fazer no seu próprio computador, colocar o som, tem essa variedade também. E tem muita porcaria também, a oferta é grande mesmo.
MCB: Para ficarmos no universo das mulheres, eu citei a Caltabiano, por exemplo, que tem uma produção mais na linha comercial. Já a sua, e não é à toa que você tem essa formação em artes plásticas, ela tem mais este diálogo estético com esse universo, não é? Isso também você acha que tem que ter, porque aqui em Minas tem uma tradição grande, dos vídeomakers, da arte em vídeo.
TA: Do experimentalismo.
MCB: Esse caminho que você está falando que tem, quando você fala que os mineiros têm essa coisa caxias, esse tipo de produção, tradição, você vê por esse caminho, que vem da viodeoarte?TA: É, eu acho que aqui tem uma linha mesmo, uma parte das pessoas nessa área vão por essa linha, e tem muitas coisas bonitas mesmo, eu gosto muito dos trabalhos do Cao Guimarães. Eu acho maravilhoso o trabalho dele, do Éder Santos, gosto muito do trabalho da Clarissa Campolina. A Clarissa está no projeto como colaboradora de direção e roteiro, a gente conversa muito a respeito dessa parte criativa, tem muita gente boa aqui.
MCB: E eu queria que você falasse desse seu projeto de longa.
TA: Sim, o Nimuendajú é longa, é o que eu estou realizando agora, foi premiado no Filme em Minas, o que possibilitou que essa produção começasse. Não é suficiente a verba, mas ela começou, e eu fiz uma parceria com a Anavilhana, que é uma parte da Teia, através da Clarissa Campolina, que já é minha companheira de outros filmes, já trabalhamos juntas várias vezes, inclusive codirigimos no ano passado um documentário sobre o baterista Neném, que se chama Coração tambor. Trabalhamos juntas no Ágtux. A Clarissa trouxe a Luana Melgaço, que é produtora, a gente fez uma parceria nesse longa. Eu estou trabalhando nesse projeto há muito tempo, é um projeto de época, é sobre questão indígena. Então tem que ter um cuidado imenso com essa questão antropológica, um cuidado imenso com a questão de época mesmo para que você não cometa erros, que sejam gritantes. Eu tenho um interesse grande, nesse caso apresentando um personagem que é real, que viveu, que deixou uma obra muito conhecida dentro da academia, ele é considerado meio pai da antropologia no Brasil. Ele tem uma vida muito bem documentada e sempre trabalhando com os índios, então eu achei que era uma boa oportunidade para trabalhar com a questão indígena no cinema. Porque ele trabalhou com um número grande de povos, um branco que esteve entre os povos, que estudou, mas que ao mesmo tempo viveu com eles, que casou entre eles, então é um projeto muito especial. Ele não é um projeto fácil nesse sentido, então tem que ter um cuidado para não fazer um estereótipo de índio. Nessa parceria entra a Luana Melgaço, da Anavilhana, da Teia, que está como produtora executiva. A gente vai tentar vários editais, já estamos tentando, vamos tentar coproduções internacionais e nacionais para que a produção não pare. A gente está com a equipe de arte funcionando e a ideia é que em setembro comece com a parte da animação. Entre uma coisa e outra vai ter gravação do som, a fala do Nimuendajú vai ser feita pelo Peter Ketnath, aquele ator do Cinema, aspirinas e urubus. Vai ser nos estúdios com os atores brancos, desse universo das cidades, e nas aldeias indígenas com os personagens indígenas.
MCB: Vai ser híbrido também?
TA: Não, vai ser desenho animado mesmo, só que a animação tem um processo que é interessante, você precisa do som para você poder animar, se você vai animar uma fala, você precisa dessa fala para fazer o sincronismo labial, você precisa do tempo da fala. Por exemplo, se uma bola pica, quica no chão, a gente precisa desse som pra animar a bola, a gente precisa do som antes da animação. No caso das aldeias indígenas, a gente precisaria ir mesmo, porque a gente precisa do som, das falas, das línguas, do som, não só dos diálogos, mas do som ambiente, de tudo, então tem uma construção do som aí bem grande.
MCB: E mistura documentário e ficção?
TA: É mais essa questão de interpretação gestual. Talvez uma cena ou outra a gente use a imagem como referência e faz uma rotoscopia por exemplo. Na rotoscopia você filma e desenha em cima a partir dessa referência, então pode ser que em algum momento, alguns gestos, a gente use uma rotoscopia. Mas o básico é animação, mesmo porque a gente está fazendo um filme de época. Para você ter uma ideia, o Curt Nimuendajú, ele foi batizado em 1905 entre os Guaranis, ele ganhou o nome Nimuendajú dos Guaranis. A gente vai fazer esse batizado, então a gente precisa colocar roupas daquela época, os enfeites que eles usavam naquela época, era interior de São Paulo, era mata superfechada, foi um pouquinho antes da linha de trem desmatar o interior inteiro, né?
MCB: E o Palmeiras é outro projeto?
TA: O Palmeiras do alto é outro projeto de longa, ele ganhou o edital da Secretaria de Cultura para roteiro de longa, eu fiz junto com a Ana Flávia Dias Salles, que também é minha parceira de roteiro do Nimuendajú. A gente fez um projeto de desenvolvimento de roteiro pra série de televisão, então é um projeto também de época, que se passa na época do Brasil holandês, tem muito personagem, então ficaria muito bem pra série de TV. Por enquanto está assim, a gente já tem um roteiro pronto, mas a gente precisa investir em projeto, amadurecer o projeto para colocar em edital.
MCB: No momento você está trabalhando nesses dois projetos ou ainda tem mais coisas?
TA: No momento eu estou trabalhando no Nimuendajú, mas eu vou voltar ao Palmeiras do alto daqui a pouco. Tem um outro projeto também com a Ana Flávia que se chama Belorizontida, que é um projeto em que a gente está querendo pegar um pouco da história de Belo Horizonte. Mas esse também a gente está em fase de desenvolvimento, a gente quer pegar a cidade em diferentes épocas históricas. Por exemplo, pegar a esquina da Tupis com Espírito Santo, que era a antiga rua do Capim, quando ainda era o Curral del Rey. Fazer uma situação acontecer ali e depois, por exemplo, hoje em dia, em outra época, ou na década de 30. Então, assim, essas camadas que tem a cidade.
MCB: Você pensa na possibilidade de um dia dirigir um filme de ficção? Você pensa nisso? Você tem vontade?
TA: Olha, claro, não é que eu tenha vontade, eu gosto muito de cinema, e a maior parte dos filmes que eu gosto, que eu vejo, dos diretores que eu gosto, são de ficção. Não que eu queira fazer alguma coisa daquela forma, ou que eu possa fazer alguma coisa daquela forma, mas eu gosto de experimentar. O Ágtux demorou a terminar por causa de verba, eu já tinha começado a trabalhar com documentário, e achei fascinante, trabalhei bastante, então era uma coisa também que eu não esperava. Pode ser que eu também experimente uma mistura de linguagens, o que talvez seja mais provável.
MCB: Para finalizar, as duas únicas perguntas fixas do site. Qual último filme brasileiro a que você assistiu?
TA: Xingu (risos), ontem.
MCB: E qual mulher do cinema brasileiro, de qualquer época e de qualquer área, você deixa registrada na sua entrevista, como homenagem?
TA: Vixe Maria, agora você vai ter que desligar o microfone porque vou ter que pensar muito (risos). Nossa, deixa eu ver.
MCB: Porque a intenção é bem confessional mesmo.
TA: Carmem Santos, só pelo fato de ela ter sido uma pioneira e ter trabalhado com o Mário Peixoto.
MCB: Muito obrigado pela entrevista.
Entrevista realizada em 2012.
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