Ano 20

Magdale Alves

A atriz Magdale Alves nasceu em 27 de junho de 1958, Salvador, Bahia, mas foi, quase bebê ainda, para Olinda, Pernambuco, e por isso se considera pernambucana. É em Recife que começa sua carreira artística: “Eu conheci o Fernando Limoeiro em Recife, em 1978, ele estava vindo de São Paulo, ele tinha feito a Escola de Artes de São Caetano do Sul, escola de interpretação, estava voltando para Recife, ele é pernambucano. A gente se conheceu e começou a namorar, ele me achava engraçada, eu brincava, fazia muitas brincadeiras e imitações, e não sei o quê. Aí ele falou “você devia fazer teatro”, eu estava com 19 anos, “vamos fazer um curso de teatro”. Eu acabei indo fazer um curso de teatro sobre Brecht, era um curso maravilhoso de um professor de teatro da Universidade Federal de Pernambuco, o Luiz Maurício Carvalheira”. O primeiro espetáculo, resultado do curso, foi o clássico Mãe Coragem, e começou aí uma carreira de atriz dos palcos, e que também desaguaria no cinema e na televisão.

No cinema, depois de uns curtas mais experimentais, é uma das protagonistas de Conceição (1999), de Heitor Dhalia. Mais tarde vai protagonizar outro curta importante, o premiado Eletrodoméstica (2005), de Kléber Mendonça. A atriz estreia em longas em grande estilo no impactante Amarelo manga (2003), de Cláudio Assis: “O Amarelo manga foi uma grande experiência na minha vida, contracenar com Chico Diaz, com a Dira Paes. Eu falei “meu Deus do céu”, eu morri de medo, mas os dois foram superbacanas, a Dira é minha amiga até hoje, ela é muito legal, e o Chico foi fantástico, ele estava numa fase de muito trabalho. A gente fez um trabalho bacana, foi intenso. Muitas vezes eu ia para o set sem ter cenas minhas, mas eu pedia para o diretor pra ir e dar uma olhada, como que era a coisa toda, porque foi pauleira”. Depois, Magdale Alves vai repetir a dobradinha com Cláudio Assis em Baixio das bestas (2006), vai atuar com os também pernambucanos Paulo Caldas, Lírio Ferreira e Alceu Valença, além de filmes de Malu de Martino, Lula Buarque de Hollanda e Breno Silveira.

Magdale Alves retoma o contato com Fernando Limoeiro, eles se casam, e ela muda-se para Belo Horizonte: “Ele me propôs vir para Belo Horizonte, que aqui eu poderia prosseguir com o meu trabalho. Belo Horizonte tem um movimento teatral maravilhoso, tem um movimento cinematográfico também bacana, e outras coisas, porque eu também dirijo, dou aula, sou diretora de teatro. Então eu comecei a fazer mil coisas em Belo Horizonte quando eu vim para cá, que foi em abril de 2007, já faz cinco anos que eu estou morando aqui, e durante esse tempo eu não parei de trabalhar, eu fiz muitas coisas, eu dirigi vários espetáculos”. Entre esses trabalhos está o filmeFamília, dirigido por Byron O´Neal e Guilherme Reis.

Magdale Alves recebeu o site Mulheres do Cinema Brasileiro em seu apartamento, em 2012. Na entrevista, ela repassou sua trajetória, falou sobre sua formação, o trabalho nos palcos, na televisão, os filmes em que atuou, a relação com o cinema e com os diretores e outros assuntos.



Mulheres do Cinema Brasileiro: Para começar, naturalidade, data de nascimento e formação.

Magdale Alves:  Eu sou pernambucana, de Olinda. Eu nasci, na realidade, em Salvador. Meu pai era militar e foi transferido para Recife, para Olinda, e aí eu fui bem pequenininha mesmo, quase bebê, e vivi minha vida inteira lá, então me considero mesmo pernambucana, mas adoro a Bahia, tenho o maior carinho. Eu vou fazer 54 anos, eu tenho 53 anos, nasci em junho, dia 27 de junho de 1958. A minha formação artística começou em Recife. Eu conheci o Fernando Limoeiro em Recife em 79, 78, em 1978 ele estava vindo de São Paulo, ele tinha feito a Escola de Artes de São Caetano do Sul, escola de interpretação, estava voltando para Recife, ele é pernambucano. A gente se conheceu e começou a namorar, ele me achava engraçada, eu brincava, fazia muitas brincadeiras e imitações, e não sei o quê. Aí ele falou “você devia fazer teatro”, eu estava com 19 anos, “você devia fazer teatro, vamos fazer um curso de teatro”. Eu acabei indo fazer um curso de teatro sobre Brecht, era um curso maravilhoso de um professor de teatro da Universidade Federal de Pernambuco, o  Luiz Maurício Carvalheira. Eu fui fazer esse curso, chamava  Qualidade de Brecht para a  América Latina. Eu não sabia nem quem era Brecht, aí fui fazer esse curso que falava sobre as obras dele, as propostas dele, os espetáculos que já tinham sido feitos, os textos importantes dele, toda essa teoria do distanciamento. Foi muito legal, resultou num espetáculo que a gente montou, que foi o Mãe Coragem

A partir daí, esse grupo que tinha promovido esse curso resolveu montar um espetáculo do Fernando Limoeiro que chamava Guarani com Coca-Cola e eu entrei no grupo, chamava Tuba, Teatro Universitário Boca Aberta. Eu entrei para essa companhia e nós trabalhamos intensamente essa proposta e montamos o espetáculo, com texto e direção do Limoeiro. Foi muito bacana porque aí a gente pôde se mostrar, nessa época era um grupo grande, tinha dez atrizes, não sei quantos atores, um elenco de quase 20 pessoas, era muito bacana. O Grupo Oficina também fez intercâmbio com a gente, nós fizemos um trabalho junto com o grupo Oficina de São Paulo, lá em Recife, e aí foi começando minha carreira de atriz. Logo em seguida eu conheci o João Falcão, ele tinha dirigido um espetáculo chamado Flicts, do Ziraldo, era lindo. Eu fui assistir e fiquei apaixonada, conheci o João, convidei ele para ver meu espetáculo, ele viu também, já me conhecia desse espetáculo Guarani. Acabou que ele me convidou para participar do primeiro espetáculo que ele escreveu e dirigiu em Recife. Ele já tinha dirigido outras coisas, mas o primeiro que ele escreveu, que se chamava Muito pelo contrário. Nessa época o Tuba já estava se desfazendo, porque algumas pessoas precisavam terminar a faculdade, nós éramos muito jovens, então alguns terminavam a faculdade, outros casaram, outra menina ficou grávida. O grupo deu uma diluída, mas a gente sempre tinha contato, a gente trabalhava junto com algumas pessoas que eram do grupo, coisas da vida mesmo de cada um, a gente foi cada um partindo para uma história. Bom, aí eu conheci o João Falcão por todos esses trabalhos dele, ele me conheceu também e me chamou pra fazer Muito pelo contrário.  Foi um fenômeno em Recife, a gente lotava os teatros, viajamos duas vezes pelos projetos da Funarte, a gente viajou o Brasil inteiro com esse espetáculo, ganhou um monte de prêmio. 

Foi aí que a minha vida mesmo de atriz deu uma engatilhada, a partir daí eu fiz muitos espetáculos, fiz muitas coisas em Recife, ganhei prêmios. A minha formação é no palco, fiz oficinas, fiz cursos, workshops, trabalhei muito para entender o que era o teatro, para tentar saber o máximo possível, sempre estudo muito, até hoje. Minha formação de atriz é no palco, foi chegar ali e começar a ralar, descobrir, trabalhar com os diretores, meus grandes mestres foram os diretores de teatro CPT, lá do Antunes (Filho), passei, fiquei quase um ano lá estudando, não teve montagem na época, ia ter Medeia, o Antunes começou a ensaiar mas depois desistiu, ele achou que não estava preparado para encenar uma tragédia grega, tanto é que ele montou o Medeia dez anos depois. Isso foi muito engraçado, não quis montar nada, mas pra mim foi riquíssima essa temporada lá no CPT, eu conheci um grande mestre que é o Antunes, a gente trabalhou diretamente com ele, tive aulas com ele, tive aula de tudo que você pode imaginar, de corpo, de voz, aulas de teoria do teatro, a gente discutia sobre filosofia, o Antunes é fantástico. Olha, passar ali pelo CPT é um enriquecimento total para o ator, porque ele é um grande mestre mesmo, e a gente sabe disso, vi todos os espetáculos dele. Então eu sou uma discípula meio que do Antunes, adoro, e foi muito bacana. Isso já foi final da década de 90, porque eu fiquei 12 anos lá em São Paulo, casei, vivi lá durante esse tempo todo, e aí em 98 começa um ciclo novo na minha vida que é o cinema.

MCB: Com o curta Quer tapioca com manteiga, freguesa? (1985).

MA: Não, é um curta do Heitor Dalia, que se chama Conceição.  Porque estes outros eram mais experimentos, umas coisas que eu fiz na década de 80, foi bacana, mas a gente não tinha uma possibilidade de fazer uma carreira no cinema, porque o cinema também não estava bombando tanto quanto foi logo depois daquela fase do Collor, quando veio a retomada do cinema nacional. Começou e a galera de Pernambuco trabalhou muito, o Lírio Ferreira e o Paulo Caldas com oBaile perfumado, o Carlota Joaquina, da Carla Camurati, então começou todo um processo de retomada do cinema. Eu considero que o Conceição foi o início dessa minha vivência dentro do cinema, dessa minha carreira que eu fiz no cinema, que foi muito bacana.

MCB: E quando você chegou em um set de cinema, você consegue lembrar a sensação, tipo, aqui é meu lugar,  ou foi muito diferente, você que vinha do teatro, como foi esse encontro?

MA: Ah, foi muito legal, porque eu sou uma cinéfila, eu sou capaz de assistir cincos filmes em um dia só. Meu marido, às vezes, fica atordoado, “não acredito que você consiga ver cinco filmes”. Eu adoro cinema, era um sonho mesmo fazer cinema, estar ali no set, então aquilo me causa muita alegria. Porque o set, ao mesmo tempo que é muito cansativo, porque como atriz, dependendo de onde é a filmagem, a gente dá uma ralada boa, mas o ambiente é muito legal. Imagina, uma cena que vai durar dois minutos ou até menos, tem 50 pessoas trabalhando em prol daquela cena, é uma loucura, o cinema é um deslumbre absoluto. A minha sensação quando eu chego em um set de filmagem é, eu estou sempre muito nervosa, com medo da câmera, falando “ai meu Deus, será que eu vou passar essa verdade, eu não vou ficar muito exagerada?”. Você tem que estar  sempre ligado no diretor, porque é o cara que vai te dar o tom da cena, se ela é menos, se ela é mais, ou se não pode de jeito nenhum, aquilo tem uma coisa que está ali na cabeça do diretor e que você tem que abraçar ali, a causa total, porque se não você  dança mesmo.

MCB: Como se deu o encontro com o Heitor Dhalia?

MA: O Heitor eu não conhecia, ele começou trabalhando em Recife com publicidade e sempre quis fazer cinema, sempre foi um cara ligado no cinema. Um dia ele resolveu bancar ele mesmo, até com recursos próprios, esse curta que chama Conceição. Ele ganhou prêmios com esse curta. Hoje o Heitor está aí, não é, um grande cineasta, já fez filmes maravilhosos,  O cheiro do ralo,Nina, fez grandes coisas, grandes filmes. Agora vai fazer um filme sobre a Serra Pelada. NoConceição eu conheci o Cláudio Assis.

CB: Antes de falarmos no Cláudio Assis, como foi compor aquela personagem do Conceição?

MA: A proposta do Heitor era assim, são duas prostitutas e o sonho delas era casar, elas querem casar. E aí, em Recife, lá no Morro da Conceição, em Casa Amarela, tem uma estátua enorme de Nossa Senhora, as pessoas vão lá fazer pedidos, as pessoas fazem uma verdadeira romaria. Elas resolvem se juntar com dois caras, que são dois bandidos, que elas nem sabem muito bem se são bandidos, mas elas descobrem que são. Transam com esses caras, bolam de roubar dois vestidos de noiva e elas vão vestidas de noiva pedir para Nossa Senhora da Conceição dar noivos para elas. Só que no meio de tudo isso rola um monte de problemas, porque são dois bandidos, os caras são barra pesada, tinham acabado de sair da cadeia. Compor a personagem foi muito louco porque a gente filmou dentro de um lugar em Recife que era meio um ponto de prostituição, então foi alugado esse espaço. Era um lugar que tinha a ver com a proposta do filme, eu conheci a dona do lugar, é perto do cais do porto em Recife. Ali eu conversei com algumas daquelas mulheres,  sobre a vida delas, elas esperam os navios chegarem ali no porto  para fazerem a festa. Uma vez a gente estava lá e a dona disse “olha, tal hora vocês têm que terminar a filmagem, porque está chegando um navio da Jamaica e hoje eu vou abrir mais cedo. Eu estava sentada lá na porta, de shortinho, uma blusinha amarrada, com o cabelo pintado de loiro, um loiro horroroso. Quando eu estou assim, com a cabeça baixa, estava até descansando, aí quando eu olho, eu vejo um pé, quando eu vou subindo, era um negão de dois metros de altura, os jamaicanos chegando, a gente tinha atrasado a filmagem. O cara olhou para mim e ficou numas assim, daí o cara da equipe veio e disse “olha, isso aqui é um filme, a gente já está saindo”.  Foi um filme bem interessante, eu fiz um laboratório bem legal assim, e compor a personagem também foi ótimo, porque eu e a outra menina, a gente tirava muita onda, começava a falar um tanto de besteira, coisas loucas uma pra outra, e a gente começou a descobrir que elas eram bem assim. O diretor foi brincando junto com a gente, vendo os exercícios e falando “olha, legal, esse caminho é bom”, “cuidado com isso, cuidado com aquilo, não vamos exagerar nisso, vamos tentar buscar um meio termo pra não ficar caricato”. Então a gente foi compondo aquilo e eu acho que resultou num curta muito legal, é um trabalho bem interessante.

 MCB: Você disse que aí conheceu o Cláudio Assis.

MA: O Cláudio faz um dos bandidos no filme, ele fica com a minha amiga e eu fico com o amigo dele. A gente se conheceu e o Cláudio falou “olha, eu estou roteirizando um longa”. Um dia eu vi no jornal que ele iria rodar, eu liguei pra produtora, disse que estava em Recife, que  eu era atriz, e perguntei se eles estavam fazendo testes para o filme. Disse que queria fazer o teste e  marquei com o produtor de elenco. Daí fui lá, fiz o teste, meu teste foi até meio exagerado, porque era uma cena de briga.

MCB: Para o Amarelo manga, não é?

MA: Sim. Como era uma cena de briga eu pensei logo que ficaria exagerado, mas o cara que estava dirigindo o teste disse que não era para se preocupar, que eles iam levar em conta a energia, que eu podia me jogar. Passaram uns dias e eles me ligaram falando que o papel era meu. Engraçado que quem tinha sido cotada para fazer esse papel era a Leona Cavalli, que acabou fazendo um outro papel no filme, até melhor, até mais legal, um papel mais importante. Eu faço a amante do Chico Diaz. A Leona tinha sido cotada para fazer o papel que eu fiz, só que na época ela não pôde, ela ia pro Japão, aí ela foi, resolveu a vida dela, quando ela voltou, ela ligou para o Cláudio e falou que estava de volta, dizendo que se ainda quisesse ela podia fazer. Ele disse que seria para um outro papel porque já tinha colocado uma outra atriz e  que estava indo legal, que ia dar pedal, mas que tinha um outro papel para ela. Eu até ajudei ela um pouco no sotaque, a gente conversava muito sobre isso, porque às vezes é bom você trabalhar só uma coisinha assim do sotaque, do que ficar querendo fazer demais a musicalidade.  Se você bota um detalhezinho, aquilo  já  te ajuda a compor o personagem sem você precisar ficar caricaturando o sotaque.

MCB: A gente vê muito isso nas novelas.

MA: Demais. Agora eu acho que a novela que melhorou muito isso foi o Cordel encantado, ali eles fizeram um trabalho muito legal com os atores, ninguém estava exagerando no sotaque, foi muito bacana.

MCB:  No Amarelo manga você faz a Dayse.

MA: É, a Dayse. Foi meu primeiro longa, a primeira vez que eu pisei em um set para rodar um longa, com um personagem que tinha uma história. O filme ganhou muitos prêmios no Brasil e fora também, Holanda, Miami, Estados Unidos...  O Amarelo manga foi uma grande experiência na minha vida, contracenar com Chico Diaz, com a Dira Paes. Eu falei “meu Deus do céu”, eu morri de medo, mas os dois foram superbacanas, a Dira é minha amiga até hoje, ela é muito legal, e o Chico foi fantástico, ele estava numa fase de muito trabalho. A gente fez um trabalho bacana, foi intenso. Muitas vezes eu ia para o set sem ter cenas minhas, mas eu pedia para o diretor pra ir e dar uma olhada, como que era a coisa toda, porque foi pauleira. Depois do Amarelo manga pintou o Árido movie, que é do Lírio Ferreira. O Árido foi um barato, porque eu fui para fazer uma personagem e acabei fazendo duas. Eu faço uma no início do filme, que é uma cigana, e lá pra frente eu faço a empregada da casa da família, que são os plantadores de maconha. Aquilo ali foi um trabalho incrível, porque eu não acreditei, como um diretor investe assim, não é? Foi a Júlia Moraes, que era assistente de direção e que é mulher do Cláudio Assis, que propôs, ela falou “você não toparia fazer esse papel também não?”. O diretor gostou da ideia e eu pensei que os dois estavam loucos. Deu certo porque é um papel pequenininho, mas ele é marcante, a figura dela é muito forte. O Lírio Ferreira é um superdiretor bacana, astralissímo, a pessoa mais feliz do set é ele, ele só chega mandando beijo para todo mundo. 

Depois veio o curta Eletrodoméstica, do Kléber Mendonça, que foi um grande estouro. É engraçado, o Kléber nunca tinha trabalhado com atores, e no dia que ele me convidou para fazer esse filme, ele olhou pra mim e disse “olha, eu quero te confessar uma coisa, eu sempre trabalhei com não atores, é a primeira vez que eu trabalho com ator, então eu também estou até preocupado, porque eu não quero que você pareça que não é uma atriz, entendeu, mas ao mesmo tempo eu também não quero que você atue de uma forma que fique superatuação, então agente vai ter que chegar em uma coisa”. Eu falei “beleza”. Houve uma coisa pensada dentro do roteiro do Eletrodoméstica. Ele me deu uma dica fantástica, ele falou assim “ olha, tudo que você achar que é engraçado no texto, no roteiro, faz como se não fosse, eu quero que você faça tudo absolutamente normal, como se você não quisesse tirar partido de graça nenhuma, se as pessoas quiserem rir, que riam, se não quiserem, não riam, não é esse o objetivo”. Porque quando eu li o roteiro e ele me perguntou o que eu tinha achado, eu respondi que tinha achado engraçadíssimo. Aí ele falou “cuidado”. Então foi uma dica maravilhosa, e a partir dela eu fui construindo aquela personagem com uma naturalidade que, às vezes, eu até brincava com ele dizendo que era quase uma não atuação, e aí ele falava que a não atuação é atuar, porque você tem que estar com uma consciência muito grande que você não precisa de determinados recursos, que você pode se isentar disso e ser supernatural, é uma opção do ator, é um trabalho de ator. Então tudo isso foi me trazendo esse preciosismo do cinema, de eu entender como que é atuar ali para a câmera, como que é você criar um personagem para a tela, como que é você se relacionar com o diretor de cinema, que é diferente do de teatro.  Porque o diretor de cinema está ali, numa câmera, ou então num monitor, é uma outra visão. Então fui tentando entender  toda essa lógica pirada que é o cinema, e ao mesmo tempo fantástica. Com o Eletrodoméstica  eu ganhei um prêmio aqui em Belo Horizonte, em 2006, do Festival de Curtas, prêmio de Melhor Atriz, ganhei o prêmio de Melhor Atriz no Festival de Pernambuco, ganhei uma menção honrosa no Festival de Maranhão. Foi muito legal, eu sou muito feliz por ter feito esse curta, porque eu acho a linguagem, o formato do curta maravilhosos. É aí que todo mundo começa as suas experiências, começa a jogar as suas ideias, para a partir daí ou partir para um longa, ou não. A maioria parte, vai fazer seus longas, o Kléber acabou de rodar seu longa, eu nem vi ainda, mas que eu acho que deve ser muito legal. Eu fui ver um filme novo em que atuei no Cinema Humberto Mauro, o filme é maravilhoso, eu adorei, vai ser um filme que vai causar, ou as pessoas vão odiar ou as pessoas vão amar, porque o filme é fantástico, fantástico.

MCB: Como se chama?

MA: Chama Família, muito bom, dois meninos daqui de Belo Horizonte, o Guilherme Reis e o Byron O´neal. Fantástico, fantástico, eu fiz esse filme em 2009. 

MCB: É curta ou longa?

MA: É um longa, muito bom, tem uma galera daqui de BH, vários atores daqui. Bom, então depois do Eletrodoméstica, logo em seguida eu fiz o filme do Camilo Cavalcanti, que é Rapsódia para um homem comum, que é muito interessante também, que foi premiadíssimo, um  ótimo cineasta, o Camilo tem filmes lindos, curtas, e agora também vai rodar o longa dele, é pernambucano, maravilhoso demais. Depois vem Deserto feliz, do Paulo Caldas, que é um filme muito bacana. Um papel fortíssimo, com coisas bastante fortes e emoções, remexer coisas lá de dentro da gente, sabe, abuso sexual, prostituição, pobreza, miséria, maus tratos na mulher, muita coisa assim, muito forte. Eu tive que  ir buscar lá dentro, um monte de emoções que a gente tem que trabalhar. 

MCB: É uma mãe meio permissiva, né, porque o marido... 

MA: Abusa sexualmente da menina. E parece que ela sabe, parece que ela sabe, eu também não tenho certeza se ela sabe não, mas eu acho que lá no fundo ela sabe, ela sabe. A gente discutia muito isso, eu e a Hermila Guedes. A Hermila achava que ela não sabe, não sei, porque essas coisas, às vezes, ficam ali, no lixo da família, escondido ali, debaixo de sete capas, sabe, tem uma coisa velada.

MCB: A Hermila está maravilhosa nesse filme.

MA: Maravilhosa, ela é uma superatriz. Eu gosto muito dos filmes dela, ela arrasa no Deserto.

MCB: Vocês todos, porque é um elenco poderoso...

MA: João Miguel, Hermila,

MCB: Tem a participação da Zezé Motta.

MA: Da Zezé Motta, é verdade, tem o menino que é da Paraíba, que é o Servillio (de Hollanda), que faz o pai, que é bom pra caramba, a Nasch Laila, que estava começando, que nunca tinha feito nada, ela tinha feito duas peças de teatro, ela era muito novinha naquela época, mas ela tinha feito uma peça muito bacana, que era Valsa número seis, do Nelson Rodrigues, que foi dirigida por um cara muito bom. Então ela apareceu assim em Recife, as pessoas falavam “olha, essa menina é legal”. E no teste para o Deserto feliz ela foi muito bem, e a gente teve também uma coisa bacana, eu e ela, a gente se conheceu e tal.

MCB: Você já tinha trabalhado com o Paulo, já tinha feito um curta (Chá, 1988), ou estou enganado?

MA: Verdade, na década de 1980, é verdade. É um curta profissa, foi rodado acho que em 16 mm. É um curta legal, foi muito bacana, eu faço uma feminista muito louca, e depois eu faço uma mulher macaco, é absurdo esse filme, é bem realismo fantástico, muito bom.

MCB: O Deserto feliz é muito triste, não é? 

MA: É triste, é muito triste.

MCB: Eu acho um filmaço.

MA: Nossa, aquele filme, foi um mês naquele eixo Petrolina, Juazeiro. A gente ficou ali hospedado em Petrolina, mas íamos filmar também em Juazeiro. A gente ensaiava todo dia, o Paulo só ia para o set quando o filme estava praticamente pronto nos ensaios, o trabalho de ator, ele gosta disso, tem diretor que não. Por exemplo, o Cláudio Assis dá o roteiro, faz uma leitura, conversa com os atores, tudo acontece ali no set. E aí vamos trabalhar, ele consegue fazer a mágica ali. O Paulo Caldas é mais minucioso, ele gosta dos ensaios e permite que  a gente faça o que quiser nos ensaios, porque ensaio é ensaio. Ele fica lá filmando, mas ele diz “vamos tentar tudo, não tem limite não, aqui é a hora da gente descobrir mesmo”. Isso é muito legal. Eu me lembro que eu ensaiei durante três semanas, todo dia, a gente ensaiava de manhã, parava para almoçar, voltava aos ensaios à tarde, e ficávamos até seis, sete horas da noite. Quando terminava os ensaios  a gente ainda ficava batendo boca sobre o filme no almoço, no jantar. Foi mergulho total ali, foi muito, muito interessante. Bom, depois disso eu fui fazer um filme no Rio de Janeiro, chamado Mulheres do Brasil. Da Malu di Martino, uma mulher fantástica. Eu tenho um amigo, o Francisco Acioli, que estava fazendo o elenco para ela, e ele me sugeriu, ela precisava de uma atriz nordestina. O filme se passava na Bahia, o Chico me indicou, eu fui lá e fiz uma leitura com ela. Ela achou bacana e aí nós fomos para o interior da Bahia fazer aquele filme, foi muito bacana, com a Camila Pitanga. É um longa, mas são cinco curtas, são cinco historinhas dentro desse longa, então não é um personagem que vai do início ao fim, ele está ali naquela primeira história. Depois tem outras historinhas, são histórias de cinco mulheres, por isso que se chama Mulheres do Brasil. Uma é com a Camila Pitanga protagonizando, que é a que eu faço, depois tem uma com a Beth Coelho, depois tem uma outra com a Carla Daniel, depois tem uma com a Roberta Rodrigues, que faz uma porta-bandeira, então são várias.

MCB: Nesse episódio está também a Thais Garayp.

MA: Sim, a mineira, maravilhosa, superdedicada.

MCB: Eu acho que ela faz a mãe.

MA: Ela faz a mãe da Camila Pitanga, exatamente, e eu faço a criada da casa, que criou a menina, que praticamente é como se fosse uma babá, uma dinda da menina, quase uma madrinha. Ela criou aquela menina e mora naquela casa, serve as pessoas. O ator que faz o esposo da Thais é um baiano, maravilhoso, muito bacana. A Thaís é uma superatriz, ela está aí fazendo novela, fazendo Globo, teatro.  Depois do Mulheres do Brasil eu dei um tempo, dei uma parada, fui fazer a minissérie Amazônia - de Galvez a Chico Mendes, foi uma dedicação, foram mais de seis meses, sete, oito meses de mergulho ali, naquela história do Acre, fui para o Acre. Depois a gente rodou muita coisa lá no Projac. Fomos para Manaus,  foi uma grande experiência fazer televisão, porque eu nunca tinha feito um papel longo, uma coisa assim, foi uma grande experiência na minha vida. Eu sempre tive medo desse negócio de novela, depois de uma minissérie eu encararia assim fazer uma novela, não vou mais com tanto medo, mas nunca pintou, pintaram alguns convites, da própria Globo já teve algumas possibilidades, da Record também, teve algumas oportunidades, mas não se concretizaram. Talvez até porque eu não tenha essa experiência toda com novela, e também porque apareceram projetos de cinema, eu fiz  Família e depois eu fui fazer o filme do Alceu Valença.

MCB: Você faz o Baixio das bestas.

MA: É verdade, antes de Amazônia eu fiz o Baixio. Nossa, foi fantástico, fantástico, Cláudio Assis de novo na minha vida. Eu estava no Recife antigo, passando em uma rua, e ele estava em um bar tomando uma cachaça. E aí eu vejo aquela pessoa gritando “Magdale!”. Era o Cláudio: “Vem cá, vamos tomar uma cachaça”. Eu falei que tomava uma cervejinha e daí ele me contou que ia rodar o Baixio e que tinha um papel para mim. Eu falei “sério? que ótimo, vou adorar fazer”. E ele “mas olha, só tem papel de puta”. E eu “não tem problema, atriz adora fazer papel de puta, meu amor, você pode ficar tranquilo”. Era um papel de uma prostituta, mas ele acabou remanejando o papel e me botou pra fazer a mãe do Caio Blat, que é uma mãe péssima, horrorosa.

MCB: Que protege o filho.

MA: Que protege o filho bandido, estuprador. O menino é um cão chupando manga, desgraçado. Me encontrei com o Caio agora no Rio na estreia do Xingu, e a gente relembrou as nossas vivências lá do Baixio das bestas, onde conhecemos de perto meninas novinhas que vendem o corpo por cinco reais, elas têm 12 anos, sabe, umas coisas com que você fica passado na vida. O Caio quando saiu de lá chorou de ver a realidade, né, de ver certas coisas que a gente fala “meu Deus, como eu queria poder fazer alguma coisa”. Pelo menos com a minha arte, com o cinema, eu estou pelo menos denunciando, mostrando o que está acontecendo. É preciso se fazer alguma coisa, eu acho que a arte serve para isso, cinema então, tem uma visibilidade, serve pra denunciar essas coisas.

MCB: Aquela personagem é uma mãe permissiva, ela passa a mão na cabeça dele.

MA: Ela passa a mão na cabeça dele, “quer um ovinho frito?”. Ela sabe que o filho é drogado, é estuprador, o cara bateu, matou, ele mata, né?

MCB: Eu me lembro que ele fica lá deitado no sofá. 

MA: É, e ele ainda tinha umas coisas com ela, tratava ela mal, e ela tentando fazer aquela linha família, minha família, eu vou proteger, eu vou encobrir tudo, é horrível. Foi um papel louco que eu tive que fazer com a maior naturalidade do mundo, não podia sofrer com aquilo de jeito nenhum, eu estava ali para aquilo mesmo e pronto. Foi muito interessante, teve cenas que eu fiz que nem entraram no filme, tem coisas que às vezes rola, não cabe na montagem, não rola, sai mesmo do filme. 

MCB: E aí o Família

MA: Depois teve um projeto inacabado que foi um filme sobre Gregório Bezerra, que foi um grande comunista brasileiro, pernambucano, que lutou nas ligas camponesas do Nordeste durante os anos 1930, 40, 50 e 60. Foi preso, arrastado pelas ruas. Ele lutou muito pelos pobres, pelos trabalhadores.  Estava rolando um filme, mas aí teve mil atropelos de produção, teve um acidente no filme que matou um dos motoristas que trabalhava no filme, o produtor executivo do filme faleceu, um filme meio assim maldito. Mas eu acho que um dia o Cláudio Barroso, que é o diretor, ele é de São Paulo, mas mora em Pernambuco há muitos anos, eu acho que um dia ele vai retomar esse filme. A gente ficou muito mal com tudo o que aconteceu, com o processo todo, parou, ele resolveu parar. Foi meio frustrante, fiquei mal, fui para Pernambuco, e aí acabei voltando para cá, fiquei supertriste. Aí apareceu o filme do Alceu Valença, que é o A luneta do tempo. Eu li o roteiro e adorei. O Alceu é maravilhoso, compunha as músicas, fez um roteiro todo em poesia de cordel, rimado, lindo o filme. Fui lá para o interior de Pernambuco rodar o filme, foi fantástico. Eu fiquei felicíssima, primeiro porque eu já conhecia o Alceu, a gente já se conhecia de Recife, adoro ele, ele é pernambucano, aquele jeitão dele. Um ídolo, porque sou fã dele como cantor, como compositor e como artista, o cara é fantástico, um cara sensacional. E no filme muitos atores legais, a Hermila Guedes também está no filme, ela faz uma Maria Bonita ótima, maravilhosa. Eu faço uma mulher de um cordelista, que é um poeta que vive nos bares, bêbado, e ela vai buscar o marido nos bares. O Alceu rodou esse filme durante dois anos, adorei, foi fantástico. 

E aí, é na época do Amazônia, que foi quando eu retomei uma relação de muitos anos atrás com o Fernando Limoeiro, porque a gente se conheceu há muito tempo, eu me casei, ele se casou, e aí depois a gente se reencontrou, ele separou, eu também me separei. Há cinco, seis anos, a gente acabou se reencontrando e resolvemos ficar juntos. Ele tem uma vida aqui em Minas Gerais, é professor, diretor de uma escola, ele tem uma coisa sedimentada aqui. Na minha vida de atriz eu vou para onde o vento me leva, eu já tive empregos fixos, mas resolvi, de um tempo para cá, retomar mesmo e viver da minha arte, do meu trabalho. Ele me propôs vir para Belo Horizonte, que aqui eu poderia prosseguir com o meu trabalho. Belo Horizonte tem um movimento teatral maravilhoso, tem um movimento cinematográfico também bacana, e outras coisas, porque eu também dirijo, dou aula, sou diretora de teatro. Então eu comecei a fazer mil coisas em Belo Horizonte quando eu vim para cá, que foi em abril de 2007, já faz cinco anos que eu estou morando aqui, e durante esse tempo eu não parei de trabalhar, eu fiz muitas coisas, eu dirigi vários espetáculos, uns cinco, dirigi O auto do boi sem estrela, que é um espetáculo interessantíssimo com cegos, dirigi o Circo come-come, que foi um trabalho muito bonito, todos escritos pelo Fernando. Dirigir é um aprendizado muito grande, eu tenho um respeito tão grande pelo diretor, o diretor pode ser assim o pior que for comigo que eu perdoo, porque dirigir é uma coisa muito complicada, é um olhar de fora em que você tem que dizer para o ator a verdade, você tem que jogar limpo com o ator. Às vezes, é duro jogar limpo porque tem atores que têm o ego muito forte, têm uma vaidade danada, sabe, ou às vezes não tem vaidade nenhuma, e aí se fica muito mal. 

Eu estava louca para retomar o teatro, porque a gente quando vem do palco parece que o teatro é o alimento mesmo do ator, é ali onde você recarrega tudo, trabalha o corpo, a voz, o pensamento, as pesquisas, o estudo, tem uma coisa no teatro que é visceral demais. E que é ali ao vivo com o público, ensaios todo dia, discussões, seis, sete, oito, nove, dez horas de ensaio. Ainda que estava fazendo direção, eu estava sentindo falta disso, eu queria voltar ao palco, já fazia mais ou menos uns cinco anos que eu não fazia um espetáculo de teatro. Aí apareceu um teste com o Kaluh Araújo, ele ia montar um Nelson Rodrigues, que é o A mulher sem pecado. Eu fiquei sabendo que ia ter teste e fui. Eu gostei muito do teste do Kalluh, diretor delicado, tem uma delicadeza na direção dele, minucioso, ele vai fundo, ele dirige o ator. Ele tem uma visão estética maravilhosa, eu tinha visto alguns outros espetáculos dele, gostei muito. No primeiro dia que a gente se conheceu a gente se gostou muito, teve muita empatia, ele viu o meu teste e disse “legal, vamos fazer, eu quero que você faça”. Acabou que eu faço dois papéis na peça, um porque uma atriz saiu do espetáculo, ela teve problema de saúde e teve que sair. Foi dez, foi muito legal.  

Bom, então essa está sendo a minha vida aqui em Belo Horizonte, eu adoro a cidade, tenho muitos amigos aqui, conheci as pessoas de teatro, o pessoal de cinema. Agora mesmo eu tive um contato com a produtora do Helvécio Ratton, eles vão fazer um filme e me pediram um material, não sei se vai rolar, tomara que role porque eu acho o Ratton fantástico, ele é um puta cineasta, representa Minas. O filme dele agora vai ser sobre Minas, O caminho dos diamantes, acho que é isso. Vai ser bem bacana entrar nesse coração mineiro, eu adoraria fazer. E aí tem o Byron e o Guilherme, que é um cinema absolutamente experimental, são dois meninos superjovens, que estão começando agora. Quando eles me chamaram para fazer o filme deles, eles não tinham dinheiro, não tinham nada. Foi muito engraçado porque eu precisava fazer um trabalho de edição, um DVD de uns filmes pernambucanos, e me indicaram eles.  Eu fui lá, estava meio sem grana e fui logo perguntando quanto seria, porque essa coisa de edição é muito cara. Ele olhou para mim e falou “escuta aqui, você não é aquela atriz do Eletrodoméstica ? Você não fez o Amarelo manga?”. E aí ele falou “vamos fazer o seguinte, eu estou com um roteiro aqui e eu quero que você leia, se você topar fazer eu faço a edição de graça, não precisa nem de você pagar, mas leia o roteiro, se você gostar eu quero que você faça o filme”. Eu li o roteiro, adorei, a proposta da coisa era muito interessante, é uma coisa bem improvisada, é um improviso todo estudado do filme, todo conduzido, mas improvisado. Eu topei, mas como eu não conhecia nada do trabalho deles, eles me convidaram para voltar à produtora para eu assistir os trabalhos. Eu até pensei “meu Deus do céu, já pensou se eu vejo o trabalho desses meninos e eu acho um horror, o que eu vou fazer da minha vida”. Daí eu fui, eles passaram os curtas, e cada curta que eu ia vendo eu ia ficando mais louca, era cada um melhor que o outro, fantástico, propostas ótimas, a câmera, as atrizes, os atores. Falei que adorei, que eles eram demais e que topava fazer o filme sim. Aí eu fiz esse filme, a gente saía aqui final de semana pra rodar, sem grana, tinha um carro de um amigo, era aquela coisa. Eu vi o resultado do filme, no sábado eles fizeram uma pré-estreia no Cine Humberto Mauro, no Palácio das Artes, convidaram todo o elenco. Eu falei “meu Deus, o que deu tudo isso, o que será que deu?”. Porque eram horas e horas de conversas e improvisações. E aí tem um grande trabalho de edição, porque quem fez a edição do filme foi o Odilon Esteves, ele e o Guilherme Reis. Eu fiquei encantada com o filme, o filme vai dar o que falar, eles querem levar para vários festivais no Brasil, talvez, vai ter um lançamento aqui em Belo Horizonte. Olha, vai dar o que falar, eu acho o filme sensacional, e acho que é umas das melhores coisas que eu fiz, modéstia à parte. Está tão natural, é tão bom, é tão gostoso de ver. Eu amei fazer, sabe, eu estou ali entregue mesmo, foi muito bom, fiquei superfeliz, eu não imaginava que pudesse vir a chegar nisso, o filme é dez, dez. 

E agora, finalmente, tem esses dois filmes que eu acabei de fazer. Um é o O vendedor de passados, do Lula Buarque Holanda, que eu não conhecia, ele é da Conspiração Filmes, é um dos sócios. Eles já me convidaram direto, não teve teste, não teve nada. Ele falou “olha, tem um papel aqui, é uma cena só, mas é uma cena forte, dá uma lida”.  E aí um dia eu fui encontrar com os atores dessa cena, foi ensaio de um dia inteiro, chegamos de manhã e fomos até dez horas da noite ensaiando essa cena para algumas semanas depois a gente filmar. Meu núcleo era a Mayana Neiva, Odilon Wagner e o Lázaro Ramos, que é o protagonista do filme. Mas essa cena era dela, era a minha cena, da mãe da Mayana, esse encontro da mãe com a filha, muito interessante.  É do Agualusa (José Eduardo Agualusa), o roteiro é baseado nesse escritor angolano, um livro fantástico, um roteiro maravilhoso, muito legal, diretor também. Fui para Paulina rodar esse filme. Quando eu saí de Paulínia eu fui direto para o Rio de Janeiro para fazer o Gonzaga de pai pra filho, que é o nome do novo filme do Breno Silveira. Eu fiquei muito feliz, e eu fui muito nervosa, eu fui com um medo danado do Breno. Esse cara é do top dos diretores brasileiros, ele tem um filme famosíssimo, que é o 2 filhos de Francisco, que teve não sei quantos milhões de espectadores, foi um grande sucesso nacional. Ele tinha dito que não queria ficar fazendo biografias, que queria fazer outras coisas, mas apareceu essa biografia, esse filme biográfico entre astros, tem licença poética dentro do filme, tem coisas que estão mais pra ficção do que para a realidade, mas é baseado na realidade. Ele teve acesso a umas fitas que o Gonzaguinha gravou com o Gonzagão, porque eles tiveram um período de afastamento, depois eles se reencontraram. O Gonzaguinha foi pra Exú, no interior de São Paulo, onde o Gonzaga vivia nessa época, e eles tiveram muitas conversas. Tem o Gonzaguinha andando pela estrada e falando estou chegando, estou indo, falando coisas do pensamento dele, e algumas coias que os dois conversavam que estavam guardadas. O Breno teve acesso a esse material e o roteiro é baseado nisso, nessas fitas que ele teve acesso do Gonzaguinha. História muito bonita de vida dolorosa, para mim, que sou nordestina. No dia em que li o roteiro inteiro, a gente fez uma leitura, quando terminou meu coração apertou, eu chorei, várias pessoas na mesa, vários atores choraram, mesmo quem não tem essa referência tão forte do Luiz Gonzaga  ficou comovido com o texto, sabe, porque o texto é lindo. 

É uma história emocionante, assim como é o 2 filhos de Francisco, porque mesmo pessoas que não curtem música sertaneja, não gostam desse estilo de música, não gostam desse tipo de música sertanejo romântico, se emocionaram. É a história de duas figuras, dois brasileiros, que lutaram, que batalharam, chegaram ao topo, então é uma história linda, e tudo que eles viveram, passaram. Eu chorei com o 2 filhos de Francisco. Então foi bacana porque o Gonzaga tem super a ver comigo pela coisa de ser Pernambuco, até conhecer um pouco da história dele, as músicas todas, aquilo faz parte da minha infância. No São João em Pernambuco, desde que a gente é pequenininha, a gente canta as músicas dele, é direto, todo mundo aprende a cantar Asa branca, todo mundo aprende aquelas músicas do Luiz Gonzaga. E o Gonzaguinha é um mito brasileiro porque ele virou uma coisa esplendorosa, né? Então eu faço a Helena, que é a segunda mulher do Gonzagão, que foi a mulher com quem ele viveu uma boa parte da vida dele, depois que morreu a Odaléia, que era a mãe do Gonzaguinha. A Odaléia morreu, ele casou com a Helena, ele não podia ter filhos, e um tempo depois ele acabou adotando uma menina que chama Rosinha, que foi registrada como filha dele com a Helena. A Rosinha está viva, acompanhou este processo todo do filme, conversou com o diretor, teve todo o contato com o pessoal. Eu não a conheci, eu só conheci a esposa de um dos filhos de Gonzaguinha, porque ela faz uma participação no filme, ela faz uma repórter num determinado momento, aí eu a conheci. Eu sei que o Gonzaguinha morou aqui em Minas, porque ele foi casado com uma mineira, tanto é que aquela música, ...ele tomou um banho de água fresca no lindo lago do amor..., ele fez porque ele morava ali na Pampulha, então ele fez ali pra Lagoa da Pampulha, nessa época, década de 80, eu acho, por aí. 

A história é linda, e eu faço a Helena, a Helena já mais velha, já com 50 e poucos anos de idade. A Roberta Gualda faz a Helena jovem, com 20 e poucos anos. Aí tem um ator que faz o Gonzagão com 20 e poucos anos também, e o outro ator fazendo o Gonzaga com quase 60 anos, já numa fase bem difícil da vida dele, de doença, de um acidente em que ele perdeu um olho, teve uma cicatriz no rosto, teve um problema nos olhos, tanto é que ele cantava com os óculos escuros, aqueles óculos Ray Ban, meio amarelado. A Helena viveu muitos anos com ele, tiveram essa filha, a Helena nunca teve uma boa relação com o Gonzaguinha, porque o Gonzaguinha ficou sem a mãe muito jovem, porque a Odaléia morreu com tuberculose muito jovem. Acho que ele tinha quatro anos de idade quando a mãe morreu, ele era bem novinho e foi criado pelos padrinhos, então ele não tinha uma boa convivência com a Helena, a Helena não gostava dele, eles tinham uma relação péssima. Toda essa fase do crescimento do Gonzaguinha, da relação com a Helena, é com a Roberta Gualda. Quando chega a minha fase já é outro Gonzaguinha, que é o Gonzaguinha já com 35, 30 e poucos anos de idade, já no auge do sucesso. A primeira cena do filme é uma cena que ela vai pedir para o Gonzaguinha ajudar o pai, então era uma cena muito delicada porque eles tiveram mil problemas durante a vida. Quer dizer, eu já peguei o barco andando, então eu tenho que trazer aquela carga toda para essa cena, uma carga que eu tenho que estudar e ler muito, porque eu não vivi aquilo nem vi nas filmagens da Roberta, então eu teria que vir com essa carga, nessa cena, foi uma cena delicada, bonita. O Breno, nossa... Eu acho bacana isso, porque o Breno faz assim, existem os preparadores de atores, que eu acho superlegal, mas quem dirige mesmo o ator na hora da cena é o diretor, é o cara que está ali com o roteiro na câmera, vendo tudo. Então o preparador de ator é importantíssimo, com o preparador a gente experimenta, descobre coisas, discute, fala, fala, fala, estuda junto, vê frase por frase, tenta buscar, é maravilhoso ter esse trabalho, que foi com o Sérgio Penna, que é um superpreparador de ator. Ele preparou o Heleno, com o Rodrigo Santoro, e tantos outros, ele é um dos grandes preparadores de atores. Eu tive alguns contatos com ele para ensaio, a gente fez ensaios com ele, superlegal, isso é bacana. Mas na hora da direção mesmo, da câmera, a hora que vai rodar, ali o diretor mesmo, pontuando, dando o tom da cena, discutindo com o ator, buscando. É o diretor quem define o que é aquela cena, o que é aquela sequência. Foi muito legal, o Breno é um puta diretor, estou  superfeliz. 

Agora estou esperando as novidades do espetáculo A mulher sem pecado, a gente vai para o Rio de Janeiro, a gente vai fazer o FIT (Festival Internacional de Teatro de Belo Horizonte). Vou esperar notícias de outros filmes que estão por vir também, mais dois, se Deus quiser. E uma direção também de uma peça do Plínio Marcos, que talvez eu vá dirigir. Então tem um monte de projetos pela frente, eu não estou parando, eu não paro, eu não consigo parar. A minha vida é engraçada, às vezes eu falo “ai, eu queria dar uma parada, ficar um mês em casa de pernas pro ar”. Mas não tem como, tem que trabalhar mesmo, a gente tem que ganhar dinheiro, trabalhar, se sustentar, porque a vida do ator é isso aí. 

MCB: Agora pra finalizar, as únicas duas perguntas fixas: qual o último filme brasileiro a que você assistiu? 

MA: O último filme brasileiro a que eu assisti, foi A hora e a vez de Augusto Matrága  (Vinícius Coimbra).

MCB: Qual mulher do cinema brasileiro, de qualquer época e de qualquer área, você quer deixar homenageada na sua entrevista?

MA: Olha, tem tantas atrizes do cinema nacional que eu admiro... Eu admiro muito a Fernanda Montenegro, eu acho que ela representa, de uma forma tão linda, o nosso cinema. É uma mulher tão digna dos trabalhos dela como atriz, ela já foi indicada ao Oscar, que pena que ela perdeu pra Gwyneth Paltrow, eu fico inconformada com isso. Não que a Gwyneth Paltrow não seja uma grande atriz, ela é, mas a Fernanda está muito fantástica no Central do Brasil, pelo amor de Deus. Então a minha homenagem é para ela, a Fernanda é a deusa, minha grande homenagem é para a Fernanda Montenegro.

MCB: Muito obrigado pela entrevista.



Entrevista realizada em 2012.






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Sala 
 Sala Dina Sfat
Atriz intensa nas telas e de personalidade forte, com falas polêmicas.