Ano 20

Jussara Calmon

Jussara Calmon nasceu em Colatina, Espírito Santo, em 17 de fevereiro. Filha de família circense - sua mãe atuou no circo - tem uma infância difícil e foge aos 12 anos para a capital capixaba: “Eu fugi de Colatina, o livro (a biografia Jussara Calmon, Muito Prazer, de Fábio Fabrício Fabretti) fala sobre isso, eu fugi de Colatina quando eu tinha 12 anos. Fui para Vitória dormindo em navios, fiquei pelas ruas um tempo e depois eu conheci uma amiga que me levou pra casa dela, foi daí que eu comecei a fazer história. Eu morei em Vitória bastante tempo, depois eu fui para o Rio de Janeiro”. E ela comenta sobre esse período: “Meu pai sempre muito violento, bebia e chegava em casa bêbado. Mas por que eu saí eu não tenho uma resposta exata pra te dar, porque eu acho que foi realmente pela condição de vida, né? Porque também eu era praticamente criança para adolescente, com 12 anos, eu tinha o sonho de sair pro mundo, ser artista, entendeu? Eu me ofereci em circos pra eles me levarem, enfim, eu queria ganhar o mundo, eu acho”.

Jussara Calmon é uma atriz cuja vida parece roteiro de filme: “Eu fui pra um bordel em Nanuque, tinha uns 14 anos, foi lá que eu praticamente fui vendida, né, fui sem saber. Quando o cara descobriu que eu era virgem, ele me botou em uma outra casa, porque ele não podia ficar com uma menina menor e virgem em casa, porque todo mundo comentava que tinha uma virgem. Depois ele mesmo arrumou uma pessoa pra mim, essa pessoa eu pensei que fosse o homem da minha vida e não era, depois que fui descobrir que, na realidade, foi o negócio que foi feito, enfim”.Felizmente, ela supera essa condição, torna-se bailarina de shows, viaja pelo mundo, vira uma das musas do carnaval carioca, torna-se atriz de teatro, da televisão e do cinema.

Depois de alguns filmes no Rio de Janeiro, Jussara Calmon é uma das protagonistas do primeiro filme de sexo explícito lançado no cinema brasileiro, o marco sensação Coisas eróticas, de Raffaele Rossi, na Boca do Lixo, em São Paulo: “Apesar de ter a coisa ali do sexo, era tudo familiar, era ele, a mulher dele, o filho, hoje o Edu, que na época era um rapazinho, menino ainda. Então era aquela coisa ali, família, o câmera era amigo, o outro não sei quem, enfim, era uma pornografia familiar”. O filme, um clássico do gênero, não estigmatiza a atriz, que desenvolve depois dele carreira em outros filmes, no teatro e em novelas da Globo.

Jussara Calmon conversou com o site Mulheres do Cinema Brasileiro por telefone, de sua casa na Noruega, onde vive com o marido, em março de 2013. Ela falou sobre sua trajetória, os momentos difíceis na vida, a superação, a carreira no carnaval, no teatro, na televisão e no cinema, os filmes em que atuou, o marco Coisas eróticas, a biografia que lançou, Jussara Calmon: Muito Prazer, o filme que pretende fazer a partir dela, e outros assuntos. 


Mulheres do Cinema Brasileiro: Você nasceu em Colatina, no Espírito Santo, não é isso? 

Jussara Calmon: Sim.

MCB: Eu sei que você teve uma vida difícil, uma infância difícil. Você é de uma família que veio do circo, sua mãe trabalhava no circo, não é isso?

JC: De uma família circense, de uma família mineira, minha mãe foi adotada quando bebê ainda por essa família. Ela já tinha um dom natural, ela tocava vários instrumentos, era contorcionista, trapezista, tocava violino, aprendeu sozinha, já nasceu com o dom, já nasceu artista. Mas, infelizmente, ela teve que parar porque ela achou que tinha encontrado o grande amor da vida dela e saiu do circo. Porque naquela época, e até hoje, existe uma lei no circo que quando a mulher arruma uma pessoa de fora, normalmente ela sai. Quando é o homem do circo não, ele traz a mulher. Normalmente, a mulher nunca traz o homem para o circo, não é muito bem aceito. É uma lei deles.

MCB: Já começa aí também a sua veia artística, você aprendeu alguma coisa de circo, não é isso? 

JC: É, aprendi sim, mas nunca pratiquei, eu tenho um irmão que pratica, ele aprendeu, ele faz teatro de rua. Mas eu não, eu fui logo para o teatro, cinema e televisão mesmo.

MCB: Como se deu essa passagem, por que você sai de Colatina e vai para a capital?

JC: Na verdade, eu fugi de Colatina, o livro fala sobre isso, eu fugi de Colatina quando eu tinha 12 anos. Fui para Vitória dormindo em navios, fiquei pelas ruas um tempo e depois eu conheci uma amiga que me levou pra casa dela, foi daí que eu comecei a fazer história. Eu morei em Vitória bastante tempo, depois eu fui para o Rio de Janeiro.

MCB: Quando foi isso? 

JC: Eu fui para o Rio já no final dos anos 70, em plena ditadura. 

MCB: Você fugiu de Colatina pela questão com o seu pai?

JC: Meu pai era muito violento, ele era alcoólatra, era uma vida infernal que a gente tinha. Eu acho que foi isso, eu não tenho muita lembrança não, foi até muito difícil escrever essa parte do livro porque eu não tenho muita lembrança. Eu tenho lembranças das dificuldades, o que eu fiz, fui babá cedo, com oito anos eu já trabalhava em casa de família. Meu pai sempre muito violento, bebia e chegava em casa bêbado. Mas por que eu saí eu não tenho uma resposta exata pra te dar, porque eu acho que foi realmente pela condição de vida, né? Porque também eu era praticamente criança para adolescente, com 12 anos, eu tinha o sonho de sair pro mundo, ser artista, entendeu? Eu me ofereci em circos pra eles me levarem, enfim, eu queria ganhar o mundo, eu acho.

MCB: Você conta também em seu livro uma passagem pelo bordel.

JC: Isso, eu fui pra um bordel em Nanuque, tinha uns 14 anos, foi lá que eu praticamente fui vendida, né, fui sem saber. Quando o cara descobriu que eu era virgem, ele me botou em uma outra casa, porque ele não podia ficar com uma menina menor e virgem em casa, porque todo mundo comentava que tinha uma virgem. Depois ele mesmo arrumou uma pessoa pra mim, essa pessoa eu pensei que fosse o homem da minha vida e não era, depois que fui descobrir que, na realidade, foi o negócio que foi feito, enfim.

MCB: Isso marcou muito a sua vida, Jussara? 

JC: Marcou muito sim, marcou bastante.

MCB: E como você conseguiu reverter a sua vida? 

JC: O meu livro tem uma coisa bacana, porque apesar dessas partes serem muito tristes, né, eu falo que o livro é uma superação, ele fala de superação. Sempre aparecia alguma pessoa, alguém, eu não sei se minha força era maior pra me tirar daquilo ali, pra me levar, entendeu? Eu poderia ser prostituta, sei lá, ou estar morta, estar em um bordel, me drogando, porque eu passei por todas essas fases, entendeu? E não, sempre vinha alguém que conseguia me resgatar, um anjo que me tirava dali. Quando eu lancei meu livro, no Rio de Janeiro fizeram uma reportagem enorme no O Globo, o Mauro Ventura ficou quase duas horas comigo ao telefone, ele não acreditava que eu tinha passado por aquilo tudo e estava assim ainda, em pé, inteirona e tal “isso é ficção, não pode, não, é ficção”. É realidade, é uma realidade nua e crua, entendeu? Então eu consegui sair de todas as situações ruins que eu tive na minha vida, eu consegui sair, é uma coisa que não tem muita explicação, tem coisas que acontecem na sua vida que não sei, parece que tem alguma coisa que te protege, sei lá.

MCB: Agora, quando você vai para o Rio muda radicalmente a sua vida, não é? 

JC: É, quando vou pro Rio muda radicalmente. Mas eu também passei uma fase dura no Rio, eu fui presa. Na verdade, eu fui pro Rio de Janeiro com um cara que eu conheci em Vitória. Depois de morando com ele já há um tempo, eu descobri que ele traficava drogas. Ele foi preso e eu fui presa junto com ele, essa fase foi na época da ditadura, no final dos anos 70. Eu vi torturas, isso tudo está no livro, conto no livro essa história. 

MCB: Você foi torturada? 

JC: Não cheguei a ser torturada, mas eu apanhei. Porque o coronel se encantou por mim, ele quis um caso. Eu não fiquei presa, fiquei em um quarto como se fosse um, tinha uma cama e um lavatório, enfim. Eu fiquei em uma área que era militar, era da aeronáutica na época. Eu fiquei ali, então toda noite ele vinha me visitar, aí daí, quer dizer, foi uma troca, né?

MCB: Você ficou quanto tempo presa? 

JC: Eu fiquei de 10 a 15 dias, duas semanas, por aí.

MCB: E como que começa a carreira artística? O que te projetou foi o carnaval, não é isso? 

JC: Foi o carnaval que me projetou. Eu conheci uma menina, eu falo dela no meu livro, que me levou. A Vereni era modelo e quando eu fui fazer eu conheci uma senhora muito importante no Rio, que me ajudou muito, a fazer a Socila, na época. A Vereni era modelo e já era do carnaval, era amiga do Viriato Ferreira, que já morreu, o Viriato veio do Teatro de Revista. Ela me apresentou ao Viriato e foi aí que eu comecei a trabalhar com o Haroldo Costa, logo em seguida, foi daí.

MCB: No Teatro de Revista?

JC: Não, o Haroldo tinha um grupo chamado Brasil Canta e Dança, a gente viajou praticamente o mundo inteiro com esse grupo.

MCB: Isso foi quando Jussara? 

JC: Foi em 1980, 83, por aí. Até durou bastante, viajei muito com eles, trabalhava, era na época do Hotel Nacional, no Rio. Depois fazia shows pelos hotéis e viaja muito pelo mundo inteiro. 

MCB: E já era como atriz? 

JC: Não, eu era bailarina. Aí depois logo veio o convite para cinema, para teatro.

MCB: Só recuperando um pouco: no carnaval você também tem destaque grande nesse momento, não é?

JC: Tenho, destaque grande, era musa do carnaval, uma das primeiras a sair com os peitos de fora, junto com a Monique Evans. Foi mais ou menos nesse período, a Luma de Oliveira...

MCB: Era na Beija-Flor? 

JC: Eu saí em várias escolas, eu saí na Beija-Flor mas não só nela, saí na Portela, enfim, saí em várias, duas, três escolas ao mesmo tempo. 

MCB: Você disse que viajou para vários lugares do mundo com o grupo do Haroldo. Curioso isso, você imaginava, na sua vida anterior, que você chegaria a esse ponto? Claro que além da sua força de vontade, da boa sorte, da ajuda de pessoas, mas porque é uma mudança bem radical, não é? 

JC: É uma mudança radical, eu não esperava não, realmente foi assim uma coisa, que como te falei, foi acontecendo, as coisas foram acontecendo na minha vida sem eu programar. Por exemplo, naquela época eu tive um caso com o Robert de Niro. Hoje, se uma menina tem um caso com um cara desse, ela está em todas. Na nossa época não tinha isso, não tinha, eu recebi 30 telefonemas, depois é que fui para a cama com ele. Quer dizer, hoje não existe isso mais, a menina que vai atrás do cara. Na época saiu na imprensa, saiu na Manchete, mas não porque eu queria, a gente não tinha essa coisa de hoje, de correr atrás da mídia, a mídia é que corria atrás da gente, era diferente. Então não tinha uma assessoria por trás, que falava “você tem que fazer isso, tem que fazer aquilo”. Então as coisas na nossa época iam acontecendo, entendeu? Ia surgindo. Claro, aparecer em revista e era bom, né, porque daí você poderia fazer outras coisas, mas a gente não corria atrás, as coisas foram acontecendo. 

MCB: Como acontece o cinema? 

JC: Eu estava fazendo teatro e aí me convidaram para uma participação no filme Luz del Fuego, com a Lucélia Santos, lembra? 

MCB: Sim, do David Neves. 

JC: Isso, David Neves.  Fui fazer como uma bailarina, ela dançava com as cobras no teatro e eu fazia uma das bailarinas. Tem no youtube, não dá para me reconhecer porque eu era muito novinha ainda. Então foi ali, foi o meu primeiro filme, com o David Neves. Depois teve a volta do Teatro de Revista, eles tentaram fazer a volta do Teatro de Revista, eu comecei a fazer.

MCB: Você se lembra qual era o nome do espetáculo?

JC: Não me lembro, são vários, fiz mais de 10 espetáculos com eles, com o Ankito - Tem pimenta na abertura - , com o Grande Otelo. Eu produzi uma peça também, foi uma das últimas peças que o Grande Otelo participou - Oh, que delícia de negras -, trabalhei com a Henriqueta Brieta por muito tempo, viajei muito tempo pelo Brasil inteiro.

MCB: E aí você faz essa participação no Luz del Fuego.

JC: Aí depois do Luz del Fuego veio o convite pra fazer o Coisas eróticas.

MCB: Antes, vamos só falar um pouquinho mais sobre o Luz. Como foi para você estar no cinema? Era diferente ou já era uma continuidade da sua carreira, e, para você, já normal?

 JC: Para mim foi normal, primeiro porque eu sempre fiz curso de dança, dança folclórica, eu fazia jazz. Então na realidade eu fui ali como bailarina, o que eu já era, eu já trabalhava com o Haroldo Costa nesse período. Então eu fui chamada para fazer praticamente uma coisa que eu já fazia, entendeu? Eu não tive um diálogo, uma coisa assim com a Lucélia Santos. Dali, por incrível que pareça, começou a surgir outras coisas, foi dali que eu comecei a conhecer pessoas do cinema, ligadas ao cinema. Eu fazia teatro de revista que era ali... como é que chamava? Beco da Fome. Era meio parecido com a Boca do Lixo de São Paulo, na rua Álvaro Alvim, onde tem o teatro Rival até hoje. Então ali se reuniam as pessoas de cinema na época, e como eu já trabalhava ali, eu comecei a conhecer pessoas do cinema, foi aí que foi surgindo. 

MCB: E aí você chega ao Coisas eróticas.

JC: É, mas antes de eu fazer o Coisas eróticas eu fui chamada pra fazer o Longa noite do prazer. Não...

MCB: Do Afrânio Vital?

JC: Não foi o Longa noite do prazer não, antes o Afrânio era assistente do Milton Alencar Júnior, foi o Escalada da violência, do Milton. Que era do José Louzeiro (argumento e roteiro, com Milton Alencar). Nessa época, o Afrânio Vital era assistente do Milton Alencar. Depois ele me chamou para fazer o Longa noite e um outro filme que ele escreveu especialmente pra mim, como é o nome do filme? 

MCB: Estranho jogo do sexo?

JC: Estranho jogo do sexo, isso. Mas aí o que aconteceu? Eu fui pra São Paulo. Quando eu fiz o filme do David Neves eu conheci uma pessoa que era da Embrafilme, sabe essas pessoas que se diziam descobridoras de talentos? Ele me levou para São Paulo, Eurídes da Silva, ele era distribuidor da Embrafilme, ele trabalhava com esse pessoal de cinema. Foi ele que me apresentou pro Raffaele Rossi.

MCB: Era bem diferente essa forma de produção lá no Rio, e aí você chegando em São Paulo, uma outra cidade, em que você não vivia. Como foi isso para você naquele momento? 

JC: Foi estranho sim porque eu ia muito a São Paulo, depois eu fiquei indo muito a São Paulo, mas aí filmava lá e vinha embora, voltava pro Rio. As produções do Rio de Janeiro eram mais bem cuidadas, né, não sei. O Afrânio é um intelectual, o Milton Alencar também, enfim, são essas pessoas, tem uma diferença. A Boca do Lixo era uma produtora de cinema, produziu vários filmes por mês, aquele filme mais rápido, que vai ali e faz, e em uma semana já está pronto, já foi.

MCB: Eu gosto do Afrânio e dos filmes dele. E também o Afrânio fez história, um diretor negro dirigindo longas naquela época.

JC: Exatamente. 

MCB: Então você participou desse momento importante aí também.

JC: Participei, a gente é super amigo, ele tem filmes em vários festivais, ganhou vários festivais, na Argentina, enfim. Foi uma pessoa muito importante na minha vida, o Afrânio, negro, intelectual, de uma delicadeza, um outro olhar, enfim, uma coisa bem interessante. O Cristiano Requião também, que também conheci na época do Afrânio. A gente conversa, meu livro vai virar filme, a gente está escrevendo um roteiro.

MCB: É ele que vai dirigir, não é?

JC: Quem vai dirigir é o Cristiano Requião, ele está em Portugal agora com o filme dele, o Um outro olhar. É um intelectual também, uma pessoa que entende muito de cinema, enfim. 

MCB: E ai você conhece o Raffaele Rossi.

JC: Ai eu conheci o Raffaele. Eu fui pra São Paulo para conhecer o Raffaele, eu não sabia do que se tratava, fui levada “ele está precisando de atriz e vou te levar lá, e tal”. Eu fui, eu nem sabia, fui pra São Paulo praticamente sem saber o que era o filme.

MCB: E como foi fazer o Coisas eróticas? Que é o filme marco do...

JC: É um filme que foi visto, dizem, né, que foi visto por quase 12 milhões. Na época foi um filme visto por muita gente, né, pessoas não só do público comum, mas também intelectuais que estavam interessados em ir ali, o Hugo (Moura), que fez agora o documentário sobre o Coisas eróticas, não sei se você já viu no Youtube... 

MCB: Sei quem é.

JC: Ele fala das pessoas importantes que foram assistir ao filme na época por curiosidade.

MCB: Você tinha noção que estava participando de um momento histórico?

JC: Não, não tinha noção, aliás, ninguém tinha noção, né, ninguém sabia que o filme iria fazer esse sucesso todo.

MCB: E era difícil por ser filme de sexo explícito? 

JC: Foi bem difícil. A gente foi pra Campinas, porque foi filmado em Campinas, em um sítio de um amigo da mulher do Raffaele, porque naquela época ninguém tinha dinheiro, a gente fazendo na casa da família da mulher do Raffaele Rossi. A gente não tinha dinheiro, a gente filmou nessa casa, um sítio, uma casa legal com piscina e tudo. O set de filmagem foi todo feito ali, a minha participação foi toda feita em Campinas, porque no filme são três episódios, eu faço um episódio.

MCB: A relação com o Raffaele foi boa? 

JC: Foi, foi boa, porque apesar de ter a coisa ali do sexo, era tudo familiar, era ele, a mulher dele, o filho, hoje o Edu, que na época era um rapazinho, menino ainda. Então era aquela coisa ali, família, o câmera era amigo, o outro não sei quem, enfim, era uma pornografia familiar.

MCB: Isso não te impediu de trabalhar em outros filmes de outros gêneros e na televisão também, mas...

JC: Não. Esses dias eu dei uma entrevista para aquele canal Sexy Hot. Aí a menina falou “ah,  você é uma atriz...”. Não, não sou uma atriz pornô, eu sou uma atriz que participou de um filme, é diferente, porque depois, logo depois desse filme, eu fui pra Globo, eu fiquei 10 anos na Globo, fiz teatro, fiz outros tipos de filmes, fui fazer os filmes do Afrânio, fiz muitas coisas.

MCB: Agora isso é curioso, não é, porque muitas atrizes,por exemplo, muitas musas da Boca do Lixo, injustamente, não conseguiram dar depois sequência à carreira, de certa forma ficaram marcadas, o que eu acho uma bobagem. Você transitou por outros modelos de trabalho, enfim, o que você pensa sobre isso?

JC: Eu acho que as atrizes da época também fizeram coisas, é que não deram continuidade. A Helena Ramos, por exemplo, ela foi a rainha da pornochanchada da Boca do Lixo.

MCB: Ela fez Guerra dos sexos, na Globo?

JC: Pois é, fez novela, ela era muito amiga do autor, como que se chama o autor? 

MCB: Sílvio de Abreu. 

JC: Então, quer dizer, não sei. Eu era uma atriz mais de cinema, então é aquela coisa, é atriz de cinema, não vai dar muito certo em TV, entendeu? Não sei, mas eu acho que é forte, entendeu? Cada um tem um seguimento, acho que elas tiveram também. A Nicole (Puzzi) esteve na Boca do Lixo e fez coisas maravilhosas também.

MCB: Mesmo na Boca do Lixo tem coisas maravilhosas, né?.

JC: É, também, filmes do Khouri (Walter Hugo Khouri), que eram muito bem feitos. 

MCB: Porque a Boca do Lixo é um momento muito importante do cinema e fez tanta coisa. Tanta coisa diferente e as pessoas acabam vendo uma coisa só, não é bem assim, ali a gente tem grandes filmes, grandes diretores, grandes atrizes.  Na sua carreira no cinema você tem também alguns trabalhos com o Ary Fernandes, que é um cineasta importante. Como foi trabalhar com ele? 

JC: Ah, eu adorava ele, era um paizão, eu adorava o Ary Fernandes, pessoa boníssima.  Chegava a menina lá e não tinha onde dormir e ficava lá, dormia no escritório dele, ele acolhia, ele ajudava, pagava um prato de comida, enfim, era uma pessoa de um coração enorme, além de um diretor. Sempre foi muito honesto com tudo que eu fiz com ele.

MCB: Na Boca você também trabalhou com o Conrado Sanchez,(A menina e o estuprador). 

JC: Trabalhei com o Conrado, trabalhei com o Galante, fiz dois filmes com ele.

 MCB: E naquela época Jussara, vocês, as musas, vocês conviviam?

JC: Não, porque eu era do Rio de Janeiro, entendeu? Então eu ia a São Paulo, fazia o filme e voltava pro Rio de Janeiro, eu não tinha muito contato com São Paulo assim diretamente. O que eu acho que não foi muito bom pra mim, eu poderia até ter morado em São Paulo, teria sido até melhor pra minha carreira, não sei.

MCB: Você nunca quis ficar em São Paulo porque o resto da sua vida estava no Rio? 

JC: Porque eu tinha minha vida no Rio de Janeiro, eu fazia teatro no Rio, eu tinha minha vida, eu tinha minha casa no Rio de Janeiro. Eu ia e voltava, ficava em São Paulo, filmava, e voltava pro Rio, ficava indo e voltando. 

MCB: Mas no Rio também você fez cinema.

JC: Fiz sim, bons filmes.

MCB: Tem o Rio Babilônia, do Neville D´Almeida.

JC: Fiz o Rio Babilônia, do Neville, eu fiz um filme, Amor demais, que era do... Como é o nome dele? Depois até mudou o nome do filme, eles mudavam o nome do filme e você acaba perdendo. Agora nessa época, na pesquisa para o livro, eu lembrava de um nome e o filme era outro. Eu fiz coisas interessantes no Rio de Janeiro também.

MCB: Como foi seu trabalho na televisão? Você fez algumas novelas.

JC: Eu fiz, a primeira novela foi uma participação na A gata comeu, depois eu fiz uma empregada na novela em que a Vera Fischer fazia a Jocasta, lembra-se dessa novela? 

MCB: Mandala.

JC: Mandala, eu fazia uma empregada. Depois eu fiz Meu bem, meu mal, fiz Despedida de solteiroSonho meuA maldita, que foi uma série (uma Caso Especial), fiz muitas coisas lá.

MCB: Você gostava de fazer televisão? 

JC: Eu gostava. No início eu tinha um pouco de medo, porque como eu era muito de cinema eu aprendi a técnica de cinema. A televisão é um pouco diferente, é mais rápido tudo, você não tem tempo pra nada. No cinema você tem muito tempo de curtir ali o que você está fazendo, mas é legal também.

MCB: Você falou que ficou dez anos na Globo, não é isso?

JC: É, entre um ano e outro, um contrato e outro, foram dez anos.

MCB: E depois não continuou mais?

JC: Não, porque depois começaram a mudar as coisas, as pessoas que você conhecia começaram a sair, aí foi ficando meio complicado. Eu comecei a viajar também pra fora do Brasil, e enfim, casei, fiquei 13 anos morando com uma pessoa, que era produtor da Bandeirantes. Depois a gente se separou e comecei a viajar, aí foi ficando complicado. Mas eu quero voltar, se tiver alguma coisa pra eu fazer eu estou de volta. 

MCB: A primeira novela que você fez você foi convidada ou foi teste? 

JC: Na verdade, quando eu fui pra Globo eu já tinha feito algumas coisas na Manchete. E já tinha feito algumas coisas com Os Trapalhões, então eles já tinham um conhecimento ali. 

MCB: Na Manchete você fez o quê, Jussara? 

JC: Na Manchete eu fazia um programa de humor.

MCB: Agora voltando para o cinema: você também trabalhou com o Francisco Cavalcanti.
 
JC: Trabalhei.

MCB: Como foi a relação com ele? 

JC: Foi ótima, muito bom, como que era o nome do filme que eu fiz com ele? 

MCB: Ivone, a rainha do pecado.

JC: É, Ivone, a rainha do pecado, que está sempre passando no Canal Brasil. 

MCB: Você vive agora na Noruega?

JC: Sim.

MCB: Porque você se casou, não é?

JC: Casei, estou morando aqui já faz doze anos. Mas fico muito no Brasil, agora mesmo eu fiquei três meses aí.

MCB: Você lançou o seu livro, inclusive.

JC: Lancei o livro no meio do ano, fiz a Bienal de São Paulo. Agora em dezembro eu fui também, meu irmão também faleceu e aí eu fiquei mais um tempo, porque meu pai não está muito bem de saúde. Eu voltei agora, acabei de chegar daí.

MCB: E é também da área cultural?

JC: Quem?

MCB: Seu marido.

JC: Não, não tem nada a ver.

MCB: Você não trabalha na área aí? 

JC: Trabalho, logo quando eu cheguei aqui eu comecei a trabalhar, eu dou aula de dança para crianças, para o Estado.

MCB: Quando foi que você chegou aí? 

JC: Tem 12 anos que eu moro aqui, 2001, 2002, por aí. Eu dou aula pro Estado, para crianças das escolas, aulas de dança. Eu estou de licença sem vencimento porque como eu lancei o livro, eu tirei um ano, vou tirar mais um ano agora, pretendo ficar dois anos de licença sem vencimentos.

MCB: Eles conhecem sua carreira de atriz?

JC: Pois é, conhecem sim. A gente está tentando ver se lança o livro aqui, porque a gente fez umas coisas aqui. A imprensa traduziu um pouco, saiu muito na imprensa, o pessoal está curioso pra saber. Estamos tentando uma editora aqui para lançar no norueguês. Vamos ver se a gente consegue o filme, porque na realidade o filme começa aqui, o filme vai começar do final do livro, porque a gente vai começar a filmar aqui, uma coprodução, entendeu?

MCB: Vocês já têm data de quando vai começar? 

JC: Não, o projeto já está pronto, a gente está mandando traduzir pro inglês. pra ficar mais fácil, nós já entramos na Lei de Incentivo do Espírito Santo. Eles têm uma Lei de Incentivo para o cinema, para falar do Estado, e como eu falo muito de Colatina, Vitória...

MCB: Foi o Cristiano Requião que te procurou? 

JC: Eu fui convidada pra assistir à estreia do filme do Cristiano, que se chama Um outro olhar, lá no MAM, no Rio de Janeiro. Aí eu dei meu livro pra ele, a gente começou a conversar. Todo mundo que lê o livro fala que dá um filme, que a história é bacana. A gente começou a conversar, ele trabalha com o Saulo, que é produtor também, que tem uma produtora.

MCB: É o Saulo Moretzsohn? 

JC: É. Então a gente está entrando nas leis de incentivo para conseguir, acho que em Vitória a gente vai conseguir um patrocínio bom porque a gente fala muito de Vitória.

MCB: O Saulo produziu um filme lindo, o ultimo do Alberto Salvá, o Na carne e na alma. Jussara, você falou que vem bastante ao Brasil. Você sente muita falta daqui ou está completamente adaptada aí?

JC: Não. Eu gosto da Noruega, entendeu? Mas eu sinto muita falta do Brasil, muita falta, eu não me adapto ao clima, isso já está constatado pelos médicos, eu fico aí, fico boa, eu chego aqui e já fico doente. O problema é o clima, você não se adapta, não consigo me adaptar ao clima. Cheguei aqui pensando que ia pegar o verão, eu fiquei três meses no Brasil, e cheguei e peguei neve, está nevando pra caramba, a gente já quase chegando no verão aqui e a neve caindo, impressionante. Eu queria realmente voltar a morar no Brasil, eu pretendo fazer isso, pelo menos agora eu quero ver se faço assim, eu fico seis meses no Brasil no verão, no inverno daqui, que é o verão daí. 

Tem grupo também de show aqui, de samba, que a gente faz bastante coisa, bastante show.

MCB: E do cinema, você manteve muitos amigos do cinema aqui no Brasil? 

JC: Amigos que eu tenho que ficaram são mais mesmo os diretores.  De São Paulo eu não tenho muito contato com as pessoas, eu tenho mais com o pessoal do Rio. Eu encontrei o Afrânio, encontrei o Cristiano, enfim.

MCB: E das atrizes?

JC: Com a era da internet a gente consegue reencontrar pessoas, aliás, a ideia de escrever foi por isso, tinha muita gente que me procurava, descobrimos sete mil sites. A menina que fez a pesquisa do livro descobriu pessoas querendo saber de mim, foi aí que a gente resolveu escrever o livro.

MCB: E com as atrizes, você manteve alguma amizade?

JC: Não. Da minha época, eu falo muito pelo Facebook é com a Zaira Bueno, ela fez o segundo episódio do Coisas eróticas, né? Eu fiz o primeiro e ela fez o segundo, e o terceiro eu não lembro quem foi que fez. Ela também não mora no Brasil, a Zaira mora em Los Angeles.

MCB: Você sente falta da Boca do Lixo, do Beco da Fome?

JC: Olha eu sinto falta. Antes de eu vir morar na Europa, quando a Boca do Lixo acabou, eu senti muita falta. Sabe por quê?  Porque ali a gente tinha um lugar pra ir, né, a gente sabia que ali aconteciam coisas. A gente ficou meio que desamparado, né, não só eu, os técnicos também, porque ali, por pior que fosse, eles tinham um trabalho, tinham o pão de cada dia. Eu sentia falta sim. Eu ia pra São Paulo e já aparecia alguma coisa pra fazer, já tinha um filme pra eu fazer. Depois a coisa ficou meio espalhada, cada um não tem um ponto certo, não tem um lugar que você vai para encontrar o pessoal do cinema, não tem, não tem mais isso. A Boca do Lixo tinha isso, apesar de ali ser uma mistura, era uma mistura, já na época da prostituição com o pessoal do cinema, mas a gente tinha aquele local ali, a gente sabia que aconteciam coisas ali.

MCB: O último filme que você fez foi qual Jussara? 

JC: O último que eu fiz foi um filme que eu acho que acabou nem sendo exibido, do Célio Gonçalves. O Célio morreu acho que antes do filme ficar pronto. Você chegou a conhecer o Célio Gonçalves, do Rio de Janeiro? 

MCB: Eu não conheci ele não. O filme é A boca do prazer, não é isso? 

JC: Boca do prazer, exatamente, foi um dos últimos filmes que eu fiz.

MCB: Você falou que tem vontade de voltar para cá, então você quer retomar a sua carreira de atriz aqui no Brasil?

JC: Eu queria retomar, até tenho recebido alguns convites, mas eu quero uma coisa mais concreta, entendeu?  Uma coisa concreta mesmo, para que eu possa ficar aí. Eu poderia ir pra aí produzir uma peça, mas eu não quero, eu quero uma coisa mais concreta, que eu tenha uma estabilidade. 

MCB: Entendi. Jussara, para a gente terminar, as únicas duas perguntas fixas do site: qual o último filme brasileiro a que você assistiu?  

JC: O último filme brasileiro que eu assisti foi o do Cristiano Requião, Um outro olhar.

MCB: E a segunda é: qual mulher do cinema brasileiro, de qualquer época e de qualquer área, você quer deixar na sua entrevista registrada como homenagem, alguma mulher que você goste.

JC: Olha, na minha época de cinema a minha musa era a Catherine Deneuve.

MCB: E do cinema brasileiro?

JC: Uma mulher que eu gosto muito é Aldine Müller. Eu acho ela uma atriz empenhada com a arte, ela faz tudo bem, ela faz teatro bem, ela faz cinema bem, eu gosto dela.

MCB: Jussara, alguma coisa que eu não te perguntei e que você gostaria de acrescentar? 

JC: Não, acho que não, acho que está praticamente tudo aí, né, apesar de que está praticamente tudo registrado no livro, quem quiser é só comprar o livro.

MCB: Claro, claro. O livro continua sendo lançado, você falou que agora tem essa ideia de lançamento em outras praças, não é?

JC: Eu já lancei aqui na minha cidade, vou lançar também pra comunidade brasileira, a gente está procurando agora uma editora aqui pra lançar em norueguês, porque eles gostam desse tipo de coisa, fala da ditadura, dessa coisa aí, dessa situação que eu passei no Brasil, morar em rua. Então eu acho que vai ser legal, legal pra mim e pro Brasil. E o filme também, o filme a gente vai correr atrás pra fazer uma coprodução Noruega e Brasil, vamos ver.

MCB: Muito obrigado pela entrevista. 



Entrevista realizada em março de 2013.

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 Sala Dina Sfat
Atriz intensa nas telas e de personalidade forte, com falas polêmicas.