Ano 20

Ana Maria Kreisler

A atriz Ana Maira Kreisler nasceu no Rio de Janeiro (RJ), em 10 de setembro de 1946.  O início da carreira artística é como modelo e em trabalhos humorísticos na televisão: “Eu sei que quando eu comecei a trabalhar,  eu era recepcionista e depois passei a ser secretária de diretoria do banco Mercantil do Brasil, trabalhava lá uma moça chamada Leila Pallut, que era parente do Carlos Pallut, que foi um comunicador de rádio. O filho dele, Ramon Pallut, me conheceu e me convidou, me perguntou se eu não queria trabalhar na televisão como modelo, na época era o Faça humor, não faça guerra. Eu fui, ele  me apresentou para o Pituca, que me entrevistou e me chamou para trabalhar”. Depois faz outros programas, como Balança mas não caiChico City e Moacyr Franco Show, atua em fotonovelas, e chega também a integrar o grupo musical Caras e Bocas, com o qual grava um disco.

Ana Maria Kreisler estreou no cinema em As granfinas e o camelô (1976), dirigido por Ismar Porto. Começa aí uma carreira de muitos filmes no cinema, com produções no Rio de Janeiro, e na Boca do Lixo, em São Paulo, onde é dirigida por cineastas como Jean Garrett, Ary Fernandes, José Miziara e Cláudio Cunha. Com Cunha, trabalha tanto em filmes que ele dirigiu, como também em outros que produziu: “O Cláudio é um doce de pessoa, ele é realmente um encanto, sempre foi muito educado. Era engraçado, fazia muita piada, é muito respeitador, agradável, eu gostei muito de trabalhar com o Cláudio Cunha”. 

A atriz atua também em muitos filmes dirigido por Fauzi Mansur, entre eles o sucesso Sexo às avessas (1982) e o ótimo Sadismo, aberrações sexuais (1982): “Foi nesse filme que eu conheci o Arthur Roveder e foi uma paixão enorme, eu cheguei a me casar com ele. Foi quando eu acabei saindo da carreira, ficamos casados uns oito anos, mais ou menos”. E completa: “Olha só, esse filme foi muito interessante, eu ia gravar e não sabia a fala, eu não sabia nada, entendeu? O Fauzi, praticamente, me dirigiu o tempo todo, ele dizia “fala assim”, eu falava, eu fui uma massa de moldar nas mãos do Fauzi nesse filme, se tem alguma qualidade essa qualidade é do Fauzi”. 

Ana Maria Kreisler abandonou a carreira no cinema na década de 1980, Graduou-se em Psicologia e atualmente trabalha na área. Ela conversou com o site Mulheres do Cinema Brasileiro pelo telefone de sua casa, no Rio de Janeiro, em abril de 2013. Ana Maria Kreisler fala sobre sua trajetória, sua formação, o trabalho na televisão, os filmes em que atuou, os bastidores das produções, a relação com os cineastas e outros assuntos.



Mulheres do Cinema Brasileiro: Para começar, origem e data de nascimento.

Ana Maria Kreisler: Eu me chamo Ana Maria Kreisler Carvalhaes, nasci no Rio de Janeiro, no dia 10 de setembro de 1946.

MCB: A sua formação é em Psicologia, não é? 

AMK: É, eu sou psicóloga, clínica e educacional.

MCB: Come se deu o desejo de ser atriz?

AMK: Olha, foi uma coisa muito interessante. Pequena, eu já apresentava show no final do ano, então a gente cantava, representava na escola, isso na escola primária. Depois aprendi piano, gostava de tocar piano e gostava de cantar. Um belo dia, eu trabalhava em um banco como recepcionista, tinha feito segundo grau, me chamaram para fazer uma capa de revista, na época o nome era Original. Depois me chamaram para fazer uma propaganda de ótica, Ótica Fluminense. Quer dizer, as coisas foram acontecendo na minha vida, eu não procurei.

MCB: Isso foi em que ano?

AMK: Não me lembro bem não. Eu sei que quando eu comecei a trabalhar,  eu era recepcionista e depois passei a ser secretária de diretoria do banco Mercantil do Brasil, trabalhava lá uma moça chamada Leila Pallut, que era parente do Carlos Pallut, que foi um comunicador de rádio. O filho dele, Ramon Pallut, me conheceu e me convidou, me perguntou se eu não queria trabalhar na televisão como modelo, na época era o Faça humor, não faça guerra. Eu fui, ele  me apresentou ao Pituca, que me entrevistou e me chamou para trabalhar. Eu continuei trabalhando no banco durante algum tempo e fui, inclusive, morar na casa do Carlos Pallut, que era muito mais perto, nessa época, minha mãe morava na Ilha do Governador. Comecei no Faça humor, não faça guerra, na TV Globo, e as coisas foram acontecendo. Depois eu fui em um programa de televisão do Flávio Cavalcanti, tinha um concurso de Miss Objetiva, eu entrei nesse concurso e ganhei, só não me lembro em que ano foi, acho que foi em 74. Então a Tupi me chamou para trabalhar em São Paulo, toda semana ia para lá, fazia  a mãe do Ferrugem em um programa, enfim, e também comecei a cantar. Tinha alguns números que eram musicais e aí eu cantava, sempre gostei muito mais de cantar do que de representar, até que gravei um disco pela Capitol, a gente fez um grupo chamado Caras e Bocas, era eu, Michele, a Loyde, e uma outra moça de quem, nesse momento, eu não me lembro o nome.

MCB: Antes de entrarmos na música, eu quero recuperar um pouco o que disse atrás. Você falou que começou  trabalhando no Faça humor, não faça guerra, e que a Tupi também te chamou. Quando você chegou à televisão foi difícil esse trabalho ou você se sentiu em casa? Te despertou  interesse, era isso mesmo que você queria?

AMK: Olha ,o meu primeiro trabalho foi na TV Globo, eu fiquei na TV Globo de 71 até 74, mais ou menos. O primeiro programa foi o Faça humor, não faça guerra, depois foi o Balança mas não cai, no qual faço meu primeiro trabalho de atriz. Depois, no Chico City, eu ganhei um papel fixo como namorada do Beleza. Fiz também o Moacyr Franco show. Quando eu cheguei na TV Globo, que eu comecei a fazer, trabalhar como modelo, a sensação é que eu tinha encontrado minha turma. Eu sempre me senti uma pessoa fora do mundo, uma estranha, Carrie, a estranha (personagem de filme homônimo de Brian de Palma). Ali parecia que eu tinha encontrado realmente a minha família, eu me sentia muito à vontade, muito à vontade com as pessoas. É lógico que tem muita fofoca, muitas vezes eu me machuquei, porque eu era muito amistosa e as pessoas, às vezes, confundiam, né? Mas enfim, eu tenho boas lembranças dessa época. Em 74 eu trabalhei como modelo no Canecão, no show Circus, com direção do Augusto César Vanucci. Depois, em 78, eu saí da Tupi porque eles não estavam pagando, na Tupi é que eu comecei a cantar.

MCB: A Tupi em São Paulo, não é? Você saía do Rio para ir para São Paulo nessa época?

AMK: É, a Tupi começou a me chamar, como eu não era contratada, eu trabalhava em regime de cachê, eu saí da Globo para ir para a Tupi. Ali eu já começo a ter papéis melhores, digamos assim, já vou como atriz, cabeça de quadros algumas vezes. Eu fiquei na Tupi até mais ou menos 78.

MCB: Quase no final da Tupi.

AMK: É, justamente, no finalzinho da Tupi, aquela história, não estava mais pagando, aquela dificuldade para a gente trabalhar.

MCB: Você chegou a fazer novela?

AMK: Na Tupi não, eu fiz uma ponta em novela da Globo.

MCB: Foi em Chega mais (1980, Carlos Eduardo Novaes).

AMK: Sim.

MCB: Na Tupi você não fez nenhuma não?

AMK: Não. Aí em 78, quando eu saí da Tupi, eu comecei a fazer filmes, o primeiro que eu fiz foi o As granfinas e o camelô.

MCB: Mas o disco foi antes, não é?

AMK: O disco não, foi depois. Eu cantava nos programas, a Tupi começou a ter alguns quadros musicais e eu cantava, e eu estava gostando muito disso. Bom, depois que saí da Tupi eu fiz filmes, Os amores da pantera (1977), do Jece Valadão, Amada amante (1978,Cláudio Cunha), eu comecei a fazer uma série de filmes. Fiz uma peça de teatro também, com direção do Eloy Machado, que estreou no Teatro Municipal de Niterói. Viajamos, fizemos algumas cidades, São João Del Rei, Belo Horizonte, Brasília, Goiânia.Quem estreou foi a Sandra Barsotti, mas ela não deu continuidade e fui chamada às pressas para substitui-la, tive somente uma semana para ensaiar e estrear, foi uma loucura, mas dei conta do recado, tendo até conseguido um premio de atriz revelação do programa do Ayrton Perlingeiro. 

MCB: Isso foi quando?

AMK: Eu não me lembro direito o ano, eu gravei o disco Caras e bocas pela Capitol em 1978... Agora eu não me lembro, embora eu tenha recebido até um prêmio de atriz revelação com essa peça, mas não me lembro exatamente em que ano foi.

MCB: O teatro foi antes ou depois do cinema?

AMK: O teatro foi junto com o cinema. Na verdade, foi o seguinte. Eu fiz Os amores da pantera, com o Jece Valadão, pela Magnus Filmes, e lá eu conheci o Jayme Barcellos, aliás, eu contracenava com ele. Era a história da Ângela Diniz, eu fazia o papel da alemã, a Gabriela, e contracenava com o Jayme Barcelos. Quando o Jayme montou a peça ele se lembrou de mim e eu estreei no teatro com essa peça.

MCB: Você  disse que estreou no cinema fazendo As granfinas e o camelô (1976), que é um filme do Ismar Porto. Como você chegou ao cinema? Foi um convite, você fez um teste ou ele te viu na televisão? Como aconteceu a sua entrada no cinema?

AMK: Olha, eu também fazia muita fotonovela.

MCB: Que ótimo, fotonovela era uma marca da época.

AMK: Sim, fiz muito fotonovela, então eu tinha essa exposição também através da imprensa. Eu me lembro que eu fui sondada, me disseram que estavam querendo uma loira ou ruiva para um papel em uma comédia. Daí eu fui até o estúdio, onde conheci Carlo Mossy, fui entrevistada por ele, ele gostou, e eu ganhei o papel.

MCB: Que é o da Helena? 

AMK: É, foi o primeiro filme que eu fiz, eu nunca tinha feito cinema.

MCB: Você consegue se lembrar da sensação do primeiro set de cinema?

AMK: Lembro, eu me senti muito à vontade. No filme eu só tive um stress, porque quando eu era garota eu caí de um cavalo e bati a cabeça, não chegou à suspeita de traumatismo craniano, mas eu fiquei meio esquecida alguns dia. No filme eu tive que montar em um cavalo, na época eu fiquei extremamente tensa, porque desde aquela época eu nunca mais cheguei perto de cavalo, embora eu ame animais, amo cavalo, mas eu realmente fiquei assustada. Foi o único momento em que eu fiquei tensa, mas eu me senti muito à vontade diante das câmeras, mais à  vontade do que no teatro, no teatro eu ficava muito tensa antes de entrar, depois tudo bem, mas na hora de entrar era muita adrenalina.

MCB: O filme seguinte é Os amores da pantera ou o O sexomaníaco?

AMK: Acho que foi Os amores da pantera.

MCB: Que você já comentou.  Você faz o O sexomaníaco, que é do Carlos Imperial.

AMK: É, eu fiz dois filmes com ele, mas foram papéis pequenos.

MCB: Como era conviver com o Carlos Imperial, que foi um artista importante no cenário brasileiro, compositor, ator, diretor, apresentador de programa, enfim, ele tem uma interferência grande na cultura brasileira. Como foi trabalhar com ele?

AMK: Eu conheci o Imperial lá no programa do Flávio Cavalcanti, ele era do júri.

MCB: Do famoso bordão "10, nota 10".

AMK: É. Na verdade, ele  começou a me assediar como homem, telefonava e tal, mas eu tratava o Imperial como um grande amigo. Nessa época parece que ele namorava uma moça chamada Ana Paula, que se tornou uma grande amiga minha, trabalhou na Tupi, depois casou com o Hilton Franco. Bom, ele me chamou para fazer esse filme dele, ele continuava fazendo uma certa corte, ele era galante, mas muito irreverente, ele fazia umas coisas  que, para mim... na época era muito fresquinha, sabe? Eu me lembro que um dia ele estava com uma coceira debaixo do braço, estavam na praia eu, ele, o Mário Lúcio Vaz, que na época era muito meu amigo. Ele pegou minha saída de praia e esfregou debaixo do braço. Outra vez eu cheguei lá no estúdio dele e estava lá a recepcionista, eu disse  que queria falar com o Imperial, ela falou que eu podia entrar e eu fui entrando. Chegando lá, ele estava no banheiro, de porta aberta, e eu “eu volto depois, não, não, eu volto depois”, entendeu? Era uma loucura. Depois no Amada amante ele também trabalhou. 

MCB: Que é do Cláudio Cunha.

AMK: É.

MCB: Em que você faz a Aparecida. Eu adoro esse filme.

AMK: Depois eu fiz  O inseto do amor, com o Fauzi  Mansur, e aí eu passei a fazer muito mais filmes em São Paulo.

MCB: Vamos voltar ao  Amada amante. O  Cláudio Cunha, que é um capítulo importante na sua carreira, é, para mim e para muita gente, um grande diretor desse período do cinema da década de 70, ele tem filmes que são bastante representativos daquela época. O Amada amante é um filme que eu gosto muito. Como foi trabalhar com o Cunha?

AMK: O Cláudio é um doce de pessoa, ele é realmente um encanto, sempre foi muito educado. Era engraçado, fazia muita piada, é muito respeitador, agradável, eu gostei muito de trabalhar com o Cláudio Cunha.

MCB: Como foi compor aquela personagem? A amante do patriarca daquela família, não é isso?

AMK: É. Na época eu estava muito envolvida com um rapaz, estava muito apaixonada ,eu saía à noite, ia para a boate com ele e, às vezes, nem dormia e ia para o set para gravar, estava com o cabelo suado e tal. Não foi uma coisa que eu me empenhei e que vivi profundamente, acho que se não fosse a direção do Cláudio eu não teria feito tão bem o papel, se é que fiz bem, entendeu? Porque eu estava muito romântica, em uma relação. De alguma maneira, eu acho que a minha carreira foi prejudicada pelos meus amores. Nesse filme foi uma coisa que aconteceu, eu estava muito apaixonada, ele tinha ciúmes, eu saía muito e ia gravar sem ter dormido, então tinha olheiras, meu cabelo não estava bom, eu estava meio cansada.

MCB: O seu trabalho no filme é tão bonito, eu gosto muito.

AMK: Eu acho que eu poderia ter feito melhor, sabe, hoje, quando vejo o filme, eu percebo que poderia ter feito melhor. Tive um bom resultado e devo isso ao Cláudio.

MCB: Isso no Rio de Janeiro, não é, porque depois você vai para São Paulo.

AMK: Isso.

MCB: Você fez mais algum filme no Rio? 

AMK: Eu fiz também no Rio, mas foi mais tarde, o Consórcio de intrigas (1980), do Miguel Borges, fiz Delícias do sexo (1981), com direção do Carlos Imperial também.

MCB: Mas nesse período aí, quando você vai para São Paulo, qual foi o seu primeiro filme na Boca do Lixo?

AMK: Eu acho que foi O inseto do amor (1980), do Fauzi Mansur.

MCB:  O inseto do amor é um filme muito impressionante porque tem várias musas da Boca no elenco. O filme é uma comédia gaiata e ele chama a atenção porque o Fauzi reuniu várias musas.

AMK: Foi uma filmagem muito rápida, eu filmei tudo em um dia, eu estava até, inclusive, bem bronzeada na época, era uma época de praia, estava bem queimada de sol. Foi muito rápido, foi um contato bom, porque depois o Fauzi me chamou para fazer muitos filmes com ele, tivemos uma boa amizade.

MCB: Foi muito diferente para você esse modelo de produção do Rio para São Paulo? Como foi isso pra você?

AMK: De início eu não via muita diferença não. Eu acho que em São Paulo os filmes eram mais ousados, parecia que a Boca do Lixo tinha uma apelação mais sexual, digamos assim, eles eram mais ousados, no Rio não.

MCB: No Rio ficava mais na comédia de costumes, ainda que tenha o Carlos Imperial, Carlos Mossy, o Victor di Mello, fazendo também filmes mais ousados, não é?

AMK: Isso, mas, por exemplo, o filme que eu fiz com o Mossy é filme pra criança, né? Dei agora até o DVD para a minha neta.

MCB: Sim, é porque mais para frente, na produção dele, ele vai fazer alguns filmes mais ousados. Mas eu entendo o que você está dizendo.

AMK: Aqui, eu gravei o disco Caras e Bocas, em 1978.

MCB: Vamos então falar do disco. Você disse que gostava mesmo era de cantar. Como foi fazer esse disco? Qual foi o resultado dele?

AMK: Olha, foi muito interessante essa época do disco, porque conversando lá na Tupi eu disse assim; “eu gosto tanto desses quadros quando eu canto, eu gosto muito de cantar, ainda vou gravar um disco”. Eu falei isso até pra Michele, na época, e aí, conversando com o Nonato Buzar, na Globo, eu falei dessa minha vontade de cantar. Ele então disse “olha, poderíamos montar um grupo pra fazer frente As Frenéticas, só que seria diferente, seria tipo mulher objeto, de repente com uma coreografia marcada e não sei o quê”. Eu me lembrei do nome da outra garota, era Sandra. Ele já tinha uma menina que queria colocar no grupo, que era essa Sandra, daí conheci a Loyde, que já tinha cantado no Turma da Pilantragem, na década de 1970. Parece que a Loyde era gêmea, ela era filha do Gordurinha, um autor de muitas músicas, inclusive aquela “Eu só ponho bip-bop no meu samba quando tio Sam pegar o tamborim”, não sei se você conhece essa música.

MCB: Claro, conheço muito.

AMK: E tinha outra também, essa era música dele, “eu pedi pra chover,  mas chover de mansinho.”

MCB: Súplica cearense.

AMK: A Loyde e a Michele também compuseram o grupo, éramos superamigas, já tínhamos morado juntas e tal, então era um quarteto. O Nonato Buzar conseguiu a Capitol, que era um selo, ia ser lançado aqui no Brasil como selo independente, a Capitol era, inclusive, a gravadora do Frank Sinatra. Nós fizemos uma entrevista lá com os diretores da Capitol e eles investiram bastante na gente, roupas e tal. Nós pegamos uma música que ia ser dada para As Frenéticas, mas elas não gravaram, então ele pegou a música e levou para que a gente gravasse. Deduziu-se que já tinha passado pela censura, nessa época a censura era muito enjoada. A música é Souvenir de bombons, do Arnaud Rodrigues. Fomos pro estúdio, gravamos, e a música chegou a ser primeiro lugar no Show dos Bairros, da mundial. Nós gravamos  para o Fantástico, a abertura toda era com cenas do comportamento da mulher, esse disco, que era da Capitol, seria a grande atração do Fantástico. Era um compacto pequeno, que tinha só duas músicas, de um lado Souvenir de bombons, do Arnaud Rodrigues, e do outro era Papel e fumaça, do Otávio Augusto, que era primo do Boni, alguma coisa assim.

MCB: Fez esse sucesso todo e vocês não quiseram continuar?

AMK: Aí que está, a gente ia pra rádio, ia em São Paulo, realmente era um sucesso. Apresentamos também no Imperial, que estava com um programa na Tupi, foi um programa que substituiu o Chacrinha, se não me engano.

MCB: Deve ter sido na época em que o Chacrinha foi para a Globo.

AMK: É, acho que foi isso, foi em 78. E aí o que aconteceu? Quem dirigia o Fantástico na parte musical era o Vanucci, ele fez realmente um quadro lindo com a gente, começava falando sobre o comportamento da mulher através dos tempos. Então tinha a década de 20, quem fez, se não me engano, foi a Sandra, depois a década de 40, que foi a Loyde, como  melindrosa,  eu fiz a década de 50, que era aquela mulher tipo violão, a Michele fez a pantera da década de 70, enfim, depois a gente cantava. Essa nossa parte não chegou a ir ao ar no programa, no dia foi um stress, o pessoal da censura começou a ver o vídeo, e quando chegou na hora de cantar, a Michele tinha uns seios fartos, com o decote e ela dançando aparecia um pouco mais o seio. A censura ficou meio irritada com aquilo e começou a prestar atenção na letra, que não tinha nada de absurdo. Daí eles pediram o certificado de censura daquela letra, ligaram para o Arnaud, o Arnaud foi procurar, e no final a música realmente não tinha passado mesmo pela censura, com isso nós não pudemos ir ao ar. Nesse dia o Fantástico terminou 15 minutos mais cedo. Jogaram um balde de água fria na gente, tivemos que voltar para o estúdio, regravar o disco, porque eles cortaram diversos pontos da letra, e com isso a coisa esfriou. Eu tinha uma filha para criar e não podia ficar parada esperando essa coisa do disco fazer sucesso para a gente começar a ganhar dinheiro, foi nessa época que eu volto pra São Paulo e começo a fazer muitos filmes.

MCB: E você abandonou o canto?

AMK: Houve também um certo stress com a Loyde, ela  era realmente a que tinha a melhor voz, a que tinha mais canto vocal, até porque na época eu fumava, e tal. Todo mundo vinha se queixar comigo sobre o comportamento da Loyde, que ela estava querendo ser muito estrela, que ela fazia não sei o que, que ela estava implicando. Daí eu e a Loyde batemos de frente, teve uma situação, nós estávamos até ensaiando uma coreografia nova em Copacabana, tinha um monte de criança que fazia balé, e saiu a discussão. A Loyde falava muito palavrão, muito, e aí  falou um monte de palavrão e com isso já criou um stress. Eu fui conversar com eles e dizer que eu não queria continuar, mas tinha um contrato que tinha que cumprir. Mas como teve também essa situação da Globo, da censura, a gente acabou entrando em um acordo, e assim o Caras e Bocas morreu. Nessa época que eu fico mais em São Paulo, fiz O inseto do amor, depois fiz  Incesto, desejo proibido, do Fauzi Mansur.

MCB: Antes não tem  A força dos sentidos?

AMK:  A força dos sentidos, que eu fiz com o Jean Garrett?

MCB: É, eu acho que sim, porque eu também queria te perguntar sobre o Garrett, porque eu acho o Garrett um dos diretores mais talentosos dessa fase do cinema brasileiro.

AMK: Eu acho que com o Garrett já foi no final, vou te explicar o porquê. Depois do Garrett eu só fiz um filme com o Fauzi. Eu me apaixonei pelo ator, que era o Arthur Roveder, e ele era extremamente ciumento, daí eu só podia fazer filme com ele. Eu o conheci em um filme com o Fauzi... Ah, me desculpe, eu estou confundindo o Garrett com o Juan Bajon.

MCB: O Garrett é do A força dos sentidos, que é um filme com Aldine Müller.

AMK: É, eu confundi, o Garrett era casado com Aldine Müller nessa época, e a produção era do Cláudio.

MCB: Como foi trabalhar com o Garrett, que considero um cineasta precioso? 

AMK: O Garrett era muito dinâmico, né, muito presente, era uma pessoa que sabia dizer o que queria, foi bom trabalhar com ele, foi muito bom.

MCB: Você trabalha também com o Ary Fernandes no Essas deliciosas mulheres (1979).

AMK: O Ary foi muito complicado.

MCB: Foi?

AMK: Foi, muito, muito complicado, porque na verdade eu fiz o Essas deliciosas mulheres, mas quem faria seria a Monique Lafond, parece-me que ela não certou com eles e aí me chamaram. Eu não era a escolha do Ary Fernandes, eu era escolha do Galante, da produção. Ele paparicava as outras atrizes, eram muitas atrizes fazendo o filme, né, e comigo não, comigo ele era muito duro. Então teve uma situação em que nós estávamos em um jardim, em um parque que não tinha um banheiro decente, eu estava menstruada naquele dia, não estava me sentindo bem, e ele exigindo muito de mim. Eu disse que precisava me trocar, que precisava de um lugar para me trocar, e ele “não, porque vamos gravar agora”, sabe, fazendo algumas coisas assim. Eu fiquei realmente muito tensa e foi muito bom porque, de repente, ele foi trocado pelo Miziara, o Miziara foi fazer algumas cenas e foi o que atenuou a tensão que estava havendo entre nós dois. Inclusive, teve uma cena de avião, avião pequenininho, eu estava com um pouco de medo, mas normal, medo normal, de repente ele começou a fazer gracinha, entendeu, soltar parafuso, fazendo coisas para me meter medo mesmo. Ele que estava pilotando, ele era piloto, né, fez um monte de coisa, soltou parafuso, disse que o avião ia cair e levantava, sabe. Foi também outro stress que eu tive com ele e ele rindo da minha cara, eu estava assustada, estava com medo mesmo, o avião pequenininho e ele fazendo um monte de gracinha. Eu não estou acostumada, gosto de avião grande, estável, e ele fazendo rodopios, ficava de cabeça pra baixo, descia, foi terrível, terrível.

MCB: Antes da gente entrar nos filmes com o Fauzi, eu acho que um capítulo especial na sua trajetória é que volta a se encontrar com o Cláudio Cunha, no O gosto do pecado (1980), não é isso?

AMK: É. E no A força dos sentidos também, eu praticamente fui indicada pelo Cláudio, porque a direção era do Garrett, mas a produção era dele.

MCB: Ele gostava do seu trabalho, porque ele tanto te escalava para os filmes dele quanto para os filmes que estava produzindo.

AMK: Com certeza, eu tive uma relação muito boa com o Cláudio, uma relação de amizade, de respeito, uma coisa muito boa, realmente muito boa. Quando eu fui fazer o Amada amante, que foi quando nós nos conhecemos, eu estava muito apaixonada por um rapaz. Foi aí que ele conheceu a Simone (de Carvalho), por quem ele se apaixonou. Ele se casou com ela, e, depois, qual o filme que ele fez com ela, mesmo?

MCB: Sábado alucinante, Profissão: mulher, esses filmes ele fez com ela. No Amada amante você acha que não tinha feito um bom trabalho, como foi no O gosto do pecado? Nesse reencontro com ele como diretor?

AMK: Foi ótimo, no O gosto do pecado, inclusive, eu fiz uma cena pequena, né, eu fiz uma ponta, uma prostituta. Eu fui para São Paulo para fazer essa ponta lá com ele e foi muito bom, eu estava muito tranquila nessa época.

MCB: Tem um outro filme seu que esse eu não conheço, que é o Por que as mulheres devoram os machos? (1980), do Alan Pek.

AMK: Se não me engano, eu gravei com o Fauzi Mansur, direção do Fauzi, era As estranhas da luxúria o primeiro título e depois acho que virou esse outro filme, não é esse não?

MCB: Não. No Por que as mulheres devoram os machos? a Vera Gimenez também atua.

AMK: Bom, eu também não me lembro não.

MCB: Tem também o Tudo acontece em Copacabana (1980), do Erasto Filho.

AMK: Nesse do Erasto, se não me engano, eu fiz uma cafetina, eu acho que foi esse. Eu também trabalhei com duas grandes amigas, ele fez tipo uma sátira da (série) As panteras, aí ele colocou a Michele (Naili) e a Ana Paula (Mendes). A Ana Paula acabou se casando com o Hilton Franco, na época que eu conheci o Imperial ela era namorada do Imperial. Eram duas grandes amigas, nós três estávamos sempre juntas, e foi muito bom trabalhar com o Erasto e com as duas, que eram duas amigas queridas.

MCB: Fiquei curioso para ver esse filme, que eu também não conheço.

AMK: Eu também não tenho esse DVD, mas eu gostaria também de rever porque foi muito bom, foi um filme em que eu me distraí, sabe aquele em que você se distrai? Você trabalha e se diverte.

MCB: É nesse meio tempo que você faz essa participação na Globo, na novela Chega mais, em que você faz a Sílvia, não é?

AMK: Sim.

MCB: Como foi esse trabalho, eles te convidaram ou você fez teste?

AMK: Volta e meio eu ía na Globo, eu e a Michele, a gente ía na Globo tentar alguma coisa. Eu queria muito entrar para as novelas, daí eu consegui esse papel, foi um papel pequeno, mas foi interessante. Foi o papel de Sílvia, ela era falada como noiva do fulano, porque o personagem do Edgar Franco tinha um amigo em São Paulo. Quando revelou-se que ela ia aparecer, fazer algumas cenas, eu fui chamada pelo diretor. Eu já tinha feito o Plantão de polícia, direção do Piá (Luís Antônio Piá), fiz dois episódios, um foi o Caixa de surpresa, e o outro foi Casa do terror, com o Hugo Carvana. O diretor já tinha me visto na Globo fazendo um desses episódios, então ele me chamou e eu fiz o papel, foi pequeno, mas foi interessante, acho que eu gravei dois dias ou três, no máximo, foi muito rápido.

MCB: Você tem um filme com o Fauzi Mansur que eu adoro, que é o Sadismo, aberrações sexuais, aquele filme em que você faz uma mulher que está paralisada na cadeira de rodas, eu adoro aquele filme.

AMK: Foi nesse filme que eu conheci o Arthur Roveder e foi uma paixão enorme, eu cheguei a me casar com ele. Foi quando eu acabei saindo da carreira, ficamos casados uns oito anos, mais ou menos.

MCB: Então o Sadismo foi o último?

AMK: Não, eu fiz outros filmes, mas aí foram com ele, como A noite das depravadas (1981), do Juan Bajon.

MCB: Entendi. Como foi trabalhar no Sadismo, fazer aquela personagem? Eu adorei esse filme, que é a Joana que você faz.

AMK: Olha só, esse filme foi muito interessante, eu ia gravar e não sabia a fala, eu não sabia nada, entendeu? O Fauzi, praticamente, me dirigiu o tempo todo, ele dizia “fala assim”, eu falava, eu fui uma massa de moldar nas mãos do Fauzi nesse filme, se tem alguma qualidade essa qualidade é do Fauzi.

MCB: Essa qualidade é também sua de conseguir, nessas condições, fazer um trabalho tão impressionante. Porque eu gosto muito, eu acho que você está muito bem como atriz fazendo aquela personagem atormentada, eu acho tão bacana aquele personagem, aquela interpretação, eu adoro esse filme mesmo.

AMK: Foi nesse filme que eu conheci o Arthur, foi uma paixão louca. Nesse filme, se não me engano, eu fiquei hospedada na casa de um ator que também trabalhava no filme, era um amigo do Fauzi, nessa época. Também estou falando um pouco da minha vida particular, não sei se te interessa.

MCB: Pode ficar à vontade para falar o que você quiser.

AMK: Não vale a pena, vamos seguir. Teve um filme que eu fiz e que eu gostei muito de fazer, que foi com o Carlos Reichenbach, o Paraíso proibido (1981), uma produção também do Galante, eu fiz o segundo papel.

MCB: O Carlão é outro esteta do cinema.

AMK: É, eu gostei muito de fazer o filme com o Carlos Reichenbach, muito, eu considero um bom filme. Outro filme que eu gostei bastante de fazer foi o Consórcio de intrigas (1980), direção do Miguel Borges, também gostei muito de fazer.

MCB: Como foi a relação no set com o Carlão?

AMK: O Carlos Reichenbach era um intelectual, a sensação que a gente tem é que você não precisar ir muito no chão. Ele era um cara extremamente legal, foi muito bom ser dirigida por ele, era bem diferente dos outros diretores que eu tive, extremamente educado, muito agradável, nunca vi o Carlos Reichenbach da um ataque, berrar, sabe? Uma pessoa muito agradável de trabalhar, foi muito bom trabalhar com ele.

MCB: Você trabalha também com Antônio Meliande no Prazeres permitidos (1982)? 

AMK: Eu não me lembro muito desse filme não.

MCB: Como foi a relação com o Juan Bajon no A noite das depravadas?

AMK: Ele era muito engraçadinho, um amor de pessoa, e nessa época eu fazia filme já com o Arthur. Ele adorava o Arthur também, então era agradável, eu estava trabalhando com alguém que eu amava e o diretor gostava muito do trabalho dele, ele era muito gentil comigo o tempo todo. Eu fiz uns dois filmes com ele, um de episódios, que não me lembro o nome.

MCB: Eu acho que foi o Fantasias sexuais (1982).

AMK: Isso, Fantasias sexuais, isso mesmo. Com o Fauzi é que eu fiz mais filmes, né?

MCB: Você falou, já algumas vezes, sobre a questão da relação com os namorados, com os amores, ter atrapalhado um pouco a sua carreira. Eles tinham ciúmes da questão da nudez? A nudez para você era tranquila nos filmes ou era complicado nessa esfera particular?

AMK: Isso é uma coisa muito interessante. Quem era muito ciumento era o Arthur, ele era extremamente ciumento e era complicado até trabalhar com ele com nudez. A minha relação de nudez com a câmera não era uma relação difícil para mim. O que é muito interessante, porque na praia, em que todo mundo usava fio dental, eu não usava fio dental, eu não gostava, eu tinha um biquíni comportado. Na minha vida social eu era extremamente comportada, mas diante das câmeras eu me despia com facilidade. Lógico que eram pessoas que respeitavam muito, né, é diferente se você põe um fio dental na praia, as pessoas ali, de repente, podem te desrespeitar. Agora no set de filmagem a sua nudez era respeitada, as pessoas que estão ali estão a trabalho, você está emprestando o seu corpo para um personagem e as pessoas que estão ali também estão trabalhando. Eu nunca fui desrespeitada por ninguém, ninguém. Eu pouco me envolvia, praticamente o Arthur foi a segunda pessoa que eu me envolvi no trabalho, porque, normalmente, meus namorados eram fora do trabalho, o Arthur foi a segunda pessoa.

MCB: Você atua também com o Luíz Castillini em A reencarnação do sexo (1981), que é outro nome também importante da Boca do Lixo.

AMK: O Castillini é um carinhoso, é um tímido, ele era uma pessoa que eu até tenho saudades, porque, realmente, ele era muito aconchegante, sabe, aquela pessoa que conversa, que procura sempre com gesto carinho, com amizade, foi muito doce.

MCB: Tem o O prazer do sexo (1981/84), com o John Doo. O John Doo tem também uma passagem interessante pela Boca porque ele também atuava.

AMK: É, eu fiz um papel pequeno, na época, eu aproveitei que estava em São Paulo, já estava no SBT, ou estava na Tupi ainda, não sei. Eu sei que estava em São Paulo e estava terminando um filme antes de ir para o Rio, aí ele me chamou e eu fiquei mais um dia para fazer essa participação, foi também um papel bem pequeno, então não deu nem pra conhecer direito, acho que eu fiz só um filme com ele, né?

MCB: É. Você faz um sucesso com o Fauzi, que é o Sexo às avessas (1982).

AMK: O primeiro título era Estranhas da luxúria. Teve um momento que ele teve que parar de filmar porque a gente ria, começava uma risada louca, tem uma dança com o... Meu Deus, esqueci o nome dele.

MCB: Ênio Gonçalves. 

AMK: Não, não era o Ênio, era o Serafin Gonzalez. Ele estava com uma rosa na boca, era muito engraçado, muito engraçado. 

O que ia te contar era que quando eu conheci o Arthur eu estava namorando o Ênio Gonçalves, foi uma paixão louca e eu acho que magoei bastante o Ênio nessa época, sabe. Eu fiquei muito dividida também. Teve um dia, nessa gravação, que eu passei mal, lembro que bebi muito, que eu estava muito dividida entre os dois, era uma paixão, mas ele era oito anos mais novo do que eu. O Fauzi me alertava “mas esse rapaz é meio complicado, você está em uma fase tão boa da sua carreira, ele vai criar problemas na sua carreira”. O Ênio era um querido, eu gostava muito do Ênio, é uma coisa engraçada, gostar de um e se apaixonar por outro, acabei indo para a paixão, acabei me casando com ele, fiquei casada com ele oito anos. Nessa época é que eu largo o cinema, que eu começo a fazer Faculdade de Psicologia e ele começa a fazer Faculdade de Medicina, a gente estuda. Passamos um aperto danado porque não estávamos trabalhando praticamente e a gente começa a estudar. Eu consegui passar na UERJ. Mas vamos voltar aos nossos filmes.

MCB: Você faz também o Mulheres liberadas (1982), com o Adnor Pitanga.

AMK: Fiz também com o Arthur, nós fomos, se não me engano, para Pernambuco, foi rodado em Pernambuco (foi em Alagoas). Era em episódios, eu fiz um episódio com o Arthur.

MCB: Você faz um outro filme também, que é o Escalada da violência (1982), do Milton Alencar.

AMK: Eu gostaria de ter esse DVD porque nesse minha filha aparece, pequenininha.

MCB: Nesse filme? 

AMK: É, do Milton, eu gostei muito de ter feito esse filme, embora o papel não tenha sido muito grande foi muito bom trabalhar. Engraçado que quando eu fiz o Os amores da pantera, o Milton era assistente de direção do Jece (Valadão). Por isso ele me chamou pra fazer o Escalada da violência.

MCB: Você citou, inclusive, lá no Os amores da pantera, o seu encontro com o Jayme Barcelos, que ele acabou te chamando para o teatro, mas você não falou da sua relação com o Jece.

AMK: Eu fiquei muito amiga da Vera Gimenez, o Jece era um grande diretor, sem dúvida nenhuma, tinha a personalidade muito forte. Mas ele gostava da imagem de cafajeste, então tinha aquela coisa de querer cantar todo mundo, né, e isso atrapalha um pouco. Eu tive uma amizade boa com a Vera, que, inclusive, perdura até hoje, nós duas somos virginianas do mesmo ano e fazemos aniversário, mais ou menos, na mesma data, diferença de dois ou três dias. Ela também gosta muito de animal, então a gente está sempre trocando e-mail por conta disso. Então tinha essa coisa de cantada, era é uma coisa desagradável, muito desagradável, o Jece vinha com umas cantadas, forçou algumas situações, e isso fez com que eu ficasse sempre de pé atrás com ele. Tirando isso, ele foi um grande diretor, foi muito agradável, foi muito profissional, entendeu? Dentro do set de filmagem.

MCB: Tem algum filme que eu não citei Ana, que você se lembra? Porque a minha relação de filmes são esses.

AMK: Olha, parece que você tem até mais títulos do que eu, os que eu tenho aqui. que eu me lembro, são As granfinas e o camelôOs amores da panteraAmado amanteO inseto do amorIncesto, desejo proibido, do Fauzi Mansur, que eu fiz com a Matilde Mastrangi. 

MCB: Esse filme a gente não comentou.

AMK: Fiz com a Matilde Mastrangi, o papel principal era da Matilde, eu fazia, se não me engano, a mãe da Matilde, alguma coisa assim. Não me lembro direito do filme, mas acho que o meu marido gostava da Matilde, por isso o nome do filme.  Fiz o Essas deliciosas mulheres, do Ary Fernandes, A força dos sentidos, com o Jean Garrett, Paraíso proibido, do Reichenbach, o Consórcio de intrigas, do Miguel Borges, que foi muito bom.

MCB: Esse você ia começar a falar e a gente mudou de assunto. Você adorou fazer esse filme, não é?

AMK: Adorei fazer, que delícia trabalhar com o Miguel Borges, é um filme muito bom, com uma produção muito boa, os estúdios eram muito confortáveis, sabe, foi muito bom.

MCB: Continua na sua lista para gente ver se deixamos mais algum.

AMK: Fiz Delícias do sexo, do Carlos Imperial, A noite das depravadas, do Juan Bajon, fiz também o Rapazes da calçada (1981).

MCB: Rapazes da calçada, do Levy Salgado, não é?

AMK: Isso, foi uma participação também pequena, a Lady Francisco também trabalhava nesse filme. Teve também o Nos tempos da vaselina (1979).

MCB: Do José Miziara. Desse a gente não falou, como foi trabalhar com o Miziara, que é outro nome também importante da Boca, nesse filme?

AMK: Eu já conhecia o Miziara porque ele tinha sido diretor da TV Tupi nos programas de humorismo, eu já tinha trabalhado com ele, acho que no Agência me pague. Ele, inclusive, já tinha feito o Essas deliciosas mulheres, do Ary Fernandes, em um momento que houve, digamos assim, uma dificuldade com o Ary. O Miziara entrou pra dirigir, sabe, eu tinha tido um embate com o Ary, o Ary ligou para o Galante e o Miziara foi para lá. O Miziara conversou comigo porque eu estava a ponto de abandonar as filmagens, estava muito irritada, muito irritada. Aí ele foi comigo e dirigiu algumas cenas, ele chegava e dava alguns toques para mim “olha, você está com o rosto contraído, solta a boca, fecha o olho, abre para suavizar um pouco o olhar”. Porque eu estava muito irritada e, graças a ele, fizemos algumas cenas, porque eu era muito geniosa também. Depois que eu fiz Psicologia eu me tornei uma pessoa bem maislight, digamos assim.  O Miziara me chamou para fazer o Nos tempos da vaselina, era também um papel pequeno. A gente já tinha até uma relação de amizade, ele já tinha sido meu diretor em programas humorísticos. E também estava trabalhando com o João Carlos Barroso, que até hoje é um grande amigo meu, é um querido, muito querido mesmo. O Miziara é um diretor extremamente grosso, comigo ele nunca foi, mas às vezes ele dava umas patadas, uns ataques lá no set que amedrontava, porque ele tem um gênio muito forte. Mas ele é muito profissional, extremamente profissional, ele não deixa que a personalidade dele atrapalhe as funções.

MCB: Você disse que trabalhou com o Arthur nesses filmes todos e depois o cinema. Você não quis mais voltar, foi falta de convite, ou porque você fez seu curso e mudou de profissão? O que aconteceu?

AMK: O que aconteceu é que fiquei muito tempo casada com o Arthur, e aí comecei a estudar, fazer Psicologia. Aconteceu também que os filmes, principalmente os da Boca do Lixo, começaram a ficar muito audaciosos, começou a coisa de querer fazer sexo explícito, coisas assim, né? Eu não faria isso, mesmo sendo com o Arthur eu não faria, eu tinha uma formação, tenho uma família e seria muito constrangedor, além do que eu nunca me prostituí, então eu não faria uma coisa dessa. Como que eu vou fazer sexo explícito, transar com uma pessoa que eu não tenho afinidade, que eu mal conheço ou que eu não tenho amor? Sexo para mim sempre foi sexo com amor, eu nunca confundi as duas coisas, sabe, e nunca usei meu corpo para conseguir algum papel ou coisas assim.

MCB: Você não atua mais? 

AMK: Não.

MCB: E não sente falta?

AMK: Sinto. De vez em quando eu sonho, sonho que estou atuando, que estou fazendo algum filme. É muito interessante, eu não sei o roteiro, mas eu estou atuando, eu não sei o roteiro, mas sei qual a fala. Ainda sonho com isso, quer dizer, tenho sonhos que remetem a essa época.

MCB: Mas também você não procurou, não é?

AMK: Não procurei.

MCB: Você trabalha atualmente com a Psicologia?

AMK: Trabalho com Psicologia, dou curso de reiki, sou mestre em reiki. Trabalho com psicologia, trabalho como terapeuta corporal.

MCB: Você tem um trabalho também forte com os animais, não é isso?

AMK: É, isso aí na verdade não é um trabalho porque não é remunerado, é uma coisa de coração, me toma muito tempo, é um desgaste terrível, mas não posso fazer nada com esse amor que sinto, que os animais trouxeram para mim, ele abriram uma parte do meu coração. Pequenininha, eu já gostava muito de bicho, me lembro que pegava bicho machucado na rua, na estrada, e levava para casa, escondia debaixo da minha cama, meu pai levava o bicho de novo para a rua e era um stress danado, eu chorava de mais. Tinha empregadas na época, e para matar galinha tinha que me tirar de casa porque eu fazia um escândalo. Agora, depois de mais tempo, quando eu comecei a fazer Psicologia, eu deixei essa coisa fluir, eu adotei uma cachorrinha de rua e aí esse amor fluiu de uma maneira incondicional, não era só dela que eu gostava, eu comecei a amar todos os animais. O que diferencia o animal que está na rua e do animal que está na minha casa? Hoje eu tenho seis animais em casa, os de casa têm maior comodidade, mas o amor é igual.

MCB: Você vive hoje em qual cidade?

AMK: Eu vivo no Rio de Janeiro, em Várzea Grande, moro em uma casa, tenho quatro gatos e dois cachorros.

MCB: Para a gente finalizar, as únicas duas perguntas fixas do site: qual foi o último filme brasileiro a que você assistiu?  E qual mulher do cinema brasileiro, de qualquer época e de qualquer área, você deixa registrada na sua entrevista como uma homenagem?

AMK: Sônia Braga. Eu acho que a Sônia Braga conseguiu, dentro do cinema, embora tenha feito filmes considerados ousados, mas filmes de muita força, né, como, por exemplo, o Dona Flor e seus dois maridos (1976). Ela atuou dignamente, ela deixou a Globo, foi lá fora, se aventurou para fora do Brasil para fazer filmes. Lógico que tem, por exemplo, a Fernanda Montenegro, que é maravilhosa, qualquer filme da Fernanda que eu assisti ela está sempre maravilhosa. Mas a Fernanda tem um trabalho muito forte também no teatro, é a Dama do Teatro, para mim é hors concours. A Sônia Braga é mais da minha época, digamos assim. Enfim, eu acho que ela fez uma carreira no cinema, ela deixou a televisão para fazer uma carreira no cinema.

MCB: E o filme brasileiro? 

AMK: Olha só, eu não tenho ido muito ao cinema, normalmente vejo pela televisão. Vem um monte aqui na cabeça, mas não sei qual foi o último. Teve, por exemplo, aquele filme do Tony Ramos com a Glória Pires.

MCB: Se eu fosse você (2006, Daniel Filho).

AMK: Se eu fosse você, eu achei muito bonitinho e vi diversas vezes, não foi o último, mas vi diversas vezes, porque volta e meia repete. Gostei, achei que o Tony Ramos estava ótimo, a Gloria Pires estava ótima, me lembrou um pouco esse filme do Fauzi, em que as mulheres tinham um comportamento masculino e os homens um comportamento feminino, e que a gente riu muito durante o filme. Esse tem um glamour a mais que, é, enfim, que é o dinheiro. Gostei demais também daquele filme que retrata aquela coisa do Carandiru.

MCB: Carandiru (2003), do Hector Babenco.

AMK: É, eu achei violento, mas muito bom. Ah, o último filme que vi foi Tropa de Elite (José Padilha) e gostei demais, tanto do 1 como do 2.

MCB: Alguma coisa que eu não te perguntei e que você quer acrescentar?

AMK: Não.

MCB: Muitíssimo obrigado pela entrevista.

AMK: Você me fez fazer uma viagem no tempo, de muito tempo na minha memória, quanto tempo tem isso, meu Deus. Eu vivi muito depois disso, né, muitas coisas ficaram lá para trás e estão meio nubladas. Teve uma situação que eu vou contar agora para você.

Eu guardava, eu tinha um book com todas as minhas fotos, todos os meus filmes, com as fotonovelas, era enorme. Eu estava casada com o Arthur e ele descobriu aquilo, foi uma cena horrorosa, foi uma briga horrível. Teve uma coisa que eu acho que foi muito difícil para mim, mas em prol do casamento, enfim, da família, eu fiz. Ele foi comigo em um lugar que tinha um rio, me fez rasgar todas as fotos e jogar nesse rio, dizendo assim, falando coisas assim “eu abomino essa época, eu não quero mais nada dessa época”. Eu acho que isso causou em mim uma certa dificuldade em relação a tudo isso, então tem filmes que eu realmente não me lembro, eu não me lembro. Você falou de um que eu não me lembrava, mas os outros, Os rapazes da calçada, embora tenha sido um papel pequeno, eu me lembro. Mas teve um aí que eu realmente não me lembro. Acho que isso cria uma ruptura da Ana Maria Kreisler e o nome Ana Maria Carvalhaes, que é o nome que eu uso atualmente, é como se houvesse duas pessoas, uma Ana Maria Kreisler, que fez filmes, que atuou, e Ana Maria Carvalhaes, que é a psicóloga, mestre em reiki, entendeu? Como se fossem pessoas distintas.

Gostaria de apresentar uma outra faceta de minha trajetória, que foi como escritora, pois fui coautora de um livro, Multiplique sua capacidade mental, que teve duas edições esgotadas. Foi publicado pela Madras Editora e também publicado fora do Brasil, em todos os países de língua espanhola, pela Cultural S.A - de Madrid (Espanha), com o título Multiplique su capacidad mental, em 1997.

MCB: Mais uma vez, muito obrigado pela entrevista.


Entrevista realizada em abril de 2013.



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Sala 
 Sala Dina Sfat
Atriz intensa nas telas e de personalidade forte, com falas polêmicas.