Ano 20

Luana Melgaço

A produtora Luana Melgaço nasceu em 3 de maio de 1979, em Belo Horizonte (MG). Graduada em Comunicação Social pela UFMG, tinha interesse em seguir carreira na publicidade, mas durante o curso vê que não tinha nada a ver com a área e escolhe a especialização em Rádio e TV. Ao se formar, começa a trabalhar com audiovisual: “Fui fazer um institucional da Prefeitura de Belo Horizonte, que era semanal, chamava BH da gente. Era um videozinho de três minutos em que eu fazia tudo, tinha um câmera, e eu produzia, editava, tinha o roteiro que vinha ou da Prefeitura ou da agência de publicidade. Nisso eu fui conhecendo Belo Horizonte e acho que foi o meu primeiro contato, de fato, com a produção, de saber resolver coisas, de precisar gravar em tal lugar e criar aquela estrutura, era uma equipe muito pequena”.

O cineasta Helvécio Ratton era um dos sócios da produtora do trabalho institucional, e isso acabou carimbando seu passaporte para o cinema: “Ele me chamou porque eu conhecia a cidade, por causa desse contato com a Prefeitura eu conhecia a cidade toda, eu sabia onde tinha tudo em Belo Horizonte, daí ele me chamou. Na verdade, eu fui para ser assistente de produção do Batismo de sangue, quando eu entrei o filme já estava em andamento, a equipe já estava bem envolvida, só que a produtora era do Rio de Janeiro, ela não conhecia a cidade, tinha uma dificuldade enorme em resolver coisas burocráticas ou lidar com os mapas de transporte. Ele me chamou para ajudar a produtora a se virar, a entender a cidade, mas aí teve um desentendimento entre a coordenadora de produção e o produtor executivo, ela foi embora e eu assumi a função de coordenação de produção”.

Na mesma época é convidada pela cineasta Clarrissa Campolina, que havia sido sua colega de faculdade: “(Ela) me disse que estava sabendo que eu estava fazendo cinema e daí me chamou para trabalhar com eles na Teia. Me disse que ia fazer seu primeiro curta com dinheiro, na época era um dinheiro muito pequenininho, o curta é Trecho, que ia fazer o filme com o Helvécio (Marins) e que queria me chamar para produtora. E aí foi assim, eu saí de uma condição de um filme que tinha 100 pessoas, uma megaestrutura, uma departamentalização do fazer, porque tinha que ser muito organizado, era muita gente, muitos atores, muitos figurantes, e fui fazer um curta em que eram ela e o Helvécio dirigindo, uma turma de sete pessoas. Então eu mudei muito de um registro para o outro e foi uma experiência muito legal, trabalhar com o grande e com o pequeno”.

Luana Melgaço acaba se envolvendo cada vez mais com os projetos da Teia e, por fim, é incorporada oficialmente à equipe: “Teve uma hora que a gente percebeu que não dava para eu ficar me dividindo, era muito estranho isso. De 2008 até 2010 eu comecei a participar muito intensamente das decisões da casa, das conversas, das divisões de tarefas, e aí sim, eu acho que eu me senti parte desse grupo. Foi quando a gente oficializou ‘então vamos oficializar isso, você passa a ser da Teia também, a ser uma integrante da Teia e falar como Teia’”. 

Luana Melgaço participou do lançamento do filme Ventos de valls, de Pablo Lobato, na 16ª Mostra de Cinema de Tiradentes, em janeiro de 2013. Ela conversou com o site Mulheres do Cinema Brasileiro e falou sobre sua formação, sua trajetória com produtora, os trabalhos na Teia e com outros realizadores, os filmes que produziu e outros assuntos.



Mulheres do Cinema Brasileiro: Para começar, origem, formação e data de nascimento. 

Luana Melgaço: Eu nasci em 3 de maio de 1979, em Belo Horizonte. Estudei Comunicação Social na UFMG, me formei em 2000.

MCB: Quando você fez Comunicação já havia esse seu interesse pelo cinema como desdobramento do curso? Você trafegou pela comunicação antes de entrar nessa área de produção? 

LM: Eu entrei no curso de Comunicação Social porque eu queria ser publicitária, eu tinha na minha família dois casos, duas referências de publicitários muito bem-sucedidos, que eram pessoas que eu gostava muito, uma prima mais velha, que é aquela pessoa que você admira, e o meu padrinho. Eu entrei com esse intuito, mas na hora de decidir qual especialidade, lá pelo terceiro período, com todos os trabalhos que realizei na escola, eu vi que eu não tinha nada a ver com publicidade. Nesse período eu fiquei meio sem saber o que fazer, eu escolhi a opção rádio e televisão porque eu gostava de televisão, eu pensava em fazer programa de televisão, mas que não fosse ligado ao jornalismo. Foi isso que eu procurei quando fiz os estágios durante a faculdade, todos foram em TV, mas eu não achava um espaço, principalmente aqui em Minas, que não fosse muito ligado ao jornalismo, em que eu não tivesse que ser repórter ou produtora do jornal. Isso me incomodava um pouco, mas ainda assim escolhi essa habilitação porque ela é que me levaria, eu imaginava, para a televisão. Quando eu me formei eu trabalhei um pouco com TV, em programas em canais locais, ainda não era muito feliz. Fui fazer um institucional da Prefeitura de Belo Horizonte, que era semanal, chamava BH da gente. Era um videozinho de três minutos em que eu fazia tudo, tinha um câmera, e eu produzia, editava, tinha o roteiro que vinha ou da Prefeitura ou da agência de publicidade.  Nisso eu fui conhecendo Belo Horizonte e acho que foi o meu primeiro contato, de fato, com a produção, de saber resolver coisas, de precisar gravar em tal lugar e criar aquela estrutura, era uma equipe muito pequena. Ainda assim eu não estava satisfeita, os colegas da minha turma de Rádio e TV já começaram a trabalhar com cinema, o Léo Barcelos e a Clarissa Campolina, que hoje são meus parceiros de Teia. A Faculdade me fez aproximar de pessoas que depois me levaram para o cinema, mas quando eu estudava não tinha essa dimensão, esse desejo ou essa vontade. Eu me lembro também que em uma das aulas a gente tinha que fazer um vídeo, o professor colocou uma situação e nós tínhamos que fazer um vídeo naquele formato. O meu ficou péssimo, ele me detonou na aula, e aí ele falou assim “por que você não vira produtora? Sabia que não tem produtor aqui em Belo Horizonte, em Minas? Falta produtor, e produtor é muito legal porque tem um campo para ser descoberto, todo mundo acha que vai fazer televisão, vai fazer vídeo, que tem que ser artista, mas não é por aí”. Aquilo, de alguma forma, me tocou, tanto que eu me lembro disso até hoje. Mas acho que foi acontecendo, depois do BH da gente, porque eu fiquei lá uns três anos trabalhando com esses vídeos da Prefeitura.

MCB: Foi em qual período? 

LM: Foi pouco depois que eu me formei, de 2001 até 2005, quando eu comecei a fazer o BH da gente na produtora VT3, que era a empresa que cuidava da parte publicitária e um dos sócios era o Helvécio Ratton. Ele tinha a Quimera, empresa que produzia os filmes, e a VT3, que produzia publicidade institucional, a gente trabalhou junto em uma campanha política e logo depois que ele terminou essa campanha, ele começou a rodar o longa dele, o Batismo de sangue (2006). Daí ele me chamou porque eu conhecia a cidade, por causa desse contato com a Prefeitura eu conhecia a cidade toda, eu sabia onde tinha tudo em Belo Horizonte, daí ele me chamou para ser coordenadora. Na verdade, eu fui para ser assistente de produção doBatismo de sangue, quando eu entrei o filme já estava em andamento, a equipe já estava bem envolvida, só que a produtora era do Rio de Janeiro, ela não conhecia a cidade, tinha uma dificuldade enorme em resolver coisas burocráticas ou lidar com os mapas de transporte. Ele me chamou para ajudar a produtora a se virar, a entender a cidade, mas aí teve um desentendimento entre a coordenadora de produção e o produtor executivo, ela foi embora e eu assumi a função de coordenação de produção. Era um filme muito grande para os nossos padrões em Minas, uma equipe, sei lá, de 100 pessoas, quatro caminhões de luz, de cenário, muita gente, eu não tinha trabalhado nessas condições, então eu aprendi muito ali. 

Quando acabou o Batismo de sangue, a Clarissa (Campolina), que tinha sido minha colega de Faculdade, me disse que estava sabendo que eu estava fazendo cinema e daí me chamou para trabalhar com eles na Teia. Me disse que ia fazer seu primeiro curta com dinheiro, na época era um dinheiro muito pequenininho, o curta é Trecho (2006), que ia fazer o filme com o Helvécio (Marins) e que queria me chamar para produtora. E aí foi assim, eu saí de uma condição de um filme que tinha 100 pessoas, uma megaestrutura, uma departamentalização do fazer, porque tinha que ser muito organizado, era muita gente, muitos atores, muitos figurantes, e fui fazer um curta que era ela e o Helvécio dirigindo, uma turma de sete pessoas. Então eu mudei muito de um registro para o outro e foi uma experiência muito legal, trabalhar com o grande e com o pequeno.

MCB: É curioso porque quase sempre é o contrário, né, você começa do pequeno e vai para o grande.

LM: É, eu acho que tem isso mesmo, porque você tem uma ordem de crescimento logístico, quanto mais experiência você tem, maior é a capacidade de você resolver coisas grandes. Na verdade, para mim foi fundamental ter sido ao contrário, porque com a experiência que eu tive no grande eu consegui ir diminuindo e ter a sensibilidade de entender o pequeno.

MCB: Essa introdução da sua trajetória como produtora, que não foi um campo ansiado no primeiro momento, acabou se desaguando em dois projetos, um longa e um curta, mas além do aprendizado, você já estava feliz como produtora?  Achou sua praia? 

LM: Aí sim, quando eu fui fazer o Batismo de sangue eu mudei, acho que desabrochou em mim alguma coisa, de “é isso mesmo que eu quero fazer, eu gosto de fazer isso”. Então eu fui muito seduzida, de é esse o caminho que eu quero seguir. Eu também não sabia muito como, porque a produção é muito complexa, você tem diversas formas de atuar, você pode atuar de jeitos muito diferentes. Você pode ser um produtor contratado por tempos específicos, você pode produzir arte, você pode produzir cenário, você pode produzir figurinos, você pode produzir logística, pode produzir a logística financeira, então eu ainda comecei a entender o que eu queria fazer dentro da produção, mas eu já entendi que eu queria fazer isso. Diferente da produção que eu fazia antes, do dia a dia de uma publicidade, de um pequeno institucional, que era o que eu fazia no BH da gente, em que você tem uma demanda que é muito imediata, é muito imediatista. Então você não tem um planejamento para construir uma coisa, um produto, um projeto, uma coisa que é maior ali no filme, então é tudo assim, amanhã vamos gravar isso, passou, exibiu, acabou, e no outro dia você tem outro problema. Quando eu trabalhei no longa e no curta era uma construção, a coisa não ficava pronta assim. E foi engraçado que os dois foram lançados juntos no Festival de Brasília, ao mesmo tempo, eu vi os dois primeiros filmes que eu fiz. Na verdade, eu tive uma experiência bem rápida em um outro filme do Ratton, logo depois que eu me formei eu fui voluntária de arte no Uma onda do ar (2002).  Então, de fato, o primeiro filme que eu fiz foi o Uma onda do ar, mas eu não considero muito porque ali eu não entendi que eu queria fazer aquilo, foi tipo “me deixa ver como é isso”. No Batismo de sangue eu já fui contratada como uma profissional, como um talento, tipo “vamos chamar a Luana porque ela sabe fazer aquilo”, então foi por aí. 

MCB: E foram dois filmes de repercussão em seus formatos.   

LM: É, em seus lugares diferentes, filmes bem diferentes, né, linguagem diferente e tal. Eles repercutiram muito juntos, ao mesmo tempo, foram premiados em Brasília, então eu acho que foi muito legal ter vivido isso. Dali pra frente eu alternava muito assim, fazia longas de ficção, formatos mais tradicionais, e intercalava com outros curtas da Teia, que tinha já uma forma própria de produção, equipes menores, eram curtas, com uma relação entre equipes um pouco diferentes, no curta cada um faz várias funções ao mesmo tempo. Eu fiquei alternando isso por um tempo, entre o Batismo e o Trecho, entre 2005 e 2008, acho que eu trabalhei em uns 10 filmes diferentes, alternando assim, de freelancer

MCB: Porque na Teia você era convidada. 

LM: É, eu era convidada, trabalhava em um projeto e quando acabava eu ia embora, fazia outro fora. Trabalhei na Camisa Listrada, lá eu fiz três filmes, o 5 frações de uma quase história (2007, Armando Mendz, Cristiano Abud, Cris Azzi, Guilherme Fiúza, Lucas Gontijo e Thales Bahia), o Fronteira (2008, Rafael Conde),  um curta do André (Carreira), que foi o Oxianureto de mercúrio (2007). Daí voltei na Quimera e fiz o Pequenas histórias (2007, Helvécio Ratton), e depois fiz sozinha, de forma independente, um curta do Marcos Pimentel, que foi o Arquitetura do corpo (2008). Depois o longa da Patrícia Moran (2010, Ponto.Org), que era da Dezenove Filmes, mas que usava a estrutura do Camisa Listrada. Quando terminou eu fiz a Coordenação de Produção do Festival Internacional de Curtas, acho que na 9ª edição. Depois disso a Marília (Rocha) me chamou pra fazer A falta que me faz (2009), na Teia, e, ao mesmo tempo, o Helvécio Marins me chamou para começar o projeto do Girimunho (2011) com ele, ele tinha ganhado uma grana do Filme em Minas para desenvolvimento de roteiro. Então os dois me chamaram para projetos diferentes na Teia.

MCB: Mas com a Marília você já tinha feito o Acácio (2008), não? 

LM: Não. Foi engraçado porque ela me chamou para fazer o A falta que me faz. Eu fui para a Teia, e fazendo A falta que me faz, o Acácio não estava terminado, ela já estava gravado, montado, mas precisava finalizar, precisava lançar, então tinha isso. Daí a Marília disse “já que você está aqui, porque não me ajuda no Acácio também?” Então eu estava na Teia fazendo oGirimunho, o Acácio e o A falta que me faz. O projeto do Girimunho era muito grande e ambicioso do que os que os meninos já tinham feito na Teia, ele tinha uma proposta, uma ideia de coprodução. Já tinha o Paulo Carvalho envolvido na Alemanha, a Sara Silveira em São Paulo. O Helvécio não tinha uma empresa jurídica, porque a Teia não é uma empresa, a Teia é um grupo, é um nome, mas não tem uma relação jurídica. Ele e Clarissa estavam decidindo se iam fazer juntos, se ela ia dirigir, então ele estava passando para ela as coisas, ela já conhecia a região, já conhecia os personagens, mas eles estavam conversando sobre fazerem juntos ou não. Quando eles decidiram fazer juntos, a Clarissa tinha uma empresa registrada, daí resolvemos fazer pela empresa da Clarissa. Inscrevemos na Ancine, fizemos toda a parte burocrática. Tinha os contratos com a Dezenove em São Paulo, a coisa da coprodução, era um projeto que não bastaria se eu fosse uma pessoa convidada, eu precisava me entregar, tinha um investimento a longo prazo grande de trabalho, de entrega, e aí a gente achou que isso só funcionaria se eu fosse sócia dessa empresa, que seria a proponente do projeto na Ancine, daí eu fiquei sócia da Clarissa e da Marília. Então existe a Teia, e dentro dela tem conjuntos diferentes.

MCB: Mas a Teia, além de ser um grupo, é uma produtora?

LM: Ela tem um grupo, que é uma associação sem fins lucrativos, e dentro do grupo você tem três empresas e duas pessoas físicas. Eu fiquei sócia delas primeiro, aí eu sentei com os meninos e disse “então, estou ficando sócia das meninas, vou ser sócia da Clarissa e da Marília”. E eles “mas então você não vai poder mais fazer os filmes que não são da Clarissa e da Marília?” E eu “por enquanto está tudo muito livre, mas eu não sou da Teia”. Eu tinha uma dificuldade porque o grupo já tinha uma trajetória e eu entrar no meio da trajetória não iria fazer sentido, já tinha uma coisa de terem fundado juntos, eu achava que eu não era parte daquilo. Então foi por isso que eu disse que não podia ser integrante da Teia. Em um primeiro momento foi isso. Terminando o Acácio, ainda fazendo o A falta que me faz e eu tentando o Girimunho ao mesmo tempo, Serginho (Sérgio Borges) aparece dizendo que estava com um filme agarrado, que tinha uma grana super pequena, mas que queria muito fazer, e me chamou para trabalhar. Respondi “Vamos fazer, já estou aqui mesmo, vamos fazer esse filme”. 

MCB: Que é o O céu sobre os ombros (2010). 

LM: Sim. Começamos a fazer o O céu sobre os ombros, e, ao mesmo tempo, eu ainda fazendo filmes fora da Teia, curtas do Marquinhos Pimentel, fiz o curta do Gibi (Cardoso), tinha outras coisas fora da Teia, então eu me desdobrava, trabalhava um pouco em casa, lá na Teia, ficava me dividindo.  Teve uma hora que a gente percebeu que não dava para eu ficar me dividindo, era muito estranho isso, de 2008 até 2010 eu comecei a participar muito intensamente das decisões da casa, das conversas, das divisões de tarefas, e aí sim, eu acho que eu me senti parte desse grupo. Foi quando a gente oficializou “então vamos oficializar isso, você passa a ser da Teia também, a ser uma integrante da Teia e falar como Teia”. 

MCB: Isso foi em 2010? 

LM: 2010. O Girimunho foi lançado em 2011, isso foi um pouco depois do A falta que me faz, que foi no fim de 2009, fomos pra Brasília, foi tipo no finzinho do ano, quando começamos a pensar como seria em 2010. Daí resolvemos que essa relação seria de outra forma.  

MCB: E você deixa de fazer produções fora da Teia?

LM: Não, continuo, porque uma das coisas que eu combinei quando eu entrei na Teia é que eu seria igual a eles, porque não existe mesmo uma ligação formal, jurídica ou hierárquica entre os seus integrantes. Então a Clarissa faz filmes com a Alumbramento...

MCB: A Marília fez com a Camisa Listrada.

LM: É, a Marília já tinha feito um filme com a Camisa Listrada, fora que ela, o Helvécio e o Serginho tinham essa coisa de ser júri em festival, de ser curador de mostra, então tem um trabalho paralelo que todo mundo tinha.  Eu passei a ser parte da Teia, mas no mesmo regime de existência deles, não é que um projeto feito pela Teia, obrigatoriamente, é produzido por mim. Então da mesma forma que o Serginho convida a Clarissa para ter alguma função em um filme dele, ele também pode me convidar para produzir.  Tem projetos que não foram produzidos por mim, e eu continuo fazendo os filmes do Marquinhos Pimentel porque a gente tem uma relação muito boa de trabalho, funciona muito bem junto, ele trabalha muito, escreve, aprova muitos projetos, então sempre tem alguma coisa. Os dois últimos filmes dele, que foi o DocTV Horizontes mínimos, e O sopro, que ele está finalizando agora, eu levei para a minha empresa jurídica, não é a Teia, mas ele foi escrito na Ancine e aprovado no DocTV no nome da Anavilhana.

MCB: Que é a sua? 

LM: Que é a minha empresa com a Clarissa e a Marília. Então, de alguma forma, esses dois filmes entraram no dia a dia da Teia, mesmo que ele não seja assinado e realizado pela Teia, ele não é integrante da Teia, mas aconteceu lá dentro.

MCB: Esse modelo de ramificações dos integrantes, de certa forma, traduz o nome Teia, não é?

LM: Acho que total, a Teia é isso e tem que ter ramificações, mas é tão natural. Na época que a gente estava fazendo o livro, a publicação, os designers pediram pra gente fazer um mapa das relações dos filmes e com os grupos de fora, com profissionais de fora. Nós sentamos em uma mesa, pegamos um papel muito grande, escrevemos os nomes de todos os filmes, os nossos nomes e o das pessoas que trabalharam com a gente, e isso foi traçando tanto risco. Porque a brincadeira era assim: cada um ia lá e ligava o seu nome aos filmes, às pessoas com as quais trabalhou, e aquilo ficou uma rede tão emaranhada que não dava para distinguir quem era quem, quem estava fazendo o quê, sabe. Eu acho que realmente traduz porque é isso, o Pablo (Lobato) fezO acidente (2006, com Cao Guimarães) com a Clarissa, que agora acabou de fazer o Odete(2012) com o Ivo (Ivo Lopes Araújo) e com o Luiz Pretti na Alumbramento, o Serginho trabalhou como pesquisador do filme novo do Cao (Guimarães) e do Marcelo Gomes.

MCB: Imagino que isso acaba oxigenando os próprios mecanismos internos, não é?

LM: Eu acho que sim, porque você cria outros parceiros, outras pessoas com as quais você estabelece trocas artísticas de produção, e você traz isso para a sua vivência na Teia.

MCB: O Helvécio saiu da Teia, não é isso?

LM: O Helvécio saiu logo depois do Girimunho, um pouco antes, em 2011, um pouquinho antes do lançamento do Girimunho. Ele pensou que queria outro caminho e colocou isso para o grupo. Em um primeiro momento a gente sentiu um baque, foi uma ausência, ele fundou a Teia, ele é umas das pessoas também que caminhava muito entre os projetos, trabalhava com quase todo mundo ali dentro, mas tudo se ajeita, né, então a gente foi ajeitando e aí acho que equilibrou de novo. Mas é isso, o que a gente tem tentado fazer hoje é fazer esse nome Teia evoluir junto com a relação, porque muda muito as conexões, o contrato de coração que a gente faz, porque não existe um contrato físico, é contrato de coração, de ideias. Tem que ser renovado e isso muda muito de acordo com o momento que cada um está vivendo de trabalho, de envolvimento em projetos do outro dentro da Teia, ou projetos de gente de fora da Teia, ou mesmo projetos individuais. O nosso trabalho com pessoas de fora oxigena as relações dentro da Teia, mas como essas relações elas também mudam muito, não tem um padrão, não tem uma coisa assim “somos isso”, não tem uma definição a gente é assim, a gente trabalha assim. Não existe essa formalidade mesmo, está em constante mudança.

MCB: O cinema brasileiro tem uma presença muito forte de produtoras, de mulher na produção, mas essas produtoras se dialogam no seu trabalho? Ou é cada uma na sua praia?

LM: Eu não consigo dizer assim, falar de forma geral. Eu tenho uma proximidade muito grande com a Sara Silveira, que nasceu pelo Girimunho, mas eu acho que ela cresceu para outras coisas, então a gente se ajuda muito, ela me ajuda mais do que eu ajudo ela porque ela é mais experiente. Mas eu acho que, por outro lado, eu também mostrei para ela, durante o Girimunho, um jeito novo de fazer, uma coisa fresca que ela valoriza muito também. Então eu tenho uma referência, alguém que eu admiro e procuro sempre quando eu não sei fazer algo, que tenho dificuldade, ela e a Maria Ionescu, elas são sócias, são duas referências. E tem a Alumbramento, que é uma produtora, um grupo que também tem coisas muito parecidas com a Teia, a gente tem uma troca muito grande.

MCB: Que é a Carol (Caroline Louise)?

LM: É, a Carol, a gente bate uma bola, isso se consolidou porque eu fui fazer o filme do Alexandre Veras, no fim de 2011. A Carol já estava trabalhando, fazendo os filmes dos meninos, mas ela não tinha experiência de organização, de produção executiva mesmo com grana, e o filme do Ali  foi premiado, tinha um valor de produção e finalização, que era um milhão e duzentos. Eu acho que eles se sentiram inseguros de lidar com aqueles procedimentos todos burocráticos e tal, e aí eu fui para lá, fiquei quatro meses.  Essa troca foi diferente, porque eu me mudei para lá. Com a Teia e com o Marquinhos Pimentel, com ele já são oito filmes e com a Teia são vários, você já conhece muito o outro, você já tem uma zona de estabilidade, são relações que já são muito consolidadas, então eu entendo as questões deles e daí consigo antever os problemas, saber onde eu tenho que atuar ou não. Quando eu fui para o Ceará era total surpresa, um jeito de trabalhar muito diferente, muito por uma personalidade do Ali (Alexandre Veras), que é esse mestre, ajudou a formar todo mundo lá, ele montou a equipe. É um outro jeito de trabalhar, mistura muito as relações pessoais e as profissionais porque é todo mundo muito amigo, mora na mesma rua, sabe, então para mim foi muito legal poder ir e trabalhar de outro jeito. Fui para lá para ensinar um pouco como lidar com situações financeiras, burocráticas, mas, ao mesmo tempo, aprendi a lidar com a produção de um jeito diferente, então isso é muito gostoso. Eu gostaria de fazer isso muitas vezes, mas os projetos da Teia são grandes, cada vez maiores, cada vez mais preciosos, e aí fica cada vez mais difícil eu deixar esses projetos por um tempo tão grande para me dedicar a projetos de outros realizadores.

MCB: É um emaranhado que eu, particularmente, acho um pouco complicado: tem produção, produção executiva, coordenação de produção, direção de produção. A produção agrega todas essas instâncias e você, parece-me, circulou por todas elas, não é?

LM: É, eu circulei, fui assistente de produção, fui coordenadora, hoje eu me identifico mais com a produção executiva e com essa produção maior. A gente pensa assim: produtor é aquele que responde pelo filme tanto quanto um diretor, ele está ali, ele faz nascer esse projeto. E ele não acaba nunca, porque daqui, sei lá, 10 anos, vai ter gente querendo exibir o Girimunho, e aí? Quem responde pelo Girimunho? Então é esse o papel do produtor global, e ali, dentro desse papel global, você tem uma parte que é mais financeira, que é mais executiva, que é a produção executiva. Eu me identifico mais com essas duas, esses dois papeis, eu prefiro não estar tão presente no set de filmagem. Aquelas coisas que são a direção de logística, direção de produção, que é a coordenação de produção, isso eu não tenho, eu acho que não sou tão ágil, como produtora, minha maior qualidade é pensar em um planejamento, saber como equilibrar os profissionais que estão trabalhando, ser uma parceira do diretor para entender o filme que ele quer fazer, pensar o filme, o formato e a estrutura que dialoga com o filme que ele quer fazer e não estruturas que se batem. Isso acontece muito, o diretor quer um filme, a produção quer outro, e a produção não se encaixa. Hoje eu me identifico mais com isso. A Teia é muito pequena, nós não temos um escritório com vários profissionais, então, ao mesmo tempo, eu estou ali escrevendo filme em festival, indo ao correio, organizando papel. De toda forma você tem quer ser versátil e disposto a fazer tudo.

MCB: Nesse momento você está envolvida em quais projetos? 

LM: Lançamos agora o Ventos de valls, então possivelmente vamos buscar uma distribuição, uma carreira em festivais, caminho pra exibição do filme. A Clarissa, o Serginho e a Marília estão escrevendo projetos em fase de roteirizarão, a gente tenta captar recursos em editais, empresas, então são três projetos que estão no começo, em fases bem próximas, e que vão acontecer lá no fim desse ano, no início do ano que vem. E estou terminando dois, um longa e um curta do Marquinhos Pimentel.

MCB: Agora uma pergunta talvez um pouco delicada. Quando você trabalha na produção de um filme, seja curta, seja longa, como você disse, a produção tem que dar essa sustentação junto ao diretor para que o filme aconteça. Quando o resultado de um filme não te agrada, não em termos técnicos de produção, mas como filme mesmo, quando isso acontece, como é se relacionar com isso? 

LM: Tipo se eu não gosto? 

MCB: Por exemplo. 

LM: Eu não deixo a mim o papel de gostar ou não, isso a Sara (Silveira) fala muito, “o filme é teu guri”. O filme é do diretor, eu dou opinião, eu falo o que eu acho, mas a palavra final na escolha artística do filme é do diretor, então eu não me dou esse papel de gostar ou não. Mas é raro eu não gostar porque tem um envolvimento de tanto tempo, você vê a coisa acontecendo, sendo construída, isso me afeta, isso me aproxima, sou convencida das qualidades do filme. Pode até que ser uma coisa ou outra eu preferiria de outro jeito, mas é muito... Na verdade, eu acho que tem um filme que eu não gostei, mas, sabe, isso não é uma questão para mim, é uma resposta, eu fui bem-sucedida nesse trabalho, conseguimos fazer o que o diretor queria, com os recursos que a gente tinha, no tempo que a gente tinha. e com uma resposta positiva, foi um processo bom. Eu acho que o que não é legal é um processo que você termina e foi desgastante, você não consegue trabalhar mais com aquelas pessoas.

MCB: A apreciação da crítica então para você fica em um outro patamar?

LM: Ela não me afeta. Nós exibimos o Ventos de valls e já vimos criticas muito positivas e críticas negativas, me afeta também, de alguma forma eu compartilho daquele sentimento com o diretor, eu não sou indiferente a isso. Mas se ele fez o filme que ele quis... Em alguns momentos, em algumas situações, você tem intenções para mudar o filme, na Teia isso é muito difícil acontecer, os diretores fazem os filmes que eles querem, não tem uma pressão de um distribuidor. por exemplo. No caso do Girimunho, que foram quatro empresas produtoras, Teia, Dezenove, Autentika, da Alemanha, e a Saida, da Espanha, e ainda um agente de vendas francês, mesmo com uma estrutura complexa como essa não teve uma pressão, tipo “o filme de vocês tem que ser assim, vocês estão no caminho”. O Helvécio e a Clarissa fizeram o filme que eles quiseram, tiveram liberdade, o tempo que eles precisaram, e eu acho que isso é que me faz pensar que meu trabalho e que o trabalho em conjunto foram bem-sucedidos.

MCB: Porque tem esse outro modelo também, não é, desse produtor que interfere. 

LM: Tem, tem filme que é de produtor, ele tem o roteiro, ele compra os direitos de um livro, ele tem uma ideia, e aí ele contrata um diretor para realizar aquilo. O diretor está aliado a um contrato com o produtor, que eu acho que é super válido, se as relações são estabelecidas desde o começo é assim, eu acho que é válido e existe.

MCB: Mas eu acho que tem um meio caminho aí também, não é, em que o produtor, de certa forma, também pode interferir, caso esse cineasta permita. 

LM: Eu interfiro também, mas são os nossos processos que me interessam, é do jeito que eu gosto de trabalhar, sem fazer uma crítica, outro jeito, outras possibilidades, porque eu acho que é muito diverso esse mundo. No jeito que eu gosto de trabalhar existe menos hierarquização, são processos mais colaborativos, são longos também, então eu acho que é um jeito de trabalhar. Então eu posso discordar de um jeito como é feito a coisa, e, em alguns momentos, eu vou convencer ou não os diretores que o caminho deles não está legal, mesmo que não seja um caminho artístico, mas que seja de como conduzir um processo, por exemplo. Eu me coloco nesse papel de dizer “olha, eu acho que vocês estão conduzindo errado, não está legal com aquela equipe, não está bem feito isso”. Mas não tem isso de “vocês têm que fazer assim porque sou a produtora”, pois daí eles vão dizer “você tem que trabalhar para resolver os nossos problemas como nós colocamos”. Tem isso também, muitas vezes o diretor é dono da produtora, ele fez o projeto, ele conseguiu o dinheiro, porque ele tem o nome, por exemplo, ele já tem uma trajetória, ele é reconhecido. Quando ele vai fazer, ele contrata o produtor, mas aí o produtor está totalmente ligado, “eu quero que você faça assim, a produção tem que ser feita assim”, ele está ali para fazer de uma forma que o agrade. Nos processos que trabalho, tanto com o Marquinhos como com a Teia, que são os meus parceiros mais constantes, eu acho que é mais colaborativo, é mais uma troca, às vezes um sai mais feliz, mas não tem uma regra.

MCB: Para encerrar, as duas últimas perguntas que são fixas do site: qual mulher do cinema brasileiro, de qualquer época e de qualquer área, você deixa registrada na sua entrevista como homenagem? 

LM: Acho que pela relação eu diria Clarissa Campolina e Marília Rocha, que são parceiras de uma vida, a gente divide não só o trabalho nos filmes, eu admiro muito os trabalhos delas. Somos sócias, somos parceiras, somos amigas, dividimos a TPM, dividimos as dúvidas, as inconstâncias, uma convivência que é longa. Elas são talentosíssimas e me estimulam a trabalhar, sou muito feliz por ter elas por perto, acreditando em mim e eu acreditando nelas também. 

MCB: Qual foi o último filme brasileiro que você viu, sem ser na mostra? 

LM: Talvez tenha sido O som ao redor (2012, Kléber Mendonça Filho), mas eu não tenho certeza se eu vi alguma coisa em DVD. Não, foi o Verônica (Era uma vez, eu Verônica, 2012,Marcelo Gomes).

MCB: Muito obrigado pela entrevista.



Entrevista realizada em janeiro de 2013.


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Sala 
 Sala Dina Sfat
Atriz intensa nas telas e de personalidade forte, com falas polêmicas.