Juliana Rojas
A cineasta e montadora Juliana Rojas nasceu em Campinas, São Paulo, em 23 de junho de 1981. Em 2005, gradua-se em Cinema na USP, com especialização em montagem, roteiro e som. E é na faculdade que começa a parceria com Marco Dutra, com quem vai dirigir vários filmes: “Logo no primeiro ano de faculdade nós ficamos amigos e vimos que tinha afinidades, interesse por filme de terror, por desenho animado, musical. Aí a gente já começou a fazer os primeiros exercícios juntos, e foi meio natural que fosse por esse caminho de ter elementos fantásticos”.
Como conclusão do curso, eles dirigem o curta O lençol branco, filme selecionado para a Sessão Cinefondation, do Festival de Cannes, em 2005. A partir daí, os cineastas terão grande espaço de reconhecimento pelo Festival, como com Um ramo, o curta seguinte que dirigem e que projeta nomes dos dois: “Esse filme foi selecionado para a Semana da Crítica em Cannes e ganhou o prêmio de Melhor Curta. Isso trouxe muita visibilidade para o curta, e quando o filme foi selecionado pra Cannes, a Sara (Silveira, produtora) propôs que a gente já levasse um projeto de longa-metragem. Eu tinha uma sinopse de uma história sobre uma dona de casa que resolvia abrir um mercadinho, chamava-se Um pequeno investimento o nome de trabalho. Mas aí a Sara pediu para trocar o título e eu coloquei Trabalhar cansa, porque, na verdade, é o nome de um poema do Cesare Pavese, que é um escritor italiano que eu gosto muito. Eu acho muito interessante como título porque trás uma ironia, né, é óbvio que trabalhar cansa. Então a gente foi com essa sinopse e foi muito importante a repercussão do curta para chamar atenção para o longa”.
Primeiro longa da dupla, Trabalhar cansa é um filme notável, e, mais uma vez, traz elementos fantásticos para o dia-a-dia urbano: “É porque pra gente sempre foi meio natural misturar as coisas, nós não nos prendemos muito a gênero de filme, e acho que sempre foi natural a gente gostar de histórias em que não existe uma divisão clara do que é real e do que é fantástico. Isso é menos comum em filmes de ficção, mas se você olhar todos os desenhos da Disney, todas as fábulas, eles têm uma estrutura parecida, são histórias sobre um personagem humano, mas que se depara com elementos fantásticos, e isso ecoa em uma questão individual dele, ou em questões que são do universo humano”.
Juliana Rojas esteve presente na 16ª Mostra de Cinema de Tiradentes, em janeiro de 2013, para acompanhar a exibição do curta que dirigiu, O duplo, além dos filmes que trabalhou na montagem, o longas Os dias com ele, de Maria Clara Escobar, e o curta O sol nos meus olhos, de Flora Dias. Ela conversou com o site Mulheres do Cinema Brasileiro e fala sobre sua formação, a parceria com o cineasta Marco Dutra, os filmes que dirigiu com ele e sozinha, os filmes que montou e outros assuntos.
Mulheres do Cinema Brasileiro: Para começar, origem, formação e data de nascimento.
Juliana Rojas: Eu nasci em Campinas (SP), em 23 de junho de 1981. Estudei na Universidade de São Paulo de 1999 a 2005, e cursei Cinema com especialização em montagem, roteiro e som.
MCB: Foi na época da USP que você dirigiu o primeiro curta. não é?
JR: Isso.
MCB: Em parceria com o Marco Dutra.
JR: É, primeiro a gente fez vários vídeos e exercícios durante a faculdade. No trabalho de conclusão de curso nós fizemos O lençol branco.
MCB: E esse curta foi para o Festival de Cannes, não é?
JR: Esse curta foi selecionado para a Sessão Cinefondation, que é parte da seleção oficial de Cannes e que é dedicado a filmes produzidos por escolas, ele passou em 2005 em Cannes.
MCB: Esse filme marca a sua pareceria com o Dutra. Essa aproximação foi pelo universo estético, mesmo?
JR: Logo no primeiro ano de faculdade nós ficamos amigos e vimos que tinha afinidades, interesse por filme de terror, por desenho animado, musical. Aí a gente já começou a fazer os primeiros exercícios juntos, e foi meio natural que fosse por esse caminho de ter elementos fantásticos.
MCB: O filme que projetou vocês foi o Um ramo, que é o segundo curta, não é isso? Ele teve uma visibilidade muito grande e circulou por vários festivais. Como foi esse momento para você no cinema com esse curta?
JR: O Um ramo foi um filme que a gente fez em 2007, ele foi produzido com recurso do edital da Prefeitura de São Paulo, foi produzido pela Sara Silveira, da Dezenove Som e Imagens. Quem apresentou a Sara para nós foi o Daniel Chaia, que foi assistente do Carlão e também escreveu roteiro para ele. Ele era meu amigo, nos apresentou e a Sara concordou em produzir. Esse filme foi selecionado para a Semana da Crítica em Cannes e ganhou o prêmio de Melhor Curta. Isso trouxe muita visibilidade para o curta, e quando o filme foi selecionado pra Cannes a Sara propôs que a gente já levasse um projeto de longa-metragem. Eu tinha uma sinopse de uma história sobre uma dona de casa que resolvia abrir um mercadinho, chamava-se Um pequeno investimento o nome de trabalho. Mas aí a Sara pediu para trocar o título e eu coloquei Trabalhar cansa, porque, na verdade, é o nome de um poema do Cesare Pavese, que é um escritor italiano que eu gosto muito. Eu acho muito interessante como título porque trás uma ironia, né, é óbvio que trabalhar cansa. Então a gente foi com essa sinopse e foi muito importante a repercussão do curta para chamar atenção para o longa.
MCB: E que foi uma nova parceria, inclusive, com a atriz Helena Albergaria.
JR: Na verdade, a Helena Albergaria a gente já conhecia há muitos anos porque ela é da Cia. do Latão, que é uma companhia de teatro de São Paulo. Tanto eu quanto o Marco trabalhamos na parte de cinema e eles dão oficina de dramaturgia, então a gente teve muito contato com eles. Ela já tinha feito um exercício que o Marco dirigiu e eu produzi, que se chama Espera, na época da faculdade. No Um ramo nós a chamamos para ser protagonista, e ai no Trabalhar cansa a gente já escreveu pensando nela para fazer o papel principal.
MCB: Uma questão interessante no cinema de vocês é que tem esse olhar para o cinema de gênero, mas, ao mesmo tempo, ele é um pouco híbrido, ele tem um olhar para o horror, mas ele traz isso para o cotidiano. Tanto no Um ramo como no Trabalhar cansa esse recorte vem da sua predileção pelo cinema de gênero?
JR: É porque pra gente sempre foi meio natural misturar as coisas, nós não nos prendemos muito a gênero de filme, e acho que sempre foi natural a gente gostar de histórias em que não existe uma divisão clara do que é real e do que é fantástico. Isso é menos comum em filmes de ficção, mas se você olhar todos os desenhos da Disney, todas as fábulas, eles têm uma estrutura parecidas, são histórias sobre um personagem humano, mas que se depara com elementos fantásticos, e isso ecoa em uma questão individual dele, ou em questões que são do universo humano. Para a gente é natural fazer isso nos filmes também, é interessante, eu acho que é mais interessante e mais potente se você trata isso de uma maneira mais naturalista e traz o elemento fantástico para o seu dia a dia. Ao invés de fazer o contrario e estetizar ele de um modo que você o coloque em uma prateleira, sabe, em uma prateleira de gênero. Acho mais legal misturar, porque eu acho que isso te estimula como espectador.
MCB: Os curtas circulam bastante, tem um público muito grande nos festivais, também está na internet, já o longa tem um caminho para além desses espaços. O Trabalhar cansa confirmou o talento de vocês revelado no curta. Foi mais difícil ou tanto faz para vocês se é curta ou longa, fora, claro, as responsabilidades todas do desdobramento do formato? Foi tranquilo para vocês irem pra esse formato de longa ou não?
JR: Difícil, porque a gente nunca tinha feito e porque o curta também a gente aprendeu a fazer porque teve os exercícios. Você vai aprimorando quando faz um curta, longa foi a primeira vez e aí foi diferente porque ele exige uma dramaturgia diferente, ele tem uma duração muito maior então o modo como você impõe o ritmo da história, o modo como você articula isso é diferente do curta. Foi um desafio fazer isso e para filmar também foi difícil, porque é um ritmo muito puxado, um curta dura, no máximo, uma semana de filmagem, já para o nosso longa foram cinco semanas e meia. Tem longas que duram oito semanas. Então é um ritmo muito intenso e muito cansativo, você tem menos controle porque no curta, às vezes, é só uma locação, é um universo bem reduzido, então é mais fácil para você ter controle sobre esse universo e se planejar. Para um longa você tem muitas variáveis, porque é uma equipe muito maior, é um universo muito maior de cenários, cenas, personagens, então você tem que ficar lidando com imprevistos e se adaptar. É mais trabalhoso você ter um controle para que aquilo vire uma obra coerente, foi um desafio.
MCB: Trabalhar em parceria não é difícil não? Porque eu imagino que, ainda que possa auxiliar em alguns momentos, tem também a questão do ponto de vista, tem que se chegar a um acordo comum.
JR: Não, não acho difícil trabalhar em parceria, na realidade depende de quem é o seu parceiro. Acho que não é fácil encontrar alguém com quem você trabalhe bem em parceria, eu não tenho vontade de trabalhar com outros parceiros, eu prefiro fazer outras coisas sozinhas, porque é raro você encontrar um interlocutor que tenha o mesmo universo de referência e tenha temperamento também que permita compartilhar a criação. Acho que é uma questão tanto de afinidade artística quanto pessoal, o que é uma combinação rara. Mas sei lá, eu encontrei isso com o Marco e foi uma coisa que amadureceu com os anos, né, você aprender a mostrar, a expor o que você quer, mas também entender o que o outro quer, e aí trabalhar por isso e buscar sempre o melhor resultado.
MCB: E nos curtas dirigindo sozinha, tem uma solidão dessa parceria ou também é tranquilo?
JR: Às vezes você sente falta mais pela interlocução, sabe, acho que não é sobre o que fazer ou como fazer, porque acho que sempre você tem uma intuição, para mim é só eu saber, para mim não faz diferença dirigir sozinha ou junto. Porque é sempre sobre filme, é buscar o que é isso. A questão é mais no processo, em que, às vezes, você sente falta de ter um interlocutor, e que é saudável ter isso, porque torna mais fácil o dia a dia.
MCB: Esses trabalhos solos são porque não eram projetos em comum de vocês dois ou tinha algum outro motivo? Ainda que, com isso, não queira dizer que vocês sempre vão dirigir juntos também.
JR: Não tem uma regra, às vezes eu tenho uma ideia e aí eu tenho vontade de fazê-la sozinha, em outras vezes não. Às vezes têm ideias que eu penso que o Marco gostaria também. Ele também tem a mesma coisa, então eu acho importante fazer as duas coisas, tanto ter um trabalho sozinho, que aí você pode experimentar coisas que inquietem só você, quanto ter um trabalho compartilhado, acho que uma coisa alimenta a outra.
MCB: É muito impressionante o espaço que o cinema de vocês tem em Cannes, que é o festival mais importante do mundo. Inclusive, você foi premiada também pelo seu curta solo (O duplo). Como é para você essa repercussão grande também aqui no Brasil? Como é para você ver esse caminho, essa trajetória dos seus filmes?
JR: Eu acho que eu tive sorte, né, de que os filmes tiveram o reconhecimento de um festival internacional, que é grande, que chama atenção e que faz com que outros festivais tenham interesse no seu trabalho. O que acontece muito em Cannes é que se você entra, você começa a receber convites de outros festivais do mundo que você, às vezes, nem tinha conhecimento. Então acho que facilita muito para o filme circular e acho que traz interesse para os seus projetos, traz interesse de produtores. Foi muito fundamental, principalmente o primeiro filme ter entrado lá para viabilizar os filmes seguintes. E é muito interessante como experiência, porque é um festival muito grande, muito tradicional, e que tem cinemas de todos os lugares do mundo. Eu acho que como experiência humana foi muito interessante também participar, porque você cria relações também com realizadores, realizadores ao redor do mundo, e amplia sua visão de cinema, promove parcerias. Isso foi muito importante, não sei se isso ajudou a viabilizar os outros filmes, mas também não é, não sei.. Acho que o importante é, sei lá, continuar fazendo os filmes e buscar ser verdadeiro no que você faz. É difícil porque tem filmes muito bons e diretores muito bons, mas que não conseguem reconhecimento, ou de grandes festivais ou mesmo dentro do país. Mas que você vê que tem uma carreira coerente. eu acho que isso tem a sua importância, eu acho que se você tem uma coerência no trabalho e se você está conectado com o seu trabalho, eu acho que uma hora o reconhecimento chega.
MCB: Eu acho o cinema de vocês personalíssimo. Quem, aqui no Brasil, você acha que está fazendo um cinema que dialoga com o de vocês, ou com o seu?
JR: É, não sei, acho difícil dizer, porque mesmo que a maioria dos filmes que eu tenha feito tenha elementos de gênero e tenha elementos em comum, de serem sobre classe média, de serem filmes urbanos, eu mesma não penso que faço filme de certo formato, sabe. É meio uma coisa que acontece assim, eu sou atraída por certas histórias e faço, mas eu não me sinto presa a um estilo, tanto que agora eu vou dirigir uma comédia musical. Só que é em um cemitério. Então tem, mas não é um filme de terror, entendeu? Eu não me sinto presa a um estilo, não sinto que eu deva suprir uma expectativa das pessoas para um certo tipo de filme, acho que isso não pode me guiar porque senão isso acaba me tolhendo como realizadora. Então é difícil porque eu gosto de coisas, de filmes, que eu não faria igual. Mas assim, acho que de pessoas que tenham uma característica, que tenham questões semelhantes as que eu apresento, que eu mais tenho, é o Kléber Mendonça. Porque ele também tem uma coisa com a classe média de Recife, também tem por elementos fantásticos, tantos nos curtas quanto no longa dele tem elementos que tem afinidade com o que a gente faz. Mas eu gosto, por exemplo, do Caetano Gotardo, ele trabalha com a gente, ele montou o Trabalhar cansa, sempre montou curtas. Eu montei o filme dele, gosto muito dos filmes dele, mas é muito diferente do que a gente faz.
MCB: E no cinema brasileiro de gênero mesmo, quem você gosta?
JR: Quem eu gosto mais, na verdade, não é considerado de gênero, mas fez filmes que flertam com isso. Gosto muito do Walter Hugo Khouri, ele fez filmes que flertaram com isso, ele é um cineasta que fala sobre São Paulo, que fala muito sobre mulheres, que fala muito sobre uma inquietação burguesa, e tem muitos filmes dele que tem uma coisa de suspense, né.
MCB: O Filhas do fogo...
JR: É, mesmo o As deusas, ele é meio psicológico, mas tem uma coisa com a natureza, os personagens lá naquele sítio. Eu acho que ele é o que mais me influencia. Mas aí tem o Mojica (José Mojica Marins), tem esses outros que são de um tipo de terror mais trash, que eu acho interessante e respeito, mas não me identifico tanto.
MCB: E o trabalho de montadora: Você montou o filme do Paolo Gregório e do Marcelo Toledo, não foi?
JR: É, montei o Corpo presente. Tem dois filmes que estão em Tiradentes que eu montei, que é o Os dias com ele, que vai passar na Mostra Aurora, e o O sol nos meus olhos, da Flora Dias. Eu estou montando o filme que o Marco dirigiu sozinho, que é o Quando eu era vivo, e montei o do Caetano Gotardo, O que se move.
MCB: E que é da sua formação, você falou que fez especialização em montagem.
JR: Eu Gosto muito de montagem, é um trabalho que me ensina muito como diretora, na parte prática, porque você tem que lidar com isso, você tem um material bruto que tem muitas qualidades, mas também muitos defeitos, isso em qualquer filme tem. Tem coisas que dão certo e outras que dão errado, e daí você tem que achar um jeito de impor ritmo, de fazer aquilo, contar o filme e potencializar essas coisas que o diretor quis dizer. Você aprende muito sobre mise-en-scène, atuação, enquadramentos, o tempo interno da cena, som. Então me ensina muito na prática e também é importante pelo tipo de relação que você tem com o filme, que é diferente de quando você é diretor. Quando dirijo eu sofro muito vendo o material bruto, porque você tem uma experiência do que foi a montagem e o que deu certo e não deu certo, então tem muita frustração, você não tem tanto distanciamento do que aconteceu. Já quando você é montador, você não tem essa relação, né, uma relação mais de compaixão com o material e com o que é da vontade do diretor. Como montadora é bom eu ver que o diretor passa pelas mesmas questões que eu passo, e eu tendo o distanciamento de montadora eu vejo que, às vezes, não é real o que estou sentindo, às vezes o diretor esta desesperado, mas está tudo bem. Então quando eu estou dirigindo e estou na montagem, às vezes, eu me sinto aflita e eu me lembro disso, e aí isso me ajuda também a me relacionar melhor com o processo.
MCB: Você está trabalhando agora na circulação do curta. E nesse novo longa, você já começou esse processo?
JR: Estou em pré-produção, vou rodar em março, e é um tele filme para a TV Cultura, talvez depois a gente consiga fazer uma direção mais longa.
MCB: Já fechou o elenco?
JR: Já fechei.
MCB: Pode falar?
JR: Posso. Não tem ninguém megafamoso, é o Eduardo Gomes, que é um ator que eu conheço há muitos anos, ele fez a cena final do Trabalhar cansa, ele é o ator que faz a dinâmica, e a Luciana Paz, que também é de teatro de São Paulo.
MCB: Para terminar, as duas únicas perguntas fixas do site: qual mulher do cinema brasileiro, de qualquer época e de qualquer área, você deixa registrada na sua entrevista como homenagem?
JR: Gosto muito da Ana Carolina, ela está na ativa ainda, eu estou muito curiosa com o próximo projeto dela, que tem a ver com a Primeira Missa. Não é exatamente isso, porque parece que é uma equipe de filmagem que está encenando a primeira missa, mas eu acho que pode ser muito bom, eu acho muito interessante todos os trabalhos dela.
MCB: Qual que foi o ultimo filme brasileiro que você viu sem ser na Mostra?
JR: Sem ser na Mostra acho que foi o O som ao Redor (Kléber Mendonça Filho), que eu revi no cinema, e que eu gosto muito.
MCB: Muito obrigado pela entrevista.
Entrevista realizada em janeiro de 2013.
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