Lucy Mafra
A atriz Lucy Mafra nasceu em 27 de setembro de 1954, no Rio de Janeiro (RJ). É graduada na Faculdade de Teatro pela Uni-Rio: “Eu estava trabalhando e meu irmão já era formado. Meu pai falou assim “tem faculdade disso que você quer fazer?” Eu falei “tem, por quê? você quer meu diploma na parede?”E ele falou “quero seu diploma na parede ao lado do seu irmão, se não, não te dou nem mais um tostão”. Meu pai tinha muita grana, me dava carro, me dava uma vida boa, entendeu? Daí fui fazer a faculdade de teatro, e hoje eu sou grata a ele, porque eu não aprendi a representar lá dentro, mas eu li todos os clássicos, eu me informei bastante, e tem essa possibilidade de, nas vacas magras, poder lecionar”.
Lucy Mafra começa a carreira como modelo, daí vai para a televisão trabalhar em programa de Chico Anysio: “eu fui modelo da Rhodia por muito tempo, aqueles catálogos, em São Paulo eu trabalhava como modelo. Um cara foi comprar a casa que meu pai estava vendendo e me convidou para trabalhar como modelo na Globo, era um produtor da Globo. Daí eu trabalhei com o Chico Anysio muito tempo, sabe aquelas gostosas que não falam nada? Modelo mesmo, porque eu era muito bonita, e com isso eu já estava começando a fazer minha formação como atriz. Eu falei com o produtor que eu fazia escola de teatro e aí eles começaram a me dar uns textos, assim eu comecei a trabalhar na televisão”. Depois trabalha em várias novelas, como Água viva, Partido Alto, Por amor, Chocolate com pimenta e América, e tem carreira extensa no teatro em espetáculos com o Grupo Tá na Rua.
Ano cinema, a atriz é escalada pelo cineasta Francisco Ramalho Jr. para papel de destaque em O cortiço como Leoni. Depois, atua em vários outros filmes, como O gigante da América, de Júlio Bressane, Reformatório das depravadas, de Ody Fraga, e Eu matei Lúcio Flávio, de Antônio Calmon: “Olha, não foi muito fácil não, porque eu fazia uma vedete e a gente foi gravar no Hotel Nacional. Eu estava com uma cabeça de vidro, uma roupa pesadíssima, de biquíni, de salto altíssimo, e aquela mulatas do Hotel Nacional em volta de mim sambando pra cacete. Eu parecia uma pata em cima daquela roupa. A cena do camarim, da trepada, com aquelas flores, aquela cena eu acho linda, mas a cena do palco foi muito difícil, foi tão difícil que eu falei pro Calmon “Calmon, você esta me sacaneando cara, entendeu, eu tô de branca aqui no samba” Ele falou “está esquisito mesmo”. Aí eu falei “bota elas lá pra trás”, ele botou elas lá no fundo e aí eu gravei, filmei rsrs, porque elas estavam me jantando, as mulatas, rsrs”.
Lucy Mafra conversou com site Mulheres do Cinema Brasileiro pelo telefone de sua casa, em Vassouras. Ela fala sobre sua formação, o início da carreira como modelo, os trabalhos na linha de shows e nas novelas da Globo, a trajetória no teatro e o trabalho com o Grupo Tá na Rua, a estreia no cinema e os filmes em que atuou, e outros assuntos.
Mulheres do Cinema Brasileiro: Para começar, origem, data de nascimento e formação.
Lucy Mafra: Meu nome é Lucy Alves Mafra, nome artístico é Lucy Mafra. Eu nasci em 27 de setembro de 1954 e sou formada na UNI-RIO. Eu fiz interpretação, eu não tenho licenciatura, mas eu posso dar aula para nível médio.
MCB: Você fez essa formação porque já tinha certeza da sua opção pela carreira artística?
LM: Eu estava trabalhando e meu irmão já era formado. Meu pai falou assim “tem faculdade disso que você quer fazer?” Eu falei “tem, por quê? você quer meu diploma na parede?” E ele falou “quero seu diploma na parede ao lado do seu irmão, se não, não te dou nem mais um tostão”. Meu pai tinha muita grana, me dava carro, me dava uma vida boa, entendeu? Daí fui fazer a faculdade de teatro, e hoje eu sou grata a ele, porque eu não aprendi a representar lá dentro, mas eu li todos os clássicos, eu me informei bastante, e tem essa possibilidade de, nas vacas magras, poder lecionar.
MCB: Quando você se formou?
LM: Em 1986.
MCB: Mas o seu início na carreira artística foi como modelo fotográfico, não é isso?
LM: Sim, eu fui modelo da Rhodia por muito tempo, aqueles catálogos, em São Paulo eu trabalhava como modelo. Um cara foi comprar a casa que meu pai estava vendendo e me convidou para trabalhar como modelo na Globo, era um produtor da Globo. Daí eu trabalhei com o Chico Anysio muito tempo, sabe aquelas gostosas que não falam nada? Modelo mesmo, porque eu era muito bonita, e com isso eu já estava começando a fazer minha formação como atriz. Eu falei com o produtor que eu fazia escola de teatro e aí eles começaram a me dar uns textos, assim eu comecei a trabalhar na televisão. Eu tinha um professor muito querido, eu só tive uma aula com ele na faculdade de teatro, que era o Amir Haddad. Ele foi mandado embora e eu, já trabalhando profissionalmente, fiquei procurando e achei um curso dele no Teatro dos Quatro, ele e mais quatro diretores. Eu fui fazer esse curso com ele, sou uma das fundadoras do Grupo Tá na Rua, e trabalhei com ele durante vinte e cinco anos.
MCB: Esses trabalhos com o Chico Anysio na Globo, você se lembra quando foram?
LM: Olha, foi antes de eu me formar, 74, 75. Depois lá eu fiz uma novela, Saramandaia, acho que foi em 76, uma participação que um amigo conseguiu para mim. Aí eu fui chamada para uma novela que foi proibida pela censura chamada Despedida do casado, e lá eu conheci o Roberto Talma. Foi uma experiência traumática, porque os atores famosos estavam sentados em reunião de elenco, sabe? E na linha de show o clima era tão bom que eu falei “ah não, quero voltar pra linha de show”, e aí eu voltei. Eu estava esperando o Chico voltar das férias, porque ele sempre reformulava os programas dele, mudava o nome do programa, repaginava. Daí o Talma me perguntou o que eu estava fazendo e eu respondi que estava esperando o Chico voltar. Ele então me chamou para fazer uma novela com ele e eu fui fazer Água viva (1980), fiz várias novelas com ele, fiquei na Globo até 2005.
MCB: Você faz mais algumas novelas, Partido alto (1984), Pátria minha (1994/95), não é isso?
LM: Fiz muitas.
MCB: Você tinha pedido para voltar para a linha de shows, então como foi esse retorno para as novelas? Já te interessava mais o trabalho de atriz?
LM: Voltar pra linha de show foi mole, porque tinha a produção do Chico Anysio, o Lúcio Mauro era o produtor, diretor artístico, eu tinha uma boa relação com as pessoas lá, voltar para o Chico foi fácil. Ir para as novelas também, porque foi convite do Talma para fazer Água viva. Daí eu comecei a fazer várias, fiz todas as novelas do Talma, várias seguidas. Ele trocava a cor do meu cabelo e eu fazia outra, porque você não pode fazer duas novelas seguidas do mesmo horário, então a gente trocava o cabelo, entrava um pouquinho depois, eu sempre fazia novela com ele, fiz muitas mesmo.
MCB: Você tem algum personagem predileto nessa sua carreira na TV?
LM: Olha, as coisas na TV eram muito vagabundas, porque como eu fazia o Tá na Rua e a gente viajava muito, inclusive viagens internacionais, festivais, eu sempre pedia ao Talma para me dar um personagem pequeno, que mais tinha disponibilidade, porque eu trabalhava na Globo, ganhava bem, e trabalhava pouco. Até que o Talma me disse que essa coisa de ficar fazendo empregada, secretária, babá, essas coisas, ia me queimar como atriz, eu ia passar o resto da minha vida fazendo isso. Ele tinha toda razão. Ele falou que tinha um personagem para mim naquela novela que tinha aqueles cupidos, não sei se era Guerra dos sexos. Ele me perguntou se eu queria fazer, eu disse que sim e assinei o contrato provisório. Daí eu fui no Tá na Rua e Amir me ameaçou de morte. Eu voltei lá e falei “Talma, eu não posso fazer uma novela grande, então, por favor, me dê uma merda”. E ele falou “olha, eu sou seu amigo, mas merda você pede para outro”. Aí eu fiquei alguns anos fora da televisão, tanto que estou ainda para me aposentar por causa disso, foi um período que eu fiquei fazendo só teatro, viajando muito, para o Egito, para a Holanda, para o Chile, para vários lugares, entendeu? Viajei muito com o Tá na Rua, além do Brasil todo. Eu fiquei um tempo fora da televisão e aí, quando eu voltei, voltei mais gorda e não tão mais bonita. Eu fui falar com o Talma, dizer que não estava mais no Tá na Rua, que as coisas estavam no lugar, que eu podia fazer uma coisa mais legal, que era para ele me dar um trabalho. E ele disse “você volta doze quilos mais gorda e quer que eu te dê um personagem? Não se preocupa não que eu vou te dar uma daquelas merdas que você gosta”. Daí ele me deu uma empregada para fazer e a empregada fez o maior sucesso. Como é o nome da novela? Acho que foi Partido alto (1984). A empregada fez o maior sucesso porque ela levava a culpa de um roubo que ela não tinha cometido, com a Betty Faria, que era minha amiga dede O cortiço (1978, Francisco Ramalho Jr.). A gente fazia cenas de chorar juntas, a Betty foi uma pessoa muito generosa e foi uma novela muito legal para mim. Eu fui emendando uma novela na outra, e ainda com essa minha vida dupla de teatro e TV. Mas nunca consegui nada muito significativo, eu gostei muito de fazer Hoje é dia de Maria (2005), com o Luiz Fernando Carvalho, fiz vários personagens, e estava gostando muito de fazer a Claudete em América, que foi quando eu tive aquele problema com a TV Globo e não trabalhei mais lá. (na época, a atriz foi envolvida em problemas nos bastidores da produção, foi afastada da novela e processou a Globo por danos morais).
MCB: Voltando ao teatro, o Tá na Rua é um grupo muito importante, e o Amir Haddad também.
LM: É porque tem uma linguagem popular que foi desenvolvida pela gente, fazer teatro na rua é uma coisa libertadora, maravilhosa. Eu tinha perdido um filho, e então entre o Amir e o Talma, eu fiquei com o Amir, quando o Talma me colocou essa questão de fazer um personagem grande e gravar muito. Eu tinha perdido um filho e tinha ficado uma pessoa muito dura, muito amarga, e o Amir, de certa forma, salvou a minha vida. E ir pra rua e trabalhar como atriz me ensinou a amar de novo, entendeu? Então o trabalho para mim é uma coisa muito importante, eu não podia abrir mão por causa dessa investigação, dessa pesquisa. Se você perguntar como estou economicamente eu estou muito mal, mas como atriz eu sei muito, é uma coisa que não se tira da gente, que é o que a gente sabe, né, podem te prender, te colocar numa cela, matar sua família, mas ninguém tira o que você sabe.
MCB: Você continua no grupo?
LM: Eu continuo fazendo trabalhos esporádicos, porque eu estou morando em Vassouras, porque meu irmão faleceu e minha mãe morava com ele aqui no sitio, é um lugar muito bonito, com piscina e tal, muito agradável, mas não tem trabalho para mim aqui. Ela está muito idosa e eu não tenho uma pessoa aqui direto, que fica com ela quando vou trabalhar. Agora eu estou dando um curso no Tá na Rua, o Amir me convidou, nós somos conhecidos como os dinossauros do Tá na Rua. O Amir entrou com um projeto na prefeitura que a gente vai fazer, ele está botando esse curso dos dinossauros e me chamou para fazer, mas eu só vou duas vezes por mês, um outro rapaz vai quatro vezes, porque é uma vez por semana. Eu trabalho também com teatro do lixo em São Paulo, eu morei alguns anos em São Paulo quando sai da Globo, antes do meu irmão falecer. Eu tenho trabalho lá com a Ong Criar, que é o Teatro do Lixo, a gente tem espetáculos sobre lixo, vários roteiros inclusive são meus, eu trabalho junto com o Valter Carriel, que é coordenador da Ong, ele é diretor de teatro, é uma pessoa que me deu trabalho quando eu saí do Rio de Janeiro. Então eu tenho esses trabalhos de teatro. Eu ganhei um projeto da Funarte e montei um grupo de teatro aqui em Vassouras, mas eu desmobilizei porque eles são muito jovens e eu não consegui continuidade do projeto, e trabalhar de graça é impossível, né, pagar para trabalhar. A cidade é um pouco distante aqui do sítio, estou sem carro, ter que gastar táxi, pagar alguém para olhar minha mãe. Eu tinha mais de trinta e quatro jovens aqui comigo, mas foi um projeto que durou um ano, foi muito legal o patrocínio da Funarte, eu ganhei o edital.
MCB: No cinema o primeiro filme seu é o Os amores da pantera (1977, Jece Valadão), não é isso?
LM: Acho que é O cortiço.
MCB: O cortiço é o primeiro?
LM: Acho que sim.
MCB: E como foi essa chegada ao cinema? Foi convite?
LM: Não, eu tinha uma amiga, a Teresa Brigss, ela namorava o Carlos Del Pino, que era assistente de direção do Ramalho (Francisco Ramalho Jr.). Ela ia fazer o filme, ia fazer uma maluquinha que tinha no O cortiço. Ele frequentava minha casa, era o namorado da minha amiga, então ele me disse que não tinha nada para mim no filme, que se tivesse arrumava. Um dia ela foi olhar essas coisas de roupa e eu fui com ela, para o Ramalho conhecer. Eu estava no meio da sala e fiz um gesto no cabelo, daí o Ramalho me pediu que eu fizesse novamente aquele gesto, e eu passei a mão no cabelo de novo. E ele “eu estou com uma ideia louca, mas você é muito nova, né? Você é muito nova, mas estou achando que você pode ser a minha Leoni”. Aí eu fiz a Leoni do O cortiço, a Sílvia Salgado fazia a afilhada da Leoni, tinha 22 e eu tinha 23, um ano mais velha que ela. Realmente eu não tinha idade para o papel, mas o Ramalho me deu e eu fiz O cortiço. Depois foram pintando outros filmes porque tinha contato um com o outro.
MCB: Como foi trabalhar no cinema nessa primeira vez? Você gostou?
LM: Gostei muito, eu gosto muito de fazer cinema, acabei de fazer dois filmes com o Fauzi (Mansur) em São Paulo. Casamento brasileiro (2011), que acho que já tem uns dois anos, mas ainda não foi lançado, e agora eu filmei com ele o A tatuagem também em São Paulo. Eu tinha feito uma pornochanchada com o Ody Fraga, eu, Aldine Müller, Nicole Puzzi, bem nos tempos da pornochanchada. Sou muito amiga da Helena Ramos também, uma amigona minha.
MCB: Que é o Reformatório das depravadas (1978).
LM: Isso, eu fazia a principal. Eles me chamaram por causa do O cortiço. Aí depois o Paulo Porto, acho que foi ele me chamou para fazer, ele tinha uma produtora junto com os Farias lá em Laranjeiras, eles me chamaram para fazer acho que Os amores da pantera. Depois eu fiz Eu matei Lúcio Flávio (1979) com o Jece (Valadão).
MCB: Vamos voltar um pouquinho. Você falou que gosta muito de fazer cinema. Quando você fez O cortiço, que você disse que foi seu primeiro filme, você se lembra da primeira sensação de um set? Como foi?
LM: Era tudo muito mágico, né, porque para mim era tudo novidade, muito diferente de qualquer coisa que eu já tivesse feito, eu era muito jovem. Mas o clima era muito bom, nós fomos todos para Aruama no O cortiço, tinha uma pedreira lá que era usada como set, as externas, a cidade cenográfica era na pedreira, que era o cortiço. Aí virou uma família, essa coisa que a gente tem no teatro eu tive no filme, porque a gente ficava direto lá, que era o Chalé do Coqueiral, e que a gente chamava de Chalé do Mosqueiral porque tinha mosca pra burro. Eu fiquei com a Ítala Nandi em um quarto, é uma pessoa gracinha, fiz amizade com a Betty, com o Armando Bógus, o Mauricio do Valle. O clima era muito bom, me senti muito acolhida, então era fácil fazer, entendeu? O Ramalho também é um diretor muito preciso, explicava com muita calma o que ele queria, dava muita segurança para o ator. Como no dia que resolveu me dar a Leoni sem nem conhecer, ele nem tinha me visto fazer nada, só pelo gesto que eu fiz no cabelo. Ele era um diretor bom de trabalhar. Eu já trabalhei com todo tipo de diretor que você possa imaginar, nessa longa vida eu já trabalhei com pessoas bem loucas, como o Júlio Bressane, trabalhei com diretores que realmente foi difícil.
MCB: O cortiço” era uma produção, daí como foi sair desse modelo de produção e ir para o modelo da Boca do Lixo no Reformatório das depravadas, com o Ody Fraga?
LM: Olha, como eu era do Rio, eu era tratada de uma maneira muito especial. Fiquei em um hotel razoável, tinha carro à disposição, porque eu tinha acabado de fazer O cortiço e o diretor quis que eu fizesse o filme. Agora eu fiquei muito chocada porque tinha muita menina que faziam o filme, não a Nicole e nem as outras atrizes, mas as outras em volta, que faziam as meninas do reformatório, elas eram garotas de programa. Teve uma que falou assim para mim “Carioca, se você quiser ganhar um dinheiro tem um monte de paulista aqui que se amarra em carioca”. Eu falei “não, não, obrigada, eu tenho marido” rsrs. Fiquei chocada porque eu não podia imaginar que eu estava fazendo um filme no meio disso, entendeu? Ai que eu fui me tocando, eu não conhecia São Paulo, saia lá para resolver as coisas da Rhodia e voltava, não tinha ficado morando em São Paulo, era sempre ponte aérea, fiquei morando no hotel. Fiz alguns amigos lá porque paulista demora um pouco para virar seu amigo, mas quando vira é para sempre, então fiz alguns bons amigos lá. Para mim o que foi complicado é que no final do filme, ela ia lá, matava todo mundo e ia embora. Na época eu estava fazendo teatro de rua, aí quando eu fui dublar o filme, porque na época a gente dublava, eu tinha feito tudo tão exagerado por causa das coisas que estava fazendo no teatro, que eu tive que fazer uma voz para a mulher, porque ficou tudo over. Aí é que eu fui começar a me tocar das linguagens, que é a mesma atriz, mas que na televisão você tem um enquadramento, no cinema você tem outro. Aí que fui me tocar que no cinema não pode, tem que ser tudo pequeno, no olho, eu fui fazendo tudo grande, a personagem ficou punk, o filme todo, a situação já era punk, né. Mas foi legal fazer uma protagonista no cinema, mesmo que seja um filme vagabundo fazer protagonista é legal rsrs, você filma muito, então é legal.
MCB: E a relação com o Ody, foi bacana?
LM: Foi, ele não estava bem de saúde já, eu acho, muito frágil, mas foi legal, foi legal. Ele foi muito educado comigo, me tratou com muita deferência, acho que porque eu estava vindo de um cinema dito sério, né, que foi O cortiço, e eu estava estrelando o filme. Claro que você vê que no set tem outro apoio, que não tem ninguém da televisão, mas eu me sentia muito bem tratada, então você falava, bom é um pouquinho pior, menos grana, dava pra ver que a produção, mas a mim mesmo não atingiu, como eu te falei, eu fiquei em hotel, comia em restaurante, tinha carro à disposição. Eu via que no conjunto da obra tinha baixado um pouco o padrão do filme, né, mas pra mim não.
MCB: E como foi o encontro com o Jece Valadão em Os amores da pantera, que, particularmente, é um filme que eu gosto muito?
LM: Você gosta?
MCB: Gosto, gosto muito.
LM: Nessa coisa de cinema você conhece uma pessoa, conhece outra, eu não me lembro mais como eu cheguei lá. Eu fiz um comercial para um cara, que tinha uma agência, o lançamento foi no mercado mundial, há milênios, e esse cara me chamou para fazer Os amores da pantera. Eu acho que ele foi trabalhar com cinema, acho que se chamava Nelson, nem me lembro do sobrenome dele. Mas acho que foi assim, eu fiz o comercial, o cara era da parte técnica, sugeriu meu nome, me achou, foi uma coisa meio assim. Eu trabalhei nesse filme, Os amores da pantera, e trabalhei também no O gigante da América (1980), com direção do Júlio Bressane e que o Jece fazia como ator.
MCB: E que é outro modelo de direção, não é, que o Júlio Bressane tem.
LM: Na época ele estava completamente louco, ele marcava uma cena, sumia, se trancava lá em uma salinha, deixava a gente na posição para filmar, e aí sumia e depois voltava, foi uma coisa muito louca mesmo. Para receber foi outro parto, eu montei guarda de carro, porque na época eu tinha carro, na porta do prédio dele até ele me pagar, porque ele não pagou várias pessoas. Ele estava muito mal de cabeça, parece que melhorou, já fez outros filmes, não sei, nunca mais estive com o Júlio Bressane.
MCB: Mas do filme você gosta?
LM: Eu não vi.
MCB: Não?
LM: Nunca vi esse filme, que nem o que eu fiz com o Luciano Salce (O golpe mais louco do mundo, 1979), que eu nunca vi.
MCB: Esse filme foi filme feito aqui?
LM: Foi feito aqui, eu fiz uma puta que fazia michê na rua em Copacabana, aquelas putas da Help, era uma participação, não era uma coisa muito grande, era um diretor italiano, fiquei toda empolgada, mas nunca ouvi falar nesse filme, nem se saiu.
MCB: Você faz um outro filme que eu gosto muito, que é o Eu matei Lúcio Flávio, do Antônio Calmon. Como foi participar desse filme?
LM: Olha, não foi muito fácil não, porque eu fazia uma vedete e a gente foi gravar no Hotel Nacional. Eu estava com uma cabeça de vidro, uma roupa pesadíssima, de biquíni, de salto altíssimo, e aquela mulatas do Hotel Nacional em volta de mim sambando pra cacete. Eu parecia uma pata em cima daquela roupa. A cena do camarim, da trepada, com aquelas flores, aquela cena eu acho linda, mas a cena do palco foi muito difícil, foi tão difícil que eu falei pro Calmon “Calmon, você esta me sacaneando cara, entendeu, eu tô de branca aqui no samba” Ele falou “está esquisito mesmo”. Aí eu falei “bota elas lá pra trás”, ele me botou lá no fundo e aí eu gravei, filmei rsrs, porque elas estavam me jantando rsrs. Imagina eu, uma branca com uma cabeça pesadíssima, entendeu? Eu nunca fui destaque de escola de samba, eu já fiz muito figurino, eu trabalhei com o Joãozinho Trinta, eu fiz aqueles mendigos todos da Beija Flor.
MCB: Foi?
LM: Foi comissão de frente.
MCB: A que ótimo.
LM: Porque, bom, o Joãozinho viu Os miseráveis, teve a ideia do enredo, achou que ninguém lá do meio dele ia saber, falou para o Amir que estava precisando de gente no figurino da escola de samba, que ninguém da escola ia entender, aí o Amir me levou. Eu trabalhei com o Joãozinho um tempão, até que meu ex-marido casou com a irmã da mulher do Anísio e eu perdi o trabalho, dancei, né, mas aí era impossível. Bom, são outras histórias, mas aí estávamos falando do Calmon, né?
MCB: Isso, como que foi trabalhar com o Calmon, fora o que você já me contou?
LM: Ele ficou meio puto comigo, eu acho, nesse dia ele reclamou, porque ele achou que eu ia poder mais, mas realmente foi muito difícil. Aí depois, na trepada do camarim eu acho que eu arrasei, eu gosto demais daquela cena, que o Jece não tirou uma peça de roupa, né, totalmente vestido, eu achei aquilo tão escroto, mas não tinha jeito, mas eu gostei de fazer. E tinha mais uma cena, em que eu ia quebrar um camarim, mas acabou que essa cena foi cancelada, por causa de custo, por causa do tamanho do filme. Eu fiquei arrasada porque a sequência que eu mais estava a fim de fazer era quebrar um camarim inteiro, ela tinha uma rejeição lá do Mariel e quebrava um camarim inteiro entendeu? Mas essa cena acabou que não rolou, a gente nem filmou. Foi que nem no Gabriela, cravo e canela (1983, Bruno Barreto), a sequência dos corpos na calçada, aquele sangue melado cenográfico, o chão quente em Paraty, a figuração inteira passando para ver os corpos na calçada. Eu fiquei o dia inteiro filmando e essa sequência não foi para o Gabriela no cinema, coisas de cinema, né?
MCB: No Gabriela você faz a Sinhazinha, não é?
LM: Faço, começa já com a morte dela. Então a sequência que eu tinha era ela morta, ela na calçada com o povo todo vendo os corpos na rua, e ela no caixão. Essa sequência da rua foi difícil fazer. Eu fui convidada para jantar com o Marcello Mastroianni, porque na hora da cena do caixão, estavam no enterro ele e a Nicole (Puzzi), que fazia a Malvina, eles vão ao velório dela. Aí ele perguntou para o assistente de direção: “que horas ela pode respirar?” A menina falou: “na hora que a câmera passar você pode respirar”. Aí eu respirei na hora que ela falou que eu podia respirar. Daí o Bruno falou: “você respirou?”, “Eu respirei”, “que hora?”, “Na hora que ela falou que eu podia”, “Lucy, pelo amor de Deus, são sete segundos, não dá pra você segurar?” Eu falei “dá, mas ela falou que podia”. Aí o Marcello foi defender a menina, eles começaram a discutir, e ele falou: “foi eu que perguntei que horas ela podia respirar”. Eu entrei no caixão de novo, porque eu vi que era briga de cachorro grande. Aí depois, à noite, o Marcello me convidou para jantar, eu, ele, o assistente dele. Ele tinha um cara que, quando ele ia entrar no set, ia falando o texto para ele, eu nunca tinha visto isso, porque não tinha essa moda de personal para ator, e ele tinha um, o cara falava o texto enquanto ele ia para o set. Juntou ele, eu e esse cara, ele me convidou para jantar porque disse que o que eu fiz foi muito difícil. Imagina, não foi difícil ficar sem respirar. Eu fiquei ótima lá no caixão, o falecido sr. Herbert Richers, eu namorei o filho dele, o Herbert Jr, então eu era muito amiga do pai dele, que tinha sido meu sogro, passou de veleiro lá em Paraty e parou lá nas filmagens, foi falar com o Bruno. Aí eu sentei no caixão, tomei café, bati papo, tudo normal, não estava estranhando nada. Quando eu cheguei na pousada e vi minha cara no espelho toda branca que nem uma cera, eu me maquiei inteira e depois fui tomar banho para tirar tudo. Eu fiquei muito impressionada quando eu vi minha cara no espelho, toda branca, boca branca, cara de defunto, eu fiquei impressionada, mas na hora de gravar no caixão não.
MCB: E é um personagem forte da história, né?
LM: É, pena que no filme ela é muito pequeno, mas é legal, muito legal a importância dela, tinha sido a primeira condenação na Bahia por o homem matar a esposa.
MCB: Você chegou a ver as outras Sinhazinhas, que foram Maria Fernanda na primeira versão da novela, e a Maitê Proença agora?
LM: Vi, gostei muito de todas as duas. A Maitê eu achei que fez muito bem, eu gosto muito do que a Maitê faz, eu acho ela muito bonita e é uma boa atriz.
MCB: Ela foi ficando cada vez mais boa atriz.
LM: É, porque ela vai ficando menos bonita. Quer dizer, não é menos bonita, porque ela tem uma beleza clássica, mas eu acho que esse apelo da beleza neguinho foi deixando ela mais em paz, e aí a pessoa vai aprendendo. Porque você vai aprendendo, você começa a praticar tanto que é muito difícil você não aprender. Ela é uma pessoa talentosa, ela está fazendo um espetáculo, que o Amir fez supervisão. Eu estava no Rio e fui encontrar com o Amir para almoçar, bater um papo, sobre esse trabalho da Arte Pública que a gente vai fazer. Eu cheguei no final do ensaio, e eu não conhecia a Maitê, eu nunca gravei com ela. O Amir falou “olha, ela é do ramo”, e a Maitê disse “seja bem-vinda”. Ela deu um show, o texto é dela, ela fazendo uma velhinha, no ensaio ela deu um show, eu não sei como está o espetáculo. Mas sabe, ela fez muito bem, aquelas coisas que o Amir faz com o ator quando esta dirigindo, aquela coisa parecendo um maestro, ele falou “não, Maitê não vai para o passado, é aqui, agora”, e ela refez lindamente, eu fiquei muito impressionada com o trabalho dela.
MCB: Na novela Gabriela eu também acho que ela está muito bem.
LM: Muito bem, e linda, né? Me parece ser uma pessoa gentil, eu nunca convivi com ela não. É engraçado, você trabalha na Globo, mas as pessoas que não fazem o seu núcleo, que são da mesma novela, você não vê, ainda mais os das outras novelas, é muito grande lá.
MCB: Depois desse você fez algum outro filme ou você só retorna agora nos filmes do Fauzi?
LM: Retornei há três anos no filme do Fauzi.
MCB: Você ficou esse tempo todo fora do cinema foi por falta de convite? Você sentiu falta?
LM: Falta de convite, falta de contato, muita viagem com o teatro, porque essa coisa de festival internacional é muito legal de fazer, é muito bacana você ir pro Egito, você ir pro Chile, pra Cuba, entendeu? Você ir pra lugares assim, para festivais de teatro é muito legal. E no Brasil inteiro, eu trabalhei muito com o Amir na construção de grandes espetáculos, eu fui assistente dele nesses anos todos. Fizemos Galvez, o imperador do Acre em Belém, fizemos no Teatro José de Alencar, e eu ficava morando neles lugares, que é o buraco que eu tenho na minha aposentadoria, né? Eu ficava morando nesses lugares, eu fiquei seis meses em Belém, entendeu? Quatro meses no Espírito Santo, na cidade do Anchieta fazendo O Auto de Anchieta, depois ficamos em Natal. Era uma coisa muito legal, uma vida que gostava muito, então por causa disso eu fiquei afastada praticamente de tudo. A Globo é que me dava dinheiro certo nesse momento de viagem, festival não dava dinheiro, espetáculo de rua, mixaria. Eu parei de correr atrás de contato de gente de cinema, nunca mais tive. Até que meu amigo, lá do projeto Criar, foi procurado pela produção do Fauzi. O filme foi feito em Mauá, e aí ele começou a ajudar, eu trabalhava no teatro e a gente começou a ajudar e o Fauzi, na questão de elenco e outras coisas, e aí ele me deu um personagem que eu até gosto muito, no Casamento brasileiro.
MCB: Que é o filme com a Bárbara Borges, não é?
LM: É, mas parece que passou só no Festival de Recife, não teve dinheiro para lançar, fazer cópias, sei lá.
MCB: Como foi trabalhar com o Fauzi? Fauzi é um diretor importante.
LM: Muito legal, ele é muito legal, muito gente boa, bem humorado, eu gosto muito do Fauzi, eu trabalhei com ele de novo agora, ele fala com calma com os atores. Eu acho que vi ele bravo umas duas vezes e nenhuma dessas vezes foi comigo, sem stress, muito tranquilo. Que nem trabalhar com o Jorge Fernando, com o Jorge é melhor, né, porque o Jorge é alegria pura, eu fiz duas novelas com o Jorge e é muito legal porque ele é uma pessoa auto astral, é bom quando você tem um diretor assim, que não se zanga, porque eu trabalhei muito tempo com o Amir, e o Amir é muito temperamental rs, daí quando eu pego um diretor desse gracinha eu não acredito, entendeu?
MCB: Esse segundo filme do Fauzi que você falou, como que se chama mesmo?
LM: A tatuagem, esse eu não gostei de nada, do roteiro, inclusive eu ia fazer a mãe da protagonista, não pude fazer porque eles erraram lá o plano de filmagem, resolveu da noite pro dia que eu ia fazer essa sequência, teve que botar outra atriz. O Fauzi ficou arrasado porque eu não fiz e me chamou para fazer a enfermeira chefe do manicômio, que era uma bobagem, mas para não perder a grana e não deixar de fazer eu fui, entendeu? Mas eu achei o roteiro horrível, o roteiro tudo com meio terror, uma coisa muito punk. Já no Casamento brasileiro o roteiro era uma gracinha, eu vi uma primeira edição e gosto muito do filme, tem gente fala que é ruim, o próprio Nelson Freitas diz que achou péssimo, mas a versão que ele passou para o elenco eu gostei muito, delicado, meu personagem muito doce.
MCB: Quem são os protagonistas desse segundo filme?
LM: É gente desconhecida, é o pessoal lá do Matilde, do teatro, não tem um ator conhecido, só gente literalmente desconhecida, mas são bons atores, viu?
MCB: Para terminar a entrevista eu queria que você me respondesse as únicas duas perguntas fixas do site: qual foi o último filme brasileiro a que você assistiu?
LM: Eu assisto tudo, viu.
MCB: E qual foi o ultimo que você assistiu?
LM: Olha, eu assisti uma bobagem, essas comédias que eles estão fazendo agora, Até que a sorte nos Separe (2012, Roberto Santucci), uma bobagem dessas que eu vi em DVD.
MCB: E qual a mulher do cinema brasileiro, de qualquer época e de qualquer área, você deixa registrada em sua entrevista como uma homenagem?
LM: Sônia Braga. Porque além de ser uma atriz muito legal é uma pessoa de uma generosidade, de um humor, a gente viveu coisas muito legais juntas. Eu não podia pegar um pingo de sol, porque eu aparecia nua no filme (Gabriela) e não podia ter marca, mulheres de coronel viviam trancadas em casa, e ela também não podia ter marca e tinha que pegar sol nua. Então ela falava “ah, Lucy, vamos entrar na piscina comigo?” E eu “Soninha, eu não posso pegar sol”, e ela “você toma um drink, fica na sombra”. Então ela ficava nua pegando sol na piscina e eu na sombra com ela. Aí a gente fazia uma brincadeira, eu pedia alguma coisa no bar e quando o garçom chegava ela saía nua da piscina e o menino deixava a bandeja cair várias vezes rsrs. Vinham aqueles garçons menininho e aí saía aquela mulher nua, maravilhosa, saindo da água para pegar o drink, nós derrubamos umas três ou quatro bandejas, de pura brincadeira.
MCB: rsrsrs.
MCB: Lucy, alguma coisa que eu não te perguntei e que você quer acrescentar na entrevista?
LM: Não querido, o que eu gostaria mesmo era de fazer cinema, entendeu? Descobrir onde estão essas pessoas que chamam as pessoas para fazer cinema, eu gostaria muito de fazer cinema com esse pessoal novo aí que faz cinema, eu vi filmes de paulistas muito legais. Eu fico a fim de fazer cinema, mas é difícil porque é um mundo tão fechado, você faz um, faz vários, se não faz, não faz nenhum, né: Eu gostaria muito de voltar a fazer cinema, eu gosto muito de cinema. De fazer, de todo o ambiente, de toda a história.
MCB: Muito obrigado pela entrevista.
Entrevista realizada em abril de 2013.
MCB: Lucy, alguma coisa que eu não te perguntei e que você quer acrescentar na entrevista?
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