Ano 20

Mii Saki (Misaki Tanaka)

Misaki Tanaka nasceu no dia 28 de março de 1956, em Tóquio, Japão, e veio para o Brasil com a família quando estava para fazer oito anos: “Na verdade, meus pais queriam dar uma volta ao mundo, conhecer vários países. O primeiro país que eles escolheram foi o Brasil, aí minha mãe adorou o Brasil, adorou São Paulo, e ao invés de continuar conhecendo outros países, ela preferiu ficar aqui, daí meu pai aceitou a opinião dela”.

O começo da carreira foi como bailarina em programas na TV Record, até que é descoberta pelo cineasta Ody Fraga, que a convida para atuar em Macho e fêmea, em 1973. A partir daí atua em muitos filmes e tem importante encontro com o cineasta Walter Hugo Khouri no filme Paixão e sombras (1977): “O Khouri foi alguém que me introduziu realmente ao mundo do cinema por completo, eu digo completo porque quando eu estava trabalhando com o Ody eu sempre trabalhei à frente da câmera, eu não tinha a menor noção do que era o trabalho atrás das câmeras. O Khouri sempre falava assim “o ator ou atriz tem que saber qual é a função dos profissionais que trabalham atrás das câmeras, por mais que não vá trabalhar, mas tem que conhecer todo esse processo”. Ele me levava pra montagem, me levou pra laboratório, então ele me fez conhecer o cinema como um todo, foi super legal nesse sentido”.

Misaki Tanaka é uma das grandes musas da Boca do Lixo, e durante sua trajetória foi dirigida por grande parte dos maiores diretores de lá, como Ody Fraga, Jean Garrett, John Doo, Fauzi Mansur, Juan Bajon, Antônio Meliande e Jair Correia. Com Carlos Reichenbach atua em um de seus mais importantes filmes, tanto da atriz como do cineasta, o ótimo Império do desejo: “quando eu li o roteiro, eu li uma vez e não entendi, porque era tão difícil, o roteiro era muito difícil, muito profundo. Então na primeira leitura rápida que você faz, você não consegue entender tudo, aí eu tive que pegar o dicionário de cultura chinesa para poder entender realmente a profundeza daquele roteiro. A primeira impressão que eu tive foi “será que o público que vai para o cinema só pra se divertir vai entender tudo isso?” Mas depois que ficou pronto, qual o problema, né? Se a pessoa quer ir ao cinema para se divertir, tudo bem também, é uma forma de apreciar o filme”.

Na década de 90, a atriz mudou seu nome para Mii Saki. Depois de décadas longe do cinema brasileiro, ela retorna em Garotas do ABC (2003), filme que marca seu reencontro com Carlos Reichenbach. Daí se afasta novamente e volta agora no curta Batchan (2013), dirigido pelo cineasta e crítico de cinema Gabriel Carneiro: “O Gabriel é super jovem, mas sabe aquele diretor que sabe o que quer? Como quer? Então enquanto não sair exatamente como ele quer, ele não faz. A equipe falava assim “nossa, está parando de chover, vamos rodar?” Ele falava “não, não é isso que eu quero, vamos ter que esperar mais um pouco”. Gostei bastante do pulso firme que ele teve durante as filmagens”. 

Mii Saki conversou com o site Mulheres do Cinema Brasileiro por telefone de sua casa, em São Paulo, em abril de 2013. Ela fala sobre a chegada ao Brasil, os primeiros trabalhos na televisão, a sua descoberta como atriz de cinema pelo diretor Ody Fraga, os filmes em que atuou, a relação com os cineastas e outros assuntos.



Mulheres do Cinema Brasileiro: Para começar, origem, data de nascimento e formação.

Mii Saki: Meu nome é Misaki Tanaka, eu nasci em Tóquio, em 28 de março de 1956, sou doutora em Comunicação e Semiótica.

MCB: O desejo de ser atriz surgiu cedo? Como essa veia artística nasceu em você?

MT: Não quando eu era criança, mas depois de adolescente sim, eu queria atuar no cinema, na televisão ou no teatro. Meu pai já trabalhou como fotógrafo no Japão, em uma empresa cinematográfica, foi jornalista também, talvez tenha alguma influência nesse sentido.

MCB: Mas você começou com a dança, não é?

MT: Eu comecei como bailarina na TV, na época a Record tinha vários programas musicais e tinham bailarinas atrás, tinham os cantores e tinham as bailarinas atrás dançando junto com os cantores. Eu comecei a carreira assim.

MCB: Isso foi em que ano?

MT: Agora você me pegou, eu não me lembro, porque logo depois o Ody (Fraga) me viu em um desses programas e me convidou para fazer cinema.

MCB: Que foi para o Macho e fêmea (1973).

MT: Exatamente.

MCB: Bom, como Macho e fêmea é 1973, então é mais ou menos...

MT: é por ai mesmo, na década de 1970.

MCB: Essa participação sua na Record dançando era em quais programas? Você se lembra de algum?

MT: Normalmente era gravado no teatro que ficava na rua Augusta.

MCB: Mas nome de programa você não se lembra não?

MT: Eu participei de alguns, mas não me lembro exatamente o nome dos programas.

MCB: Quando o Ody te faz esse convite para o cinema, como foi para você?

MT: Primeiro eu fiquei com medo, porque eu nunca tinha feito cinema. Mas depois eu achei bastante interessante e acabei fazendo, gostei bastante. Cinema é um vicio, né, você conhece pessoas, você conhece os profissionais e parece que você vira uma família, você não consegue sair mais.

MCB: Você se lembra da sua primeira sensação do set de cinema?

MT: Eu estava bastante empolgada, eu me lembro que estava muito empolgada, estava excitada de fazer uma coisa nova. E bastante curiosa, querendo saber em que daria aquilo, porque naquela época eu não tinha a menor noção do que eu estava fazendo e como isso estava sendo registrado em uma câmera.

MCB: Como foi a relação com o Ody? Porque o Ody é um dos grandes nomes doe cinema feito em São Paulo, e era também um intelectual.

MT: Ele era um tipo de pessoa que prezava bastante a pessoas, respeitava muito o ritmo de cada profissional que trabalha. Eu tive bastante ajuda também, naquela época, dos dois atores que eu contracenei, que foram a Vera Fischer e o Mário Benvenutti.

MCB: Que eram os protagonistas.

MT: Isso, e do produtor do filme. Tive muito apoio, o maquiador também me ajudou bastante. Eles sabiam que era a primeira vez que eu estava fazendo cinema profissionalmente e me apoiaram muito, acho que isso fez com que eu amasse mais ainda o cinema.

MCB: Que bacana, sua relação com a Vera Fischer então foi boa?

MT: Foi, super legal, porque ela já era estrela e eu era totalmente desconhecida, começando, sem nenhuma experiência cinematográfica anterior. Ela me tratou de igual pra igual, então foi super bacana.

MCB: Antes de continuarmos na carreira artística, vamos voltar um pouquinho porque me esqueci de te fazer uma pergunta. Você nasceu em Tóquio, mas a sua família veio pro Brasil quando?

MT: Em 1964. Eu não sabia falar nem obrigada, não sabia falar português.

MCB: A sua família veio para cá por quê?

MT: Na verdade, meus pais queriam dar uma volta ao mundo, conhecer vários países. O primeiro país que eles escolheram foi o Brasil, aí minha mãe adorou o Brasil, adorou São Paulo, e ao invés de continuar conhecendo outros países, ela preferiu ficar aqui, daí meu pai aceitou a opinião dela.

MCB: Você teve muita dificuldade no inicio aqui no Brasil? Porque tinha esse problema da língua, não é?

MT: Sim, no início eu tive muita dificuldade, eu era criança naquela época e no Japão tem muitas coisas para criança, desde brinquedos a espaços para criança brincar. Eu cheguei em São Paulo e não tinha amigos, não conseguia falar, e vi que não tinha nada, caderno, lápis, essas coisas que eu tinha no Japão, então foi um choque violento. Eu me lembro, por exemplo, que teve uma vez que eu estava meio resfriada, estava frio e eu fui para a escola de calça comprida, aí quase que não me deixaram entrar, porque uma menina não podia usar calça, tinha que ser saia.

MCB: Você tinha quantos anos quando chegou no Brasil?

MT: De sete pra oito, eu estava quase completando oito anos.

MCB: Com o tempo você foi se acostumando, foi gostando, ou você teve vontade de voltar para o Japão? 

MT: Eu tive, acho que tive um problema de adaptação no começo muito maior que minha mãe, muito mais que meu pai e meu irmão. Talvez porque oito anos seja uma idade em que você não consegue entender o porquê da mudança, e tinha aquela amizade que já tinha sido formada, eu já estava no segundo ano do primário no Japão, eu já tinha um raio de amizade lá, já tinha criado um vínculo e, de repente, isso foi cortado de uma hora pra outra. Então durante muito tempo eu me lembro que queria voltar pro Japão, mas depois disso eu me acostumei, aí essa vontade de voltar pro Japão passou a ser só para rever os amigos, de vez em quando, para passear.

MCB: Bom, voltando para o cinema, seu filme seguinte é o Paixão e sombras (1977), do Walter Hugo Khouri?

MT: Rapaz, você me pegou, porque eu não me lembro.

MCB: É porque os próximos filmes que eu tenho seu são o Paixão e sombras, Ninfas diabólicas (1978, John Doo) e O bom marido (1978, Antônio Calmon), mas como a gente sabe que, às vezes, um filme é feito antes e lançado depois, você não se lembra qual foi o seu segundo depois de Macho e fêmea?

MT: Não, eu não me lembro.

MCB: Como foi seu encontro com o Khouri no Paixão e sombras? Como se sabe, ele é reconhecido como grande diretor de atrizes, dirigiu as nossas mais belas e talentosas atrizes, e é, particularmente, o cineasta que eu mais gosto, e que tem uma filmografia muito coerente.

MT: Bastante.

MCB: Como foi esse encontro? Depois você volta a trabalhar com ele em O prisioneiro do sexo (1979).

MT: O Khouri foi alguém que me introduziu realmente ao mundo do cinema por completo, eu digo completo porque quando eu estava trabalhando com o Ody eu sempre trabalhei à frente da câmera, eu não tinha a menor noção do que era o trabalho atrás das câmeras. O Khouri sempre falava assim “o ator ou atriz tem que saber qual é a função dos profissionais que trabalham atrás das câmeras, por mais que não vá trabalhar, mas tem que conhecer todo esse processo”. Ele me levava pra montagem, me levou pra laboratório, então ele me fez conhecer o cinema como um todo, foi super legal nesse sentido.

MCB: O Paixão e sombras é tão bacana, não é? E tem grandes mulheres no elenco, tem a Lilian Lemmertz, a Monique Lafond, a Aldine Müller, a Liza Vieira.

MT: Super elenco. Eu me lembro que, naquela época, o Antunes (Filho) visitava muito o set de filmagem, e eu acabei fazendo algumas peças de teatro, não com o Antunes, mas com outras pessoas por influência inclusive do Antunes, que ia lá visitar a gravação, a filmagem na época.

MCB: E como foi reencontrar o Khouri alguns anos depois no O prisioneiro do sexo, você que já tinha passado por alguns filmes? Deu um novo vigor para você como atriz? Como foi esse segundo encontro com ele?

MT: O meu papel nesse filme foi bem menor, então o tempo que eu fiquei com ele não era tanto quanto o que eu fiquei com ele no Paixão e sombras, já que lá eu fiquei com ele praticamente a filmagem inteira, aliás, a filmagem inteira, e depois eu acompanhei toda a montagem, todo o processo. 

MCB: Toda a montagem? 

MT: É, ele me levava pra tudo. Me mostrava todas as coisas, foi incrível. Nesse outro, como eu já estava fazendo outras coisas ao mesmo tempo, não dava para, além de acompanhar a filmagem, participar, acompanhar outras tarefas dentro dessa produção. Então eu não tive, como eu posso dizer, assim um aprendizado, infelizmente, eu não tive o aprendizado que eu tive com o Paixão e sombras.

MCB: Entendi. Você tinha me dito que ele te ensinou essa questão do cinema, mas eu não tinha imaginado que você quis dizer que tinha acompanhado toda a montagem, que bacana isso, não é?

MT: Foi super bacana, porque os diretores, normalmente, não gostam.

MCB: Exatamente. 

MT: Não gostam que os atores e atrizes assistam ao copião, porque normalmente o ator e a triz falam “ah, eu estou feia, vamos refazer”, sabe, coisas assim. Então a maioria dos diretores que eu trabalhei não gostava muito de mostrar para os atores. Mas o Khouri, pelo menos, me levava para ver todas essas coisas.

MCB: Ele era gentil na direção?

MT: Super, super gentil. Era assim, todos os dias, uma vez ele levava uma flor pra fulana, levava um chocolate pra outra, e sempre tratando muitíssimo bem. Se tinha uma atriz que não estava se sentido bem, era “o que você esta sentindo? Vai descansar.” Ele preservava muito o ambiente de trabalho.

MCB: Você atuou em um filme que ficou muito tempo fora de exibição, eu mesmo nunca consegui ver, que recentemente foi exibido aí em São Paulo, ele tem ai uma legião de fãs, que é o Ninfas diabólicas.

MT: Ninfas diabólicas, do John Doo.

MCB: Que é outro nome também importante do cinema da Boca do Lixo. Como foi participar desse filme e a sua relação com o diretor?

MT: Você percebe que cada diretor tem o seu estilo, todos tratam muito bem a equipe, mas a forma de extrair a potencialidade de cada profissional é muito diferente de um diretor para o outro. O John Doo tinha uma coisa, ele mesmo atuava, ele fazia sempre pontas nesses filmes, então ele tinha esse lado assim de intérprete. Ele sabia das dificuldades de uma cena melhor que outros diretores justamente porque ele atuava muito, sempre fazendo pontinhas em filmes. Então nesse sentido ele me ajudou bastante em como trabalhar o desenvolvimento de um personagem.

MCB: Você também foi dirigida pelo Antônio Calmon em O bom marido, aí já no Rio de Janeiro, não é isso?

MT: O bom marido, uma parte foi no Rio e a outra em São Paulo.

MCB: Eu realmente não me lembro se o filme tem essas filmagens em São Paulo.

MT: A parte oriental foi filmada aqui em São Paulo.

MCB: Eu adoro esse filme, aliás, eu acho o Calmon um dos grandes diretores do cinema brasileiro, pena que depois foi para a televisão e abandonou o cinema.

MT: infelizmente. Ele virou roteirista, né? Se não me engano.

MCB: É, no cinema ele continuou como roteirista, ele fez O quatrilho (1995, Fábio Barreto – na verdade, fez a adaptação junto com o diretor, o roteiro é de Leopoldo Serran). Como foi participar desse filme? 

MT: As coisas que eu me lembro desse filme é que a equipe de produção foi bastante detalhista, não era uma superprodução, mas o cuidado que a produção teve foi uma coisa incrível, então teve muito objeto de cena ou de acessórios que os atores tinham que usar. O Calmon é super calmo, é uma gracinha como diretor.

MCB: Depois você volta a se encontrar com quem te descobriu para o cinema, o Ody Fraga, em Reformatório das depravadas (1978), não é isso? 

MT: É.

MCB: Assim como foi com o Khouri, como foi para você foi reencontrar aquele que te descobriu para o cinema? 

MT: Esse tipo de reencontro é sempre uma coisa legal, porque você resgata as coisas e percebe o que fazia naquela época, tipo eu fazia e poderia ter feito melhor. Você percebe também até que ponto você conseguiu crescer como profissional.

MCB: Nessa filmagem você já estava se sentido muito mais segura como atriz? 

MT: Sim, com certeza.

MCB: E deve ter sido bacana isso, porque se você teve aquele início de medo e de curiosidade no primeiro filme, você o reencontra já tendo passado por outros filmes e outras experiências com cineastas diferentes. 

MT: Já estava mais madura Você tem um outro olhar, então é bem diferente, super legal isso, você consegue ver outros aspectos do diretor também, você tem mais para perceber outros detalhes que não tinha percebido antes.

MCB: Como te falei, o Khouri é o meu cineasta predileto. Mas você é dirigida por outro que é, para mim, um dos grandes diretores da Boca, que é o Jean Garrett. É outro cineasta que eu acho muito diferenciado e que eu acho que não tem o seu devido talento reconhecido, eu acho que o Garrett deveria ser mais reverenciado, porque ele tem uma filmografia muito impressionante. Você faz com ele A força dos sentidos (1979). Eu entrevistei a Aldine Müller e ela adora esse filme. Como foi esse encontro com o Garrett, que deixou a gente e o cinema tão cedo?

MT: É uma coisa que eu não tinha experimentado, visto anteriormente que foi usado durante a filmagem do Jean. Em cenas muito importantes, cenas muito introspectivas, ele fazia uma preparação para depois começar a filmar, para depois começar a rodar o filme.

MCB: Ou seja, não era aquela coisa apressada, tinha um tempo de elaboração.

MT: Coloca luz aqui! Pronto, vamos filmar! Não era isso. Ele preparava todo o ambiente, preparava psicologicamente tanto o elenco artístico quanto a equipe técnica, e, às vezes, você ficava assim meia hora, uma hora preparando aquele terreno. Quando pintava aquele clima que ele queria aí ele rodava o filme.

MCB: É curioso porque a gente vê isso nas cenas, né, os filmes dele são muito bem elaborados, eu acho que ele tem uma questão com a estética muito elaborada, muito impressionante.

MT: Eu acho que eu deveria ter atuado um pouco melhor nesse filme. O único ressentimento que eu tenho é que eu me olho nesse filme e falo assim “Misaki, a sua interpretação está horrível”.

MCB: É mesmo?

MT: É.

MCB: O que é muito impressionante na sua filmografia é que você trabalha com os grandes diretores aí de São Paulo, porque o próximo filme seu é do Fauzi Mansur, que é O inseto do amor (1980). Esse talvez seja um dos filmes que mais reúne musas do cinema brasileiro, né, porque o elenco desse filme é poderoso. Esse filme do Fauzi tem um elenco de grandes atrizes, de belas atrizes, que eu acho muito impressionante. Como foi participar desse filme, que é uma comédia engraçada e com um enredo gaiato?

MT: Você sabe que nesse número bastante significativo de elenco as pessoas não conseguiam se encontrar? Cada dia tinha uma filmagem de uma cena, então só chamava aquele elenco daquele dia. E foi feito tudo na praia.

MCB: A sua cena era em uma cela de prisão, não era?

MT: Isso, exatamente. Mas eu, infelizmente, não tive a oportunidade de encontrar com todo mundo, eu só conhecia as pessoas que realmente estavam naquela cena e foi algo assim super rápido, eu tive que descer, filmar e voltar. Ainda assim eu me lembro que passei super mal, um médico teve que me ver, eu fiquei com uma febre danada, eu sou super alérgica a inseto, mosquito, essas coisas, eu sou muito alérgica.

MCB: E ai você faz O inseto do amor rsrs.

MT: E eu fui mordida rsrsr. Menino, eu realmente passei tão mal, tão mal, que passei a noite inteira de cama. Aí eu filmei a minha cena e voltei correndo para São Paulo. Infelizmente eu não tive muito contato com a equipe por causa disso também.

MCB: Agora aqui a gente tem que fazer uma parada com cuidado porque é um grande filme que você faz, que é o Império do desejo (1980), do Carlão (Carlos Reichenbach).

MT: Ah, do Carlão, é um super filme.

MCB: O Carlão mesmo falava que é um dos grandes filmes dele, e é com certeza. Você tem uma interpretação maravilhosa, eu adoro.

MT: Obrigada, é graças ao Carlão.

MCB: É, e graças a você. É lindo esse filme, um filme inteligente, anárquico, as suas cenas são muito impressionantes.

MT: Muito profundo, muito profundo. Você sabe que eu tive que ler e reler o roteiro para poder entender? Porque o roteiro já é uma coisa difícil de você captar a mensagem que o Carlão gostaria de transmitir, e eu acredito também que cada um consegue entender a mensagem que ele gostaria de passar. Mas assim, eu estudei bastante sobre a cultura chinesa daquela época.

MCB: E como era aquela sua relação com o Orlando Parolini?

MT: Eu me lembro do Carlão...  engraçado, a gente lembra muito mais as coisas que a gente fazia antes e depois das filmagens, era um pouco longe de São Paulo, também era na praia, né?

MCB: Sim.

MT: Na filmagem a equipe ficava lá hospedada no hotel. Eu me lembro muito que antes e depois da filmagem a gente se reunia, aí o Carlão tocava piano, as pessoas ficavam cantando, então foi um clima de família incrível.

MCB: Nesses filmes todos você já era convidada ou tinha que fazer algum teste?

MT: Não, era convidada.

MCB: Nós já falamos de outros filmes importantes aqui, mas quando você fez especificamente esse filme do Carlão você tinha noção, naquele momento, do tamanho desse filme? Do que ele seria, tanto na Carreira do Carlão quanto no próprio cinema brasileiro? 

MT: Não, não tinha. Inclusive, quando eu li o roteiro, eu li uma vez e não entendi, porque era tão difícil, o roteiro era muito difícil, muito profundo. Então na primeira leitura rápida que você faz, você não consegue entender tudo, aí eu tive que pegar o dicionário de cultura chinesa para poder entender realmente a profundeza daquele roteiro. A primeira impressão que eu tive foi “será que o público que vai para o cinema só pra se divertir vai entender tudo isso?” Mas depois que ficou pronto, qual o problema, né? Se a pessoa quer ir ao cinema para se divertir, tudo bem também, é uma forma de apreciar o filme. Mas eu não tinha essa noção dessa grandeza. E foi quando eu conheci o Carlão mais profundamente, eu já tinha falado com ele, eu já tinha trabalhado com ele, ele é um fotógrafo, diretor de fotografia, mas não como diretor de cinema.

MCB: E é outro filme também que tem atrizes importantes, e que eu particularmente gosto muito, pois tem a Meiry Vieira, a Martha Anderson, a Márcia Fraga, a Aldine Müller, a Nádia Destro.

MT: Tem um elenco muito bacana.

MCB: Vocês conviviam? Não estou falando especificamente desse filme, mas vocês, as musas do cinema feito em São Paulo, na Boca do Lixo, vocês conviviam fora do set de cinema?

MT: Eu convivia mais com a Aldine, entre os atores, eu convivia bastante com a Aldine. Agora com as outras atrizes não muito, não que seja rejeitando uma da outra, mas acho que por falta de oportunidade mesmo. 

MCB: Eu entrevistei a Aldine essa semana, foi muito boa a conversa com ela.

MT: Ela continua linda, né?

MCB: Continua linda.

MT: Pois é.

MCB: Você faz o Colegiais e lições de sexo (1979), com o Juan Bajon, não é isso?

MT: Sim, eu não me lembro da ordem dos filmes. Outro dia eu entrei no site e vi o meu nome com uma lista de filmes que eu fiz e que eu não lembrava. Tem alguns filmes que nem sei realmente direito, tive que ir pesquisando para depois eu lembrar “nossa, eu fiz esse filme mesmo”, sabe?

MCB: Esse, por exemplo, você se lembra?

MT: Eu lembro, lembro. 

MCB: E o trabalho com o Bajon, como foi? 

MT: O Bajon também é bem cuidadoso, bastante detalhista. Deixa ver o que mais assim de diferencial dele? Eu me lembro que, pelo menos, na minha cena ele trabalhou bastante com a iluminação.

MCB: Você sai desse trabalho com esses diretores todos e vai trabalhar com a Tizuka (Yamasaki) no Gaijin (1980, Gaijin – caminhos da liberdade). Como foi esse trabalho, aí já no seu universo de origem, porque o Gaijin é sobre as primeiras famílias do Japão que vieram para o Brasil, os pioneiros? Como foi sair de uma geografia onde você já convivia com aqueles cineastas todos e ir trabalhar com uma diretora de uma outra geografia, e com uma mulher? Você tinha feito filmes só com homens, e aí com um enredo, uma trama, que tinha a ver com as suas origens. Como é o Gaijin para você? 

MT: O Gaijin foi um filme que eu gostei muito do roteiro, adorei o roteiro, agora o que eu acho uma pena é o que foi filmado na verdade, ficou alguma coisa muito diferente do roteiro que a gente tinha. Uma coisa que me impressionou bastante é que a Tizuka não chegava assim “vamos colocar a câmera aqui, eu quero fazer um plano geral”. Ela conversava muito com o diretor de fotografia e, muitas vezes, o diretor de fotografia determinava planos e não a própria diretora, muitas vezes os atores que participavam desse filme, e que já tinham um nome nacionalmente conhecido, também interferiram no processo de filmagem, na linguagem, e isso também era uma outra coisa que eu não tinha visto antes. Porque o diretor chegava e colocava aquilo que tinha na cabeça para dirigir, para produzir, e no caso desse filme não, várias pessoas opinaram e o resultado disso é o filme que entrou em cartaz, que acabou sendo bem diferente do roteiro original que a gente tinha na mão.

MCB: E que foi o primeiro filme dela.

MT: Eu, sinceramente, não sei qual teria sido melhor, o que eu posso dizer é que o roteiro original realmente tinha um peso, tinha um histórico muito grande e tinha muito de um espírito, de espírito de pessoas que vieram aqui em uma terra desconhecida. No filme final, depois de montado, se via muito dessa característica e acho que ficou dando muita ênfase à história de amor.

MCB: Entendi. E como foi ser dirigida pela Tizuka?

MT: Ela deixava mais livre os atores, não pedia muita coisa não “olha, vamos gravar isso”. Aí a gente via onde ficava a câmera, mais ou menos o enquadramento, e cada um fazia do jeito que melhor achava que era a interpretação daquela cena, não houve muita interferência da Tizuka em termos de direção de atores.

MCB: Então pra você não teve diferença de ser uma mulher? Para você, que tinha sido dirigida só por homens, não teve tanta diferença?

MT: Não, nesse filme não.

MCB: E você, sua família, as pessoas que você conhecia, elas se sentiram retratadas no filme? Fora essa questão toda que você levantou, da questão do romance ter sido mais valorizado na trama, mas em um todo, foi um filme representativo para vocês ou não?

MT: Então, na verdade, como eu e meus pais viemos para o Brasil bem depois dessa época, não tem nada absolutamente a ver, meu pai chegou no Brasil e foi morar em São Paulo, já foi morar na cidade e logo começou a trabalhar como jornalista, então a gente não teve esse contato com o interior do Brasil.

MCB: Mas quando eu pergunto, eu pergunto de tradição mesmo, porque a gente sabe que é uma cultura que valoriza muito a tradição, é nesse sentido que eu te perguntei, se eles se reconheceram vendo a tradição de um povo, de um país, ou se isso ficou diluído.

MT: Eu acho que tem um pouquinho de rótulos, a impressão que o ocidental tem do japonês.

MCB: Entendi.

MT: De como o japonês acha, de como o japonês se comporta, porque não é exatamente o que o japonês original, natural é.

MCB: Você volta a atuar em alguns filmes na Boca e aí com outro diretor importante que é o Antônio Meliande, com quem você faz Bacanal (1980). Como foi o encontro com ele?

MT: Eu tinha o conhecido também como diretor de fotografia, já tinha uma certa amizade com ele, então me sentia mais à vontade, não era uma pessoa desconhecida me dirigindo. Tanto com o Carlão como no caso do Meliande, quando você sabe que essa pessoa já exerceu outras funções parece que essa pessoa entende melhor todas essas nossas dificuldades e tentam facilitar para que a interpretação fique melhor. Com o Meliande eu senti isso, não aquele diretor que chegava e empunha o que ele queria independente da potencialidade daquele profissional, acho que também é o tipo de pessoa que consegue se colocar no lugar de cada um para conseguir tentar extrair o que cada um tem.

MCB: E aí você encontra de novo o Garrett, e em outro filme dele, que é O fotógrafo (1981), Como foi esse reencontro e como que foi participar desse filme? Esse também é um outro grande filme do Garrett, aliás, eu acho quase imbatível o cinema dele.

MT: Você sabe que tem vários filmes que eu não cheguei a ver?

MCB: É mesmo?

MT: É, esse, por exemplo, foi um dos que eu não vi. O do Mansur eu também não vi. Então vários filmes eu vi só a minha cena porque eu tinha que dublar, mas tem vários filmes que eu não estou no filme como um todo.

MCB: Porque você não quis? Não teve acesso? 

MT: Porque quando o filme estava estreando eu já estava em outra produção.

MCB: Não, eu falo é porque hoje em dia esses filmes já estão disponíveis.

MT: Eu sei.

MCB: Passa no Canal Brasil.

MT: Maravilha, eu reconheço isso, é uma grande falha minha.

MCB: Porque O fotógrafo é um outro grande filme no Garrett, um filme importante.

MT: Muito importante, eu fiz uma pontinha bem pequetita, a assistente de fotografia só faz besteira.

MCB: Você faz o Chapeuzinho vermelho - a gula do sexo (1981), do Marcelo Motta, não é isso? O Marcelo Motta eu não conheço, eu não conheço esse filme.

MT: Eu me lembro que fiz Chapeuzinho vermelho. Eu sei que eu fiz, mas não me lembro, eu preciso tentar lembrar pelo menos o tipo de papel que eu fiz. O filme, enquanto você está filmando tem um nome, mas quando entra em cartaz acaba sendo nomeado por uma outra coisa, e, às vezes, totalmente diferente, às vezes uns nomes mais apelativos, né?

MCB: Exatamente.

MT: Então às vezes eu não consigo reconhecer.

MCB: Do A virgem e o bem-dotado, do Edward Freund, você se lembra?

MT: Eu sei que me lembro, mas não me lembro o papel que eu fiz.

MCB: Mas você se lembra que trabalhou com ele?

MT: Sim, sim.

MCB: Com o José Adalto Cardoso também, em E a vaca foi pro brejo?

MT: Sim, esse é também outro filme que eu me olho, eu assisti, e falei assim “nossa, que interpretação horrível”. Mas teve umas cenas assim, por causa da minha disponibilidade, estava filmando outras coisas ao mesmo tempo. Teve uma cena minha que, por exemplo, tinha que ser filmado antes do fato acontecer, e era, assim, observando as festas populares. O próprio diretor não tinha certeza absoluta do que iria acontecer, ele não tinha certeza absoluta do que eu estaria vendo. Porque dependia também da comunidade local, e nesse filme tem várias cenas assim, que eu vou, parece que eu estou naquela cena, mas na verdade eu filmei, foi filmado totalmente diferente, em um outro dia, em um outro contexto. Acho que talvez por causa disso que é uma interpretação que está horrível.

MCB: Você é muito crítica com seu trabalho.

MT: Não, não sou não, imagina.

MCB: Você já me falou isso algumas vezes aqui, de alguns filmes seus. Você faz também um filme que estava sumido e que agora foi recuperado, passou no Canal Brasil outro dia, mas era um filme que a gente não tinha acesso, que é o Duas estranhas mulheres (1981), do Jair Correia.

MT: Qual papel que eu faço nesse filme?

MCB: Eu ainda não vi, é um filme em dois episódios e você está em um episódio que se chama Eva.

MT: Eva... tá, me lembro vagamente desse nome.

MCB: É porque é um filme que ficou muito tempo sumido e o Canal Brasil recuperou ele agora, ele passou muito recentemente na televisão. Outra coisa que também me chama a atenção é que, às vezes, o seu nome aparece como Misaki e, às vezes, como Mii Saki.

MT: Eu comecei trabalhando como Misaki, Misaki Tanaka.

MCB: Fala-se Missaki? Como se fosse dois “s”?

MT: Exatamente.

MCB: Ah, então eu sempre falei errado, falo Misaki.

MT: Não tem problema, já estou acostumada. Em determinada época eu queria fazer uma coisa mais internacional e não em nível nacional, eu queria, aí eu consultei uma numeróloga e eu disse para ela “eu não quero mudar radicalmente o meu nome, que é Misaki Tanaka, mas eu gostaria de tentar, batalhar novamente aqui no Brasil com uma coisa internacional, com produções internacionais”. A sugestão foi pegar só o primeiro nome, que é Misaki, dobrar o i e separar, Mii Saki. Aí no que eu separei eu fui convidada para trabalhar no Japão.

MCB: É mesmo?

MT: É, não sei se realmente a numerologia deu certo, não sei, mas depois disso eu fiz coproduções estando no Japão, dirigi vários programas, atuei em alguns, fiz coproduções de coisas do Japão, nos Estados Unidos, então pelo menos deu certo.

MCB: Mas o nome que você assume agora é esse? É escrito dessa forma?

MT: Mii Saki agora.

MCB: Então, separado?

MT: Sim, separado.

MCB: Eu agora fiquei interessado em saber sobre esses trabalhos, essas coproduções, elas foram bacanas de fazer? Como foi para você trabalhar no Japão, voltar para a sua terra, porque você deve ter voltado outras vezes, eu imagino, não é?

MT: É, é um outro mundo, uma outra forma de produzir. O que eu senti é o seguinte: o perfil dos profissionais é muito parecido, um perfil de cineasta tem características muito semelhantes, mas a forma de produzir uma peça audiovisual é muito diferente. No Japão, ele é muito meticulosamente planejado, então você sabe tudo o que vai acontecer, o tipo de locação que vai ter, tipo de iluminação, tudo com muita antecedência.

MCB: Foram produções para a televisão?

MT: Eu fiz uma coisa pra televisão, eu atuei também em um filme para TV, alias, teve uma vez que eu estava aqui no Brasil e fiz um filme pra TV, com um papel de uma chinesa, tive que aprender a falar chinês, foi uma loucura também, mas são experiências muito legais para mim.

MCB: E curioso que foi ao encontro do seu desejo, né? Você estava querendo fazer esse tipo de trabalho e acabou acontecendo.

MT: É, com certeza, mas é bom que quando você sai, você conhece um outro mundo, e aí você volta para trás e começa a valorizar muitas coisas que antes não valorizava.

MCB: Esses trabalhos que você fez no Japão são de quando?

MT: Tem algumas coisas antigas da década de 1980, que foi antes de ir para lá, já tinham me convidado uma vez. Eu fui para o Japão na década de 1990, fiquei cinco anos lá e depois eu voltei para o Brasil, e fiquei assim, ia e voltava, ia e voltava, ficava fazendo ponte aérea Brasil e Japão.

MCB: O último filme seu na Boca do Lixo, quer dizer, nãos ei se é o último em função dessa ordem que a gente falou, é A noite das depravadas (1981), do Bajon, e que é exatamente nesse período de 1981, porque aí o cinema entra no sexo explicito. Foi por isso que você abandonou o cinema naquela época?

MT: Não, eu acho que depois disso eu fiz o Sua excelência (Sua excelência – o candidato, 1991, de Ricardo Pinto e Silva), mas já é fora, né? 

MCB: É, da década de 90, eu falo dessa produção da Boca do Lixo.

MT: Provavelmente sim, eu acho que nem me convidaram porque sabiam que eu diria não para essas propostas, eu não tenho nada contra esse tipo de filme, mas eu não me sentiria bem fazendo esse tipo de filme de sexo explícito.

MCB: É um período em que várias de vocês se afastam, né, Helena Ramos...

MT: A maioria se afastou mesmo.

MCB: É, quase ninguém ficou, e que foi exatamente um ocaso da Boca do Lixo, inclusive, o que é uma pena porque é um momento do cinema tão importante, e que hoje está sendo revalorizado, Em 91 você faz o Sua excelência - o candidato, do Ricardo Pinto e Silva, foi bom voltar para o cinema depois de uma década?

MT: Ah, com certeza, porque como eu te falei cinema é um vicio, eu saí do cinema e fui trabalhar na televisão, mas televisão é um processo mais industrial, você não se sente trabalhando com uma família. No cinema você tem um vínculo afetivo muito grande, então cinema faz falta sim. Por exemplo, quando eu entrei na faculdade, a minha intenção era fazer Cinema, eu só não fiz Cinema, eu fiz Rádio e TV, justamente porque eu não tenho essa potencialidade, eu não tenho essa capacidade de sobreviver só com cinema, então se eu tivesse a capacidade provavelmente eu teria optado pelo curso de cinema.

MCB: Na televisão você faz O rei do gado (1996/97), não é isso? 

MT: Sim, eu fiz O rei do gado.

MCB: Como foi? Você foi convidada para televisão ou você quis fazer teste, quis trabalhar na televisão? Como aconteceu essa nova frente de trabalho para você?

MT: Sabe que eu não me lembro como foi a entrada? Eu sei que antes de O rei do gado eu já tinha feito umas pontas em seriados da Globo. Eu ia até o Rio de Janeiro para fazer a gravação do episódio do seriado.

MCB: Mas também não lembra os nomes, né? rsrs

MT: Agora você me pegou. Eu trabalhei com o Jardel. Tinha algumas coisas de caminhoneiro, tinha algumas coisas de jornalista, detetive, um seriado que a Globo tinha na época. Então já me conheciam por causa desse trabalho.

MCB: Mas novela a primeira foi O rei do gado.

MT: Novela sim.

MCB: Você gostou de fazer? 

MT: Na verdade eu já tinha feito umas pontinhas, eu fiz uma novela da Record, não me pergunte o nome. Depois eu fui fazer aqueles episódios do humorístico, do Renato Aragão, esse tipo de programa.

MCB: Os trapalhões

MT: Foi através de uma novela em que eu fiz uma pontinha na Record. 

MCB: E como foi em O rei do gado?

MT: Foi quando eu percebi que televisão quando tem grana para produzir... A primeira fase da novela foi muito bem trabalhada, muito bem produzida, não fizeram economias para que o programa fique perfeito. Você pensar que no esquema televisual você gastar um dia inteiro só para uma cena, isso é luxo.

MCB: A direção era do Luiz Fernando Carvalho, não era?

MT: Foi.

MCB: Ele é um esteta, não é?

MT: Ele é muito legal também, super calmo.

MCB: E ele é um esteta, todo cuidadoso com a estética. Você falou que fez esses trabalhos no Japão na década de 90, foi por isso também que você ficou um pouco afastada do cinema, porque você volta só em 2003, não é?

MT: É, eu fiquei um pouco afastada do país.

MCB: Porque você volta em 2003 com o Carlão (Carlos Reichenbach) no Garotas do ABC (2003), não é isso?

MT: Isso, eu devo ter feito uma coisa antes, mas não me lembro. Para esse Carlão eu fiz teste.

MCB: A Vanessa Alves, que é uma das musas do Carlão, também fez, ela me falou na época quando a entrevistei.

MT: Porque quem fez a produção de elenco não foi o próprio Carlão, foi uma empresa que foi contratada, parece que a produtora de elenco falou em meu nome, e aí, como o Carlão já não me via há muito tempo, ele falou “a Misaki é muito jovem, não dá para ela fazer esse papel”, e a produtora disse “claro que as pessoas envelhecem, a Misaki não é mais uma adolescente”. Mas mesmo assim eu tive que envelhecer um pouquinho para poder fazer o papel, mas pelo menos eu fiz o teste, o Carlão aprovou, e pelo menos eu consegui trabalhar com ele novamente, foi muito legal, muito bom. 

MCB: Foi a primeira vez que você fez teste para cinema, não é?

MT: Para cinema foi, foi a primeira vez.

MCB: Que engraçado, depois de você já ter feito um monte de filmes. E reencontrou o Carlão já em outras condições, né, porque aí já é uma produção muito maior, é completamente diferente lá do Império do desejo, que eu imagino era um cinema mais de guerrilha mesmo. Aqui já é uma produção grande, ou estou enganado?

MT: Não, não, inclusive tinham mais equipamentos, não era aquela coisa de uma de câmera só e de ter que se virar, ter que esperar, ele vai narrar o natural para atingir aquele ponto que você quer, ponto de luz e etc. Foi uma produção que teve mais dinheiro do que o Carlão costumava ter na Boca. 

MCB: A Vanessa falou que ficou impressionada quando ela viu aquele set, porque ela já tinha feito tantos filmes com ele.

MT: Não comigo, mas as meninas que fizeram os papéis principais tiveram todo um preparativo para poder trabalhar como operárias, uma coisa que na Boca você não tinha condições de fazer, não tinha nem tempo e nem dinheiro para fazer todo esse preparativo, preparação de ator.

MCB: Foi bacana voltar para o cinema e com ele?

MT: Ah, com certeza, adoro cinema.

MCB: O último filme que você fez agora foi com o Gabriel Carneiro, o Batchan (2013).

MT: Sim.

MCB: É o ultimo filme depois do Garotas do ABC, ou teve mais algum aí no meio que eu não estou sabendo? 

MT: Deixa eu ver, filme acho que não, porque eu tenho feito só filmes publicitários, do Japão. Acho que para o Brasil, produção brasileira, eu acho que depois do Garotas do ABC entrou o Gabriel.

MCB: E como foi? É o primeiro curta que você fez?

MT: Eu tenho um curta do Carlão.

MCB: Ah, é? Qual?

MT: Com a Patrícia Scalvi.

MCB: Você não se lembra do nome? 

MT: Se não me engano tinha a palavra sonhos (Sonhos de vida, 1979).

MCB: Curioso, esse filme eu não conheço. A Patrícia Scalvi é outra atriz que eu adoro, e que, aliás, estou doido para entrevistar.

MT: Ela é mais cabeça, a Patrícia é mais cabeça. Me falaram que ela estava fazendo direção de dublagem.

MCB: Sim, é essa informação que eu tenho. Como foi fazer esse filme do Gabriel, que é da nova geração do cinema, como foi fazer?

MT: Eu falo para o Gabriel que esse foi o papel mais difícil que eu fiz.

MCB: É mesmo?

MT: É, muito difícil.

MCB: Por quê?

MT: Ele queria uma coisa muito contida, estilo Ozu (Yasujiro Ozu). Então você praticamente não podia exteriorizar absolutamente nada, nem olhar, você não podia olhar para cima, para baixo, era sempre quase que imóvel, e nessa imobilidade você tinha que passar uma mensagem. É super difícil, muito difícil. Eu não sei se eu consegui a potência, realmente eu não sei, porque como esse filme não teve dublagem, porque foi direto, eu não vi nenhum material ainda.

MCB: Foi difícil, mas você gostou de fazer?

MT: Gostei, gostei. Eu fiquei com uma pena do Gabriel, porque ele tinha um prazo de filmagem e a gente teve muito problema com o tempo, ficamos muito tempo parados por causa da chuva.

MCB: Entendi.

MT: Tanto é que vários planos que ele gostaria de ter filmado, ele nãoconseguiu justamente por causa disso, a chuva atrapalhou e não deu tempo de fazer. Teve uma cena que eu tinha que aparecer e eu não pude aparecer, por causa do tempo tinha sido transferido para o outro dia e no outro dia eu não estava em São Paulo, eu tinha compromisso em outro lugar, fora de São Paulo e eu não pude fazer essa cena também. Então nesse sentido eu fiquei com pena. O Gabriel é super jovem, mas sabe aquele diretor que sabe o que quer? Como quer? Então enquanto não sair exatamente como ele quer, ele não faz. A equipe falava assim “nossa, está parando de chover, vamos rodar?” Ele falava “não, não é isso que eu quero, vamos ter que esperar mais um pouco”. Gostei bastante do pulso firme que ele teve durante as filmagens.

MCB: Você ainda não viu o filme.

MT: Não vi ainda.

MCB: Você é professora ou estou enganado?

MT: Sim, eu sou professora, mas não que eu tenha abandonado o cinema, de jeito nenhum, então a proposta que vier eu estou topando, não dá pra largar cinema, realmente não dá.

MCB: Mas você está trabalhando também como professora universitária, não é isso?

MT: Sim, na área de comunicação, eu estava dando aula na Federal de Pelotas, como professora de Cinema.

MCB: E também tem feito e continua fazendo trabalhos no Japão? 

MT: Eu continuo, diminuiu um pouquinho por conta da crise econômica, o Japão não tem muita verba, então fica difícil a gente fazer produção aqui, porque isso encarece muito. Normalmente eu cubro a América Latina, eu faço matéria na América Latina e mando material bruto para eles.

MCB: Então você atua como jornalista também?

MT: Eu atuo como repórter ou como a diretora de coordenação de produção local, eu não faço só para cinema, ou só pra televisão, eu faço também para a mídia impressa, porque aí eu faço a pesquisa, entrevisto as pessoas e mando o material.

MCB: Para a gente finalizar, as únicas duas perguntas fixas do site. A primeira é qual o último filme brasileiro a que você assistiu? 

MT: O ultimo filme foi Insônia (2012, Beto Souza), foi feito no Sul.

MCB: Qual mulher do cinema brasileiro, de qualquer época e de qualquer área, você deixa registrada na sua entrevista como uma homenagem? 

MT: Não pode ser duas?

MCB: Pode.

MT: Vera Fischer e a Aldine Müller. Eu acho que são grandes atrizes, só que assim, a Vera não é muito bem reconhecida depois que entrou na televisão, eu acho uma pena, muitas pessoas que são telespectadores não conhecem o trabalho dela como atriz de cinema, tem um pré-conceito contra isso, então ela não é tão valorizada e acho que ela merece todo o nosso respeito, e a Aldine, que eu acho que ela deveria ter tido uma produção bem maior.

MCB: Alguma pergunta que eu não te fiz e que você gostaria de acrescentar, alguma coisa que a gente deixou de fora?

MT: Em termos de cinema nacional?

MCB: É, alguma coisa da sua carreira que eu não falei, que eu não abordei, e que você gostaria de falar.

MT: Acho que tem ainda vários filmes que eu fiz e que ficaram perdidos por aí, é inclusive uma falha minha, porque eu também não me lembro direito de todos os filmes que eu fiz. Foi uma época que fez história no cinema brasileiro, muitas produções. Eu acho que essa época, da década de 1970 a 1980, foi uma época que colaborou para a história do cinema brasileiro, para o desenvolvimento do cinema brasileiro.

MCB: Com certeza. 

MT: De formar profissionais dessa área. Então eu acho que esses profissionais que trabalharam poderiam ser valorizados um pouco mais, não somente o elenco artístico, incluindo também a equipe técnica.

MCB: Esse cinema está sendo revisto agora, principalmente com a produção de internet.

MT: E são uns filmes que estão ficando um tanto cult agora, né? Mas ainda tem muitas pessoas que têm um preconceito do filme nacional, um grande preconceito com os feitos na Boca, e fazem uma confusão com os filmes da Boca com outros filmes eróticos. Então eu acho que deveria ter um espaço um pouco maior também para poder esclarecer isso.

MCB: A Boca sempre foi um lugar, enquanto cinema, que você sempre gostou, não é Misaki?

MT: Com certeza.

MCB: Muito obrigado pela entrevista.


Atualização por e-mail

MT: Lembrei-me do nome do filme que eu gosto: Fogo e paixão (1988), da dupla Isay (Weinfeld) e Márcio (Kogan). Tem uma cena maravilhosa com a Rita Lee e passagens com a personagem que passeia com o cachorrinho. Lembrando: o meu papel é super pequeno, não tem muita importância, mas abre a "piada" do filme.

Na TV, além de O rei do gado, alguns episódios de seriados e do filme para a TV japonesa, lembrei-me do Evangelho segundo São Paulo, dirigido por Ademar Guerra.



Entrevista realizada em abril de 2013.
Foto: Acervo da Atriz.

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