Ano 20

Laura Cánepa

A jornalista e pesquisadora de cinema Laura Cánepa nasceu em 2 de dezembro de 1974, em Porto Alegre (RS). Graduada em Jornalismo, mestre em Ciências da Comunicação e doutora em Multimeios, encontrou seu caminho na carreira acadêmica: “Minha carreira acadêmica foi ligada ao cinema desde o início. Todas as pesquisas que fiz até hoje na universidade estiveram ligadas ao cinema, desde a monografia de conclusão de curso da graduação até agora. Comecei estudando o Tim Burton, que era um ídolo no tempo da faculdade, e desde então o cinema (particularmente o de terror) passou a ser o meu assunto de pesquisa”.

Em 2008, defende a tese Medo de quê?: uma história do horror nos filmes brasileiros: “Eu gostava de cinema de terror, então quis saber como ele aparecia no Brasil, e me dei conta de que quase não havia pesquisa acadêmica sobre isso. Então, acabei fazendo um levantamento grande de filmes para mapear o território – que, no final das contas, acabou virando a minha tese”.

No mesmo ano da tese, ela cria o blog Medo de quê?, endereço obrigatório para quem gosta e quer conhecer melhor as produções de terror no cinema brasileiro: “Eu não pretendia publicar a tese da forma como ela estava, pois havia muito a descobrir, corrigir e atualizar. É que tese tem prazo para ser entregue, então nem sempre a gente consegue fazer o trabalho que gostaria. Por isso o blog foi uma maneira de dar acesso aos resultados da pesquisa, com links para os artigos que publiquei depois, para trabalhos de outros pesquisadores, além de notícias, imagens etc. Mas já faz uns dois anos que a atualização está muito eventual, pois não tenho tido tempo para me dedicar como gostaria”.

Laura Cánepa conversou com o site Mulheres do Cinema Brasileiro por e-mail, em junho de 2013. Ela fala sobre sua formação, seu trabalho de pesquisa, sobre cineastas e filmes do gênero terror, a presença das mulheres e outros assuntos.


Mulheres do Cinema Brasileiro: Para começar, cidade onde nasceu, data de nascimento e formação.

Laura Cánepa: Porto Alegre, 02/12/1974, Comunicação Social – Jornalismo.

MCB: Você é graduada em jornalismo. O que te interessou na profissão? Chegou a atuar em redações, ou já pensava na carreira acadêmica, já que fez depois mestrado em Comunicação?

LC: Escolhi a faculdade quando tinha 16 anos, então não sei responder exatamente o que me motivou. Mas nunca me arrependi, também. Depois de formada, fiz alguns trabalhos de jornalismo e também de produção cultural. Cheguei a trabalhar num programa da Rádio FM Cultura, em Porto Alegre (rádio é uma delícia!) e, em SP, tive uma passagem pelo Portal Terra. A carreira acadêmica entrou nos planos, inicialmente, como mais uma alternativa. Mas aí acabei gostando e, hoje, é difícil me imaginar fazendo outra coisa.

MCB:  O doutorado e o pós doc já estão ligados ao cinema, não é? São também especializações visando a carreira acadêmica?

LC: Na verdade, a ordem da pergunta está trocada, pois a minha carreira acadêmica foi ligada ao cinema desde o início. Todas as pesquisas que fiz até hoje na universidade estiveram ligadas ao cinema, desde a monografia de conclusão de curso da graduação até agora.  Comecei estudando o Tim Burton, que era um ídolo no tempo da faculdade, e desde então o cinema (particularmente o de terror) passou a ser o meu assunto de pesquisa.

MCB: Você está associada ao Socine e à Intercom. No que consistem esses trabalhos?

LC: A Socine e a Intercom são entidades que reúnem pesquisadores acadêmicos de cinema (no primeiro caso) e de comunicação (no segundo). O objetivo delas é fazer circular as pesquisas das pessoas em publicações e congressos. A produção é enorme, e acho uma pena que o público não acadêmico se interesse tão pouco, pois está tudo disponível de graça na Internet, com muita coisa boa.

MCB: Seu interesse pelo cinema brasileiro vem desde quando? E como nasce a pesquisadora?

LC: Não sei responder a essa pergunta. Acho que é um desdobramento natural. Quando a gente se interessa por pesquisar cinema, a produção nacional acaba sendo um foco privilegiado, pois temos mais acesso às informações, conhecemos melhor os contextos, dominamos mais a bibliografia. Além disso, o cinema brasileiro ainda carece de muitas pesquisas, então todos os trabalhos são bem-vindos.

MCB: Em 2008, você defendeu a tese “Medo de quê?: uma história do horror nos filmes brasileiros”. Como se deu seu interesse pelo gênero horror em geral, e pelo gênero no cinema brasileiro?

LC: Pela mesma razão da pergunta anterior. Eu gostava de cinema de terror, então quis saber como ele aparecia no Brasil, e me dei conta de que quase não havia pesquisa acadêmica sobre isso. Então, acabei fazendo um levantamento grande de filmes para mapear o território – que, no final das contas, acabou virando a minha tese.

MCB: Quais foram as dificuldades encontradas para a realização da tese?

LC: Creio que tive as dificuldades mais comuns dos pesquisadores de cinema brasileiro, a começar pelo desafio de encontrar cópias de filmes, ou pelo menos documentos confiáveis e/ou acessíveis sobre dezenas de obras cinematográficas. No caso do cinema de horror, a quase total inexistência de debate sobre o tema no mundo acadêmico até aquele momento também foi um problema – compensado, de certa forma, pelo contato com outros pesquisadores independentes e críticos com quem troquei filmes, ideias e informações enquanto escrevia a tese. Eles estão citados no trabalho várias vezes, desde os agradecimentos até as conclusões. Acho que a Internet ajudou muito nesse processo. Talvez sem ela fosse quase impossível reunir uma discussão tão dispersa. 

MCB: Quais foram as principais descobertas? De filmes? De autores?

LC: Acho que os filmes do Jean Garrett e John Doo (como Excitação, Força dos sentidos, Ninfas diabólicas, O gafanhoto etc.) foram surpresas para mim, pois são muito consistentes no gênero. Mas, se houve uma “descoberta” na tese, foi mais do conjunto, pois a questão não era que os filmes fossem totalmente desconhecidos, e sim o fato de que até então não tinham sido reunidos para análise acadêmica sob o prisma do horror.

MCB: O que define um filme como sendo de horror?

LC: Olha, sobre isso, há controvérsias. Uma definição bem abrangente para um filme de horror pode ser a de que esse filme conta um tipo de história ou desenvolve um tipo de situação fictícia em que personagens se veem ameaçados por forças violentas de origem sobrenatural ou inexplicável. Mas esse é só um dos jeitos de definir. Há quem defina o cinema de horror a partir da exploração comercial que é feita dos filmes, por exemplo, ou do grau de “explicitude” da violência que um filme traz. São boas alternativas também. 

MCB: O horror se divide em vários subgêneros. Como se dá esse mapeamento?

LC: É o mesmo caso da pergunta anterior: isso depende dos interesses teóricos e metodológicos de quem mapeia. É uma discussão antiga, que vem da literatura, e já dura pelo menos dois séculos.  No caso do cinema, você pode fazer esse mapeamento pelo tipo de monstro que o filme traz (fantasma, zumbi, vampiro, assassino em série); pelo tipo de produção (cinema B, blockbuster, cinema trash, telefilme); pela região (dividindo as produções por países centrais e periféricos); pela adesão ou não ao estilo hollywoodiano (cinema clássico X cinema moderno); pela relação com outros gêneros (ficção-científica, policial, comédia etc.) etc. Cada pesquisador pode escolher o seu mapeamento, conforme a pergunta que ele queira responder. 

MCB: O cinema brasileiro tem muitos representantes no gênero, em termos de quantidade? E de qualidade?

LC: Em quantidade, tem um bom número de representantes, talvez duas centenas, o que é semelhante ao que se vê em outros países sem tradição industrial no gênero. A qualidade me parece proporcional a do cinema brasileiro em geral – que, como a gente sabe, sofre com vários problemas estruturais, muitas vezes resultando em filmes problemáticos e até precários. Mas o Brasil tem um dos maiores gênios do horror mundial, que é o Mojica, um cara que trabalhou quase sempre na maior precariedade em termos econômicos, mas mesmo assim realizou obras memoráveis. Por causa dele, nosso lugar no mapa não é nada desprezível. 

MCB: Quais são os principais cineastas do horror no Brasil, e quais são os principais que trafegam e trafegaram pelo gênero?

LC: O Mojica, né? Tem também o Ivan Cardoso, no universo da comédia paródica. Já na vertente que dialogou mais diretamente com os modelos do cinema internacional, tivemos o Jean Garrett e o John Doo, na Boca do Lixo, e o Walter Hugo Khouri e o Carlos Hugo Christensen, cujas trajetórias toparam com o horror em algum momento.  Atualmente, tem também uma turma que veio dos curtas-metragens que é bem importante: o Dennison Ramalho - que é um  militante do gênero - e também o Kleber Mendonça, o Marco Dutra, a Juliana Rojas, cujos repertórios incluem claramente o horror. E temos que mencionar os que fazem o circuito independente, como o Paulo Biscaia, o Rodrigo Aragão, o Felipe Guerra, o Joel Caetano e o Petter Baiestorff. Essa geração, que veio dos anos 1990, tem feito muita coisa boa.

MCB: José Mojica Marins é o principal nome do horror no Brasil e é conhecido por muitos. Mas o público conhece outros nomes do gênero no cinema brasileiro?

LC: O Mojica até que é conhecido, mas é ilusão pensar que os filmes dele são tão conhecidos quanto ele. O público de hoje vê o Mojica como um velhinho esquisito que usa capa, mas não faz ideia do quanto os filmes dele foram importantes. Entre o público mais cinéfilo, aí muda um pouco, pois as pessoas conhecem o Mojica, o Ivan Cardoso e alguns cineastas mais novos, como o Dennison Ramalho e o Rodrigo Aragão.  Recentemente, também tem havido interesse pelos diretores da Boca do Lixo que fizeram filmes de terror, como o John Doo e o Jean Garrett, talvez em parte pela frequência com que alguns filmes dessa época são exibidos no Canal Brasil e em mostras de cinema.

MCB: Qual a presença da mulher no gênero no cinema brasileiro? Além de Rosângela Maldonado temos muitas cineastas? Temos atrizes que são identificadas com o gênero ou que transitaram mais por ele?

LC: O número de mulheres cineastas que fazem filmes de horror é muito menor que o de homens, mas isso é proporcional ao restante do cinema brasileiro e mundial. Quem acaba sendo destaque no gênero são as atrizes. A Patrícia Scalvi e a Selma Egrei, por exemplo, estiveram em vários filmes. A Alvamar Taddei teve uma participação incrível no Pasteleiro (episódio do longa Aqui tarados, de 1980) e gosto muito da Lia Furlin no Liliam - a suja (1980). Entre as diretoras, temos que lembrar a Juliana Rojas, que é talvez uma das mais interessantes cineastas do cinema brasileiro, de horror ou não.

MCB: O gênero horror é muito identificado com realizadores homens. Um dos assuntos mais controversos é se existe o olhar feminino no cinema. O que você pensa a respeito? E se existe, ele é perceptível em filmes de horror dirigidos por mulheres?

LC: Vou arriscar ser polêmica aqui. Se considerarmos que a sociedade em que vivemos ainda é sustentada por um modelo machista e patricarcal, todo o olhar autorizado tende a ser, em certo sentido, mais masculino. Mas isso é de tal maneira naturalizado pelas relações sociais e pela cultura que a gente nem percebe. Por isso, talvez, seja tão difícil perceber essas questões, e mais difícil ainda mudá-las. De qualquer maneira, no cinema de horror brasileiro, a presença feminina na direção é de uma raridade tamanha que não acho muito criterioso comparar. No cinema em geral, há estudos sobre isso, mas nunca pesquisei o assunto especificamente. É uma discussão extensa. 

MCB: O que diferencia um filme de horror feito no Brasil para outras cinematografias como, por exemplo, a americana e a italiana?

LC: Em primeiro lugar, tem uma diferença brutal de orçamento – que já é grande no cinema brasileiro em geral, e costuma ser mais significativa ainda nos filmes de horror, que são produções menores. Também o fato de não haver uma indústria organizada, nem uma tradição reconhecida no gênero, faz muita diferença, pois cada filme tende a ser uma aventura isolada. Isso é diferente do que ocorre nos EUA, na Itália ou no Japão, por exemplo, que são países com tradição importante no horror. Talvez esse quadro esteja mudando agora por causa dos festivais e de alguns tipos de associação dos cineastas dedicados ao gênero, mas ainda é cedo pra saber se os efeitos a longo prazo.

MCB: No mesmo ano de sua tese, você criou o blog Medo de Quê? . O que a levou a fundar o blog? E como ele funciona em termos de conteúdo e de periodicidade?

LC: Eu não pretendia publicar a tese da forma como ela estava, pois havia muito a descobrir, corrigir e atualizar. É que tese tem prazo para ser entregue, então nem sempre a gente consegue fazer o trabalho que gostaria. Por isso o blog foi uma maneira de dar acesso aos resultados da pesquisa, com links para os artigos que publiquei depois, para trabalhos de outros pesquisadores, além de notícias, imagens etc. Mas já faz uns dois anos que a atualização está muito eventual, pois não tenho tido tempo para me dedicar como gostaria.

MCB: Como se dá relação entre o blog e os leitores?

LC: No momento, quase não há relação, pois não tenho tido tempo de atualizar, e muitos contatos feitos ali migraram para as redes sociais. Mas todo mês alguém me adiciona no Facebook contando que leu alguma coisa no blog que achou interessante. É bem legal.

MCB: Você participa de vários eventos ligados ao gênero horror. O interesse do público pelo gênero é grande, é crescente?

LC: Acho que o interesse é grande se comparado ao que havia há dez anos. E parece ser crescente, pois temos diversos festivais acontecendo todos os anos (RioFan, Fantaspoa, Cinefantasy), com cada vez mais filmes brasileiros novos sendo lançados, e diretores que começam a ficar mais conhecidos, como o Rodrigo Aragão, o Marco Dutra e a Juliana Rojas. Também alguns cineastas de fora do circuito de horror estão produzindo filmes do gênero, como o Walter Lima Jr. e o Roberto Moreira. Mas acho que não dá pra pensar que o gênero se transformou numa nova “onda”. Por enquanto, quase todos os interessados parecem se conhecer nas redes sociais, o que significa que não temos de fato um mercado, e sim um nicho barulhento e bem localizado. Mas isso é só a minha impressão, não conheço pesquisas a respeito.

MCB:  Qual seu diretor de horror predileto no Brasil e no cinema estrangeiro, e qual seu filme de horror predileto no Brasil e no estrangeiro?

LC: No Brasil é o Mojica, claro. Mas não tenho um filme preferido, e sim uma fase da carreira dele: de 1964 (À meia-noite levarei sua alma) até 1970 (Ritual dos sádicos/ O despertar da besta). Já no cinema internacional é muita gente e muito filme, então acho impossível responder.

MCB: As únicas perguntas fixas do site. A primeira é: qual o último filme brasileiro a que assistiu?

LC: No cinema, O super nada, do Rubens Rewald. Na TV, A ópera do cemitério, da Juliana Rojas, telefilme produzido pela TV Cultura. 

MCB: A segunda é: qual a mulher do cinema brasileiro, de qualquer época e de qualquer área, que você deixa registrada em sua entrevista como uma homenagem?

LC: Vou registrar a lembrança da Gilda de Abreu, que dirigiu um dos maiores sucessos de público do cinema brasileiro: O ébrio. Ela fez também Coração materno, que foi um dos primeiros filmes nacionais a trazer imagens de fantasmas – o que dá a ela um lugarzinho na história do terror brasileiro. 

MCB Alguma pergunta que não fiz e você gostaria de acrescentar?

LC: Não. Mas quero parabenizar você pela proposta do blog, que sempre achei muito legal e fiquei feliz em participar.


Entrevista realizada em junho de 2013.

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Sala 
 Sala Dina Sfat
Atriz intensa nas telas e de personalidade forte, com falas polêmicas.